Visão sintética: enxergando aquilo que você deveria estar vendo
09 de janeiro de 2015 12min de leitura
09 de janeiro de 2015 12min de leitura
Testando a visão sintética da Honeywell em uma aeronave AW139 da AgustaWestland durante um voo pela cidade de Nova York.
Tente relembrar a primeira vez que você viu um visor multi-funcional (MFD) em um cockpit. Comigo isto aconteceu por volta de 1987, quando vi um McDonnell-Douglas F-15E Strike Eagle em exibição estática em um evento de show aéreo. A aeronave de combate de alta tecnologia tinha um visor frontal assim como um sistema de imagem térmico. Isso tudo foi excepcionalmente impressionante para mim, um humilde estudante de pilotagem com apenas algumas horas em um Robinson R22.
Passaram-se alguns anos depois disto, até que eu ver uma “tela de TV” em algo que não fosse uma aeronave militar. A maioria dos historiadores de aviônica, no entanto, apontam 1982 como a época em que os cockpits de vidro passaram de usos militares e espaciais para as aeronaves comerciais. No final dos anos 90, depois de que os microprocessadores relativamente baratos entraram em cena, até mesmo as aeronaves de dois assentos com sistema de êmbolo tinham GPS com imagens digitais coloridas para ajudar os aviadores a encontrar as suas rotas.
Mas, você já reparou que a tecnologia de cockpit – pelo menos aquelas realmente de ponta – geralmente encontradas a bordo de aeronaves corporativas, parecem levar muito mais tempo para alcançar o universo das aeronaves de asa rotativa? Muitos acreditavam que os usuários de helicóptero representavam uma fatia tão pequena do bolo da aviação, que os aviônicos de vidro para aeronaves de asa rotativa não justificavam muita investigação e desenvolvimento. Afinal, a tecnologia foi projetada para alta velocidade, alta altitude, viagens em jatos e turboélices para viagens de uma ponta a outra entre os países. Os helicópteros, por outro lado, eram essas coisas lentas e utilitárias usadas para saltos curtos perto do solo.
Bem, agora, os tempos são outros! Os sofisticados pacotes de aviônicos, uma vez reservados para aeronaves e jatos executivos tops de linha, são agora algo padrão a bordo de uma vasta gama de helicópteros. Pode-se até mesmo encontrar um pacote com visor digital de reposição para um Robinson R22!
Em um esforço para provar que a tecnologia mais recente e mais empolgante está chegando à comunidade dos helicópteros, a empresa Honeywell International, situada em Morristown, New Jersey, convidou Rotor & Wing para voar um de seus mais recentes protótipos de aviônicos para helicópteros. Os engenheiros o chamam de “Sistema de Visão Inteligente” [Smart View System] – ou SVS, para encurtar.
SVS é o que o mundo da tecnologia refere-se como uma tecnologia “sintética”. Ele começa captando os dados sobre a localização das ruas, dos canais, das linhas de energia, dos terrenos e dos edifícios e utiliza esses dados para produzir uma representação colorida, digitalizada e mapeada da informação. (Essa é a parte “sintética”.) Mas, os designers do sistema da Honeywell deram um passo adiante ao, precisamente, sobreporem uma imagem infravermelho (IR) sobre o mapa digital. O resultado é uma imagem de visor multi-funcional que exibe o ambiente à frente da aeronave com base nos dados de mapeamento que informam o que deve estar presente, e o que o sistema de imagem térmico realmente encontra. Por exemplo, a composição de um rio orientada pelos dados mostrará uma faixa azul pela cidade. Mas, como as informações sobre o seu formato são apenas uma ‘estimativa’, pois não mostram como as suas dimensões mudaram por conta das marés, a imagem pode acabar não sendo fiel à sua verdadeira aparência naquele dado momento. A câmera de IR, porém, montada sob o nariz da aeronave fica enviando rápidas visões térmicas que irão mostrar as dimensões reais do canal, naquele exato momento. Este casamento entre os dados e as informações de IR é o que a Honeywell chama de um “Sistema Visual Combinado”, ou CVS.
O CVS foi certificado para aeronaves de asa fixa há vários anos, na verdade, e desde então tem sido aclamado como uma valiosa ferramenta, especialmente à noite quando torres desconhecidas podem aparecer do nada, e veados podem ser encontrados passeando sobre a pista bem quando o piloto está prestes a aterrar. “Temos feito pesquisas e trabalhos de desenvolvimento com helicópteros SVS há sete anos,” disse Dra. Trish Ververs, cientista pesquisadora em interface entre tripulação e sistemas de plataforma da Honeywell. “Mas, você não pode pegar essa tecnologia, jogá-la nos helicópteros e esperar que ela funcione.”
O motivo para o atraso da FAA em relação à aceitação do equipamento a bordo de aviões e a sua aprovação para o uso em helicópteros é uma simples questão de aerodinâmica: os helicópteros não se movem como os aviões. Os dados gerados e as imagens de IR apresentadas ao piloto no cockpit de MFD precisam mostrar o que está na rota do voo da aeronave. Isso é moleza para os aviões, já que, com poucas exceções, seu nariz aponta para a mesma direção que ele segue. Mas, para satisfazer os rigorosos padrões exigidos para a aprovação da FAA Parte 29 (normas de aeronavegabilidade para aeronaves de categoria de transporte), os engenheiros têm de provar que os dados e as imagens térmicas fornecidas pelo CVS mostrarão o que está na direção do voo, mesmo quando o nariz do helicóptero está, vamos dizer, inclinado a 10 graus para cima, enquanto ele está em um ângulo íngreme de descida. Honeywell ‘descobriu a fórmula’ para desenvolver esta tecnologia em aeronaves de asa rotativa e, até o momento deste texto, está finalizando os testes necessários para obter a certificação.
Fui levado para a linha de voo corporativo da Honeywell no Aeroporto Municipal de Morristown (MMU) e, então, para a aeronave AW139 da AgustaWestland. Em relação às aparências, o N139H era como qualquer outro AW139, exceto por uma câmera Astronics Max-Viz 1500 IR em um recinto montado sob seu lado estibordo.
O piloto de helicóptero da Honeywell, Marc Lajeunesse, me direcionou para o banco da esquerda, e ele assentou no da direita. Após a realização de uma rotina inicial, ele arrumou meu MFD esquerdo para exibir o sistema CVS, e o direito para mostrar uma tela de navegação integrada, o ‘olhar divino’. As três telas restantes – uma central e duas na frente dele – eram o instrumento de voo padrão, o sistema de monitoramento e a exibição de navegação presentes no sistema Primus Epic da Honeywell. Uma vez no ar e rastreando Nova Jersey em direção à ponta sul da Staten Island, o SVS – que é um mapa somente de dados – me proporcionou uma visão digital, para além da vista frontal das estradas, montanhas, linhas de energia e torres em meu caminho, juntamente com as informações habituais de voo, tais como velocidade, altitude e posição. Localizado perto do centro da tela havia um círculo pequeno, verde com uma linha saindo da parte superior e uma em cada lado. Os pilotos de combate chamariam este de vetor de caminho de voo (PFV), que usa a inclinação, o giro e a potência da aeronave para mostrar para onde ela iria se deixada naquele perfil. Portanto, se eu tivesse reduzido a potência e iniciado uma descida, o PFV teria saído do horizonte e mudado gradualmente para a parte inferior da tela para indicar onde iríamos parar. Se eu tivesse virado para a esquerda, ele teria movido para a esquerda, e assim por diante.
Os engenheiros da Honeywell também acrescentaram uma linha branca chamada “zero inclinação” por toda a tela. Qualquer elemento que se projeta acima desta linha estará a uma altitude que eventualmente vai colocá-lo em perigo, se esse perfil de voo for mantido. À medida que chegávamos à Lower Bay, perto da Staten Island, e virávamos ao norte em direção à Varrazano Narrows Bridge, Lajeunesse me pediu para comparar o que eu via da costa ocidental através da minha janela com o que eu via no SVS. Como a maioria dos sistemas, a imagem digital mostrava apenas um cálculo aproximativo de onde a água parava e a terra começava.
“Agora, olhe para isto,” disse Lajeunesse, à medida que ele mudava a tela para o modo CVS – aquele que utiliza a câmera do IR. Instantaneamente, uma camada transparente de IR centralizou-se na tela e usou as assinaturas de calor de toda aquela camada que estava na nossa frente para mostrar o que realmente estava lá. A imagem digital em movimento, fora reforçada com contornos pretos, brancos e cinzas de cada elemento, dos cais particulares ressaltando da costa, para as pequenas embarcações, indo para o porto de Nova Iorque.
“E se estivesse escuro e você tivesse que fazer um pouso de emergência?” Lajeunesse perguntou. Eu estava muito à frente dele. A margem do rio agora estava nítida e definida, não apenas uma curva casual e inexpressiva. Se fosse noite, eu teria sido capaz de ver exatamente onde eu poderia ter feito um pouso de emergência sem me molhar ou circunvalar e ser dividido ao meio por um navio de carga.
Mais para cima do rio, à medida que Lower Manhattan aparecia na vista, todos os sons e apitos do CVS entraram em jogo. Como a imagem de IR mostrava detalhes de pequenos barcos, edifícios e até mesmo de outras aeronaves, o sistema avançado de aviso de proximidade do solo (EGPWS) começou a identificar potenciais obstáculos. O EGPWS encontra obstáculos e, em seguida, faz uma avaliação de colisão em frações de segundo. Se ele decidir que o seu helicóptero está alinhado para atingir alguma coisa – no nosso caso, os arranha-céus, perto de Battery Park – a tela irá contornar as estruturas em amarelo para indicar que em sua atual velocidade e trajetória você está a 30 segundos de provocar uma colisão. Se você não alterar o seu curso, a sua altitude ou a sua velocidade, para evitar a colisão, a cor muda para vermelho, avisando-lhe que você agora está a 20 segundos de um ‘encontro infeliz’. É uma boa notícia quando a visibilidade está fraca.
Depois de voar até o Hudson River para a George Washington Memorial Bridge e, em seguida, inverter o curso para tomar a costa de Nova Jersey em direção à Hoboken, era hora de ver o que o SVS e CVS tinham para oferecer quando voando abordagens [diferentes].
Lajeunesse recebeu aprovação para lançar um ‘visual’ da pista 5 de volta à Morristown. Depois de alinhados 4 nm que estavam para fora, comparei a vista pela janela com o que as informações sintéticas estavam me dizendo. Mesmo de muito longe da correção de abordagem final, o SVS desenhou um alvo azul, em forma de diamante na extremidade da pista 5. Sem a imagem IR, eu ainda tive uma visão colorida, semelhante a um GPS do ambiente do aeroporto. Com o CVS, a tela me mostrou imagens de IR de casas, estradas, automóveis e torres distantes. De qualquer jeito, tudo o que eu tinha que fazer era adotar e manter uma atitude e velocidade de ar que colocasse aquele círculo verde do PFV dentro do diamante, e era exatamente lá onde eu iria terminar.
É redundante quando o sol está de pé e as condições VFR prevalecem. Mas, e se estivesse escuro e a área de pouso fosse um buraco no meio das árvores, um heliporto apagado ou uma área de evacuação médica remota com que o piloto não estivesse familiarizado? A tripulação seria capaz de obter uma visão excelente de quase todas as dificuldades antes de se comprometer a uma aterragem, além de ser capaz de julgar a sua rota de descida por cima de um terreno sem traços característicos. Antes de finalizar o voo, Lajeunesse perguntou à torre se poderíamos usar a pista 13/31 por um tempo. Depois de aprovado, nós taxiamos para o fim da pista 13 para que eu pudesse testar o CVS por uma última vez.
Imagine, a visão sintética tem estado a bordo de aeronaves comerciais por mais de 10 anos. E apesar de jatos serem máquinas muito rápidas, são ágeis apenas quando movem-se para a frente. Os helicópteros, como nós todos conhecemos e amamos, move para a frente, para trás, para o lado e podem girar em torno de seu eixo de guinada a graus bastante impressionantes. Consequentemente, as imagens digitais e de IR podem ser inúteis se elas não conseguirem se atualizar rápido o suficiente para acompanhar a aeronave.
Portanto, enquanto na pista fechada, pedi ao Lajeunesse para executar um voo pairado no ‘efeito solo’ com o AW139, e pisar no pedal. No que ele fez isto, meus olhos ficaram colados no visor. Mesmo com um grau de guinada bem forte, tanto as magens de dados digitais quanto o modo de exibição de IR nos acompanharam. Os resultados foram os mesmos quando ele executou uma parada brusca. Aquilo já era o suficiente para mim e, então, estacionamos a aeronave no hangar da empresa.
Não se enganem com isso; a engrenagem de aviônicos sintéticos do SVS/CVS da Honeywell parece ter feito uma transição do mundo de asa fixa para o ‘mundo do rodopio’. Ela consegue manter a sua câmera apontada para onde ela deveria estar, oferece ao piloto uma tonelada de informações úteis e pode ser desligada e ligada conforme necessário. Ela usa a cor, o mapa baseado no banco de dados, que muitos de nós têm se tornado dependente, e a torna ainda mais útil por acrescentar uma camada nítida de IR à tela.
Depois que a FAA certificar a tecnologia – e eu acredito que irá – ela deve encontrar muitos fãs. Ververs ainda chama esta versão de helicóptero de um “trabalho em andamento”. “Esperamos que muitos desses elemetos estejam no produto final,” ela relatou. “Mas alguns deles podem não estar.”
Fonte: Rotor & Wing/ Reportagem: Ernie Stephens
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