Iniciativa pode ampliar as chances de vida de brasileiros na fila de transplantes. Em Minas, problema foi sanado com convênios.

Gabriel precisava de um coração novo para continuar a viver. O garoto brasiliense de 12 anos era o número um do Centro Nacional de Transplantes, na fila por um órgão compatível, e sua esperança aumentou em 1º de janeiro, quando um coração viável surgiu na cidade de Itajubá, no Sul de Minas Gerais.

Todos os procedimentos de preparação do paciente e da equipe médica do Instituto de Cardiologia do Distrito Federal começaram imediatamente, pois o coração dura apenas quatro horas sem irrigação sanguínea. Contudo, apesar de toda essa corrida contra o tempo, o órgão que poderia salvar Gabriel se perdeu por falta de uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB) para fazer o transporte de mil quilômetros. Uma semana depois, o garoto morreu.

O caso de Gabriel ilustra como é crítica a falta de um sistema aéreo eficiente para quem amarga a espera de um órgão compatível na fila nacional dos transplantes, situação que só começou a mudar na terça-feira, com a edição de um decreto editado pelo presidente interino, Michel Temer, determinando que um avião da FAB fique disponível para o transporte de órgãos. Em Minas Gerais, esse drama foi sanado com vários convênios costurados há mais de 10 anos entre as forças de segurança pública estaduais, companhias aéreas e o Complexo MG Transplantes, criado em 1992.

Entre 2013 e 2015, a falta de aviões e helicópteros da FAB disponíveis para captação de órgãos resultou na deterioração e perda de 153 corações, fígados, pulmões, pâncreas, rins e ossos no país, mostrou na última semana reportagem do jornal O Globo ilustrando a disponibilidade desse transporte para autoridades e outras pessoas. Enquanto isso, em Minas Gerais, no mesmo período, foram 121 transplantes realizados no estado utilizando helicópteros e aviões de companhias aéreas parceiras, dos Bombeiros, das polícias Militar e Civil, segundo o MG Transplantes.

A ponte aérea permitiu a captação dos tecidos e órgãos nos pontos mais difíceis do país e também em outros estados. Até quinta-feira, foram 16 viagens para essa finalidade no estado. “A FAB não estava conseguindo disponibilizar aviões em tempo hábil para todas as necessidades dos pacientes brasileiros, mas isso não ocorre em Minas Gerais”, afirma o diretor do MG Transplantes, Omar Lopes Cançado.

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Angústia

Em Minas, o MG Transplantes é responsável pela captação e distribuição de órgãos dentro do estado. “Quando há uma paciente com diagnóstico de morte encefálica em algum lugar, a instituição hospitalar é obrigada a comunicar ao MG Transplante. Vai proceder a confirmação do diagnóstico, de todos os exames que precisam ser feitos, vamos solicitar a doação aos familiares e proceder a logística de captação daquele órgão”, afirma Omar. A lista de transplante é única e nacional. “O órgão captado dentro em Minas fica preferencialmente no estado, a não ser que não haja um receptor aqui para recebê-lo. Nesse caso, o órgão é ofertado para o Sistema Nacional de Transplante, do Ministério da Saúde, em Brasília, que o distribui para outros estados, de acordo com a lista de pessoas de fora”, explica Omar.

A angústia de esperar por um órgão que vem de longe bateu duas vezes na atendente Waldirene de Oliveira Leite, de 38 anos, moradora do Bairro Jardim Canadá, em Nova Lima, na Grande BH. O primeiro transplante de rim, realizado com doador mineiro, em 2013, não vingou. “Fiquei naquela expectativa de me livrar da hemodiálise, de ficar boa e voltar a trabalhar, a cozinhar, coisas simples da vida que não consigo mais fazer por causa do meu rim doente”, conta. Mas o transplante não deu certo. Waldirene acabou internada, chegou a ter uma parada cardíaca na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e teve de remover o órgão.

Em março deste ano, uma nova oportunidade de doador compatível. “Foi de madrugada que o médico me ligou. Foi tudo muito rápido, porque o órgão vinha de Santa Catarina, no avião do governo do estado. Em poucas horas estava pronta e fiz a cirurgia na manhã do domingo de Páscoa. Para mim foi um renascimento. Não quero mais passar por isso. Se não tivesse o transporte para meu rim, poderia ter morrido enquanto esperava”, afirma.

Viagens de Dilma

Cinco dias antes de o presidente interino Michel Temer assinar o decreto disponibilizando avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para o transporte de órgãos, os voos da presidente afastada Dilma Rousseff nas aeronaves oficiais foram limitados ao trajeto Brasília/Rio Grande do Sul.

A decisão foi tomada depois no dia 1º, depois de um parecer elaborado pela subchefia de assuntos jurídicos da Casa Civil. Os aviões da FAB só poderão ir para o Rio Grande do Sul, onde reside a família da presidente afastada.

A justificativa para o veto é que a petista não tem mais compromissos oficiais aos quais o transporte aéreo é destinado. Em reação, a defesa da presidente protocolou na terça-feira, no Palácio do Planalto, um documento informando ao presidente em exercício, Michel Temer, que a negativa dada para as viagens de Dilma fará do governo interino responsável “por quaisquer situações que violem a segurança pessoal da presidente ao longo destes deslocamentos”.

Corrida contra o tempo

Com um território de 586.528 quilômetros quadrados, Minas Gerais já teria perdido muitas vidas não fosse o convênio do MG Transplante que permite acesso a aeronaves do governo, das polícias Civil e Militar e do Corpo de Bombeiros. É preciso correr contra o tempo para buscar órgãos doados e implantá-los a tempo nos pacientes que dependem deles para sobreviver, frisa o diretor da instituição, Omar Lopes Cançado.

Ele explica que alguns órgãos têm o tempo de isquemia – período em que podem ficar fora do corpo sem se deteriorar – muito curto. “É por isso que a gente precisa de transporte aéreo. Quando há uma doação, a gente tem a máxima urgência em fazer a cirurgia de retirada de órgão e o implante. Quanto menos tempo, melhor”, disse.

Num estado do tamanho de Minas Gerais e, pior, num país de proporções continentais como o Brasil, o transporte por terra é simplesmente inviável. O coração, exemplifica Omar Cançado, só tem quatro horas para ser retirado e implantado em outra pessoa. Para o pulmão são quatro horas. No caso do fígado, 12. “Esses tempos são muito curtos. Se a gente for buscar um órgão em Montes Claros, por exemplo, que são cinco ou seis horas de viagem por terra saindo da capital, inviabilizaria a utilização de boa parte dos órgãos”, explica.

Felizmente, ressalta, essa questão está solucionada no estado. “Não temos problemas, exceto naqueles casos em que não há possibilidade de voo, quando não tem teto para a aeronave voar”, comenta Omar Cançado. Há 10 dias, a equipe mineira buscou órgãos na Bahia. No estado, são 3 mil pessoas na fila à espera de transplantes, das quais 2,5 mil aguardando por rins. Para o transporte, o órgão é mantido resfriado a 4 graus Celsius, em uma solução de conservação para evitar a deterioração durante a viagem.

Fonte: EM.com.br