Motivo de deboche durante a campanha eleitoral para a Presidência da República, o veículo aéreo não tripulado (Vant) pode se tornar uma das principais ferramentas de segurança para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos no País. Forças Armadas, Polícia Federal (PF) e governos estaduais já realizam testes com esse tipo de equipamento para ações de vigilância de fronteira e urbana. O Brasil mesmo tenta desenvolver sua própria tecnologia. E até 2014, especialistas não têm medo de arriscar que o chamado “disco voador” terá lugar de destaque no combate tático de prevenção e reação a crimes, como hoje já acontece em países desenvolvidos.

Durante os grandes eventos esportivos que acontecerão no País nos próximos anos, os Vants poderão ser empregados nas mais diversas missões. Desde organização do público nos estádios – como já foi testado pela Brigada Militar (a polícia militar gaúcha) no jogo final da Taça Libertadores deste ano, em Porto Alegre – até apoio em situações de crise que obrigam a retirada imediata das pessoas do local do evento. “O Vant é um processo irreversível”, afirma o capitão da Polícia Militar (PM) da Bahia Arlindo Bastos, estudioso do tema. “Com certeza esse sistema estará em operação na Copa”, diz.

A ideia dos Vants é simples: uma aeronave controlada por controle remoto e que, acoplada com câmera, consegue fazer o mapeamento da área protegida e dar apoio tático às operações militares. Além disso, o sistema – que envolve também envio de dados ao comando terrestre – pode ser empregado em funções civis, como monitoramento do trânsito, fiscalização ambiental e apoio em ações emergenciais em caso de desastres naturais.

“É uma tecnologia que pode ser aplicada em praticamente qualquer situação”, diz o capitão Jacy Montenegro, que junto com Bastos gerencia um projeto de desenvolvimento de um Vant nacional no Instituto Militar de Engenharia (IME), baseado em São José dos Campos (SP). As dimensões da aeronave podem variar conforme seu propósito: as focadas em operações urbanas podem pesar 5 quilos e caber dentro de uma mochila enquanto aquelas usadas em missões de vigilância de fronteira, quando é necessário uma autonomia de voo muito maior, podem chegar a 70 kg e precisar de uma pista de decolagem.

Durante palestra na Conferência Anual de Segurança Pública (SegBrasil), que terminou ontem na capital paulista, Bastos deu ainda outros exemplos da versatilidade que o equipamento pode proporcionar. Segundo ele, nas queimadas que devastaram parte do Cerrado brasileiro, se o Vant já estivesse em uso poderia se ocupar da vigia dos focos de incêndio, liberando as equipes nos helicópteros para o combate ao fogo.

Atualmente as experiências nos Estados tentam focar no uso do Vant em ações de segurança pública nas grandes capitais. Montenegro afirma que o Vant pode cumprir a função de reconhecimento do terreno sem colocar a vida de um soldado em risco. Em uma favela, diz, “o traficante leva vantagem ao ver a região do alto do morro”. “O Vant pode proporcionar isso ao comando da operação. É como se a polícia tivesse lá no alto vendo todo esse labirinto. De baixo para cima a visão é de duas ou três casas.”

Ele conta que, em conversa com o comando do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da PM do Rio de Janeiro, soube que a simples imagem de um beco no caminho dos agentes pode ajudar a evitar uma emboscada e salvar a vida de um soldado. “Dependendo do tipo de câmera acoplada dá até para saber qual o armamento que o bandido usa”, afirma. Dentre estas câmeras estão incluídas as com lentes ópticas, que conseguem aproximar e captar detalhes do perímetro, e as de detecção de calor.

Conforme Bastos, que “em breve” espera poder contar com a ferramenta no combate ao crime em Salvador, o Vant possibilitará que a polícia aumente sua eficiência nas ocupações de áreas comandadas pelo crime organizado ao mesmo tempo em que diminui os riscos para a população local. A aeronave não tripulada pode ser direcionada a seguir os criminosos que fogem, enquanto o restante da tropa se ocupa da prisão dos que ficaram encurralados. Ainda, com equipamento especial, o Vant tem a capacidade de dar apoio a ações noturnas, quando o movimento de moradores nas ruas é bem menor – diferente dos helicópteros, o Vant equipado com motor elétrico é silencioso, reforçando o elemento surpresa da operação.

A tecnologia ainda enfrenta algumas resistências. No aspecto legal, não há regras que definam seu uso no espaço aéreo brasileiro. “O Vant é uma ferramenta nova, e não existe previsão de emprego deles na legislação civil”, afirma Bastos. Porém, de acordo com ele, o governo federal e a Força Aérea Brasileira (FAB) têm estudos para a regulamentação. Hoje, para utilizar este equipamento é necessário um aviso (chamado de Notan – Notice to Airman, na sigla em inglês) para avisar a FAB que em determinado perímetro irão ocorrer testes com Vant. Esse processo leva tempo e por isso é necessário um rigoroso planejamento. “É possível enxugar isso” com uma legislação específica, conta.

Projeto nacional

O projeto em que Bastos e Montenegro estão envolvidos – o Lanus 3, que é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Feperj) – tem o objetivo de desenvolver um Vant com tecnologia nacional. Essa busca tem duas motivações. A primeira é a dificuldade de importar componentes regulados por tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário e que limitam e, em alguns casos, até impedem seu emprego para fins militares.

O segundo é atingir a independência tecnológica do País. “Estamos perseguindo de perto a tecnologia estrangeira e temos condição de gerar soluções próprias para o Brasil”, diz. “O custo de desenvolvimento pode ser alto, mas o de produção é baixo.” Sobre dependência tecnológica, ele exemplifica o sistema GPS, cujo funcionamento depende de satélites norte-americanos. Segundo Montenegro, União Europeia e Rússia desenvolvem satélites próprios justamente para manter a soberania nesta ferramenta.

Durante sua exposição na Conferência Anual de Segurança Pública, Montenegro afirmou que “comprar equipamentos prontos nos transformam em duas coisas: escravos tecnológicos e burros”. “Somos brasileiros, somos criativos”, disse. “Se comprar algum equipamento lá de fora, é para desmontar e olhar como funciona. Só”, completou. “Como o Brasil pode reivindicar uma vaga no Conselho de Segurança da ONU se não tiver soberania tecnológica nesta área (militar)?”, questiona.

Piada

Os aviões não tripulados chegaram a ser tachados durante a campanha presidencial pelo candidato derrotado José Serra (PSDB) de “disco voador”. Para Bastos, da PM da Bahia, por ser uma tecnologia inovadora, o Vant desperta reações em “dois tipos de pessoa, as que acreditam e as que não acreditam na sua eficácia”. “Mas (o emprego deles) é irreversível. E com o tempo as forças policias irão comprovar a eficiência do equipamento”, diz. De acordo com ele, o Brasil seguirá uma tendência mundial. “Oitenta por cento das operações aéreas norte-americanas no Afeganistão e no Iraque são realizadas com veículos aéreos não tripulados.”

Já Montenegro, perguntado se as manifestações contra o Vant soam como desdém, diz que não acompanhou a discussão. “Eu estava no laboratório desenvolvendo tecnologia brasileira”, responde.


Reportagem: Wladimir D’Andrade (Agência Estado) via Notícias Sobre Aviação