São Paulo – Quatro horas. Esse era o tempo máximo para que um pulmão fosse transportado de São Paulo para Rio Preto para salvar a vida de Nivaldo Fernandes de Almeida, morador de Catanduva, de 58 anos. Na corrida contra o tempo, foi o transporte aéreo que ajudou o aposentado a voltar a respirar, sem ter colado consigo um cilindro de oxigênio. Quando acordou no quarto do Hospital de Base, no dia 8 de setembro de 2019, ele se deu conta que estava diante de um novo início. Era uma nova oportunidade de aproveitar a família.

Piloto Daniela Pereira Ramos e tripulante de bordo Ednelson dos Santos da Base Aérea da PM de Rio Preto

Piloto Daniela Pereira Ramos e tripulante de bordo Ednelson dos Santos da Base Aérea da PM de Rio Preto

Na segunda reportagem da série especial “Jornada da vida”, o Diário mostra como o aeroporto de Rio Preto funciona como base para salvar vidas no interior de São Paulo. São voos que levam órgãos e esperança. “Tenho muita gratidão a todos. Antes eu não podia andar de moto, nem sair de casa, porque tinha que carregar o cilindro de oxigênio. Aquele homem que não andava nem cinco metros sem oxigênio, hoje, corre seis quilômetros sem nada”, diz Almeida, que recebeu um novo pulmão em 2019.

Nivaldo entrou na fila do transplante, em março de 2019, mas sua história de dificuldades de respiração começou muito antes. Foi em 2005, que o ex-tabagista foi parar na UTI pela primeira vez. Começava ali a luta para voltar a ter uma vida normal, mas que se estendeu por 14 anos até receber um novo pulmão transplantado de um adolescente que morreu na capital.

“Naquela época não existia o transplante de pulmão na região. Fui fazendo diversos tratamentos para tentar melhorar minha oxigenação. Foi quando minha médica falou que o HB tinha começado a fazer transplantes. Lembro que entrei na fila, em março de 2019, e meses depois, exatamente no dia 7 de setembro, me falaram que tinha um pulmão compatível com minha caixa torácica”, relembra.

Para vir da capital para Rio Preto, um avião foi utilizado para o transporte do novo pulmão de Nivaldo. E dados do Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (Daesp) revelam que houve um aumento do número de aeronaves médicas embarcando e desembarcando no aeroporto de Rio Preto durante a pandemia da Covid-19. Em 2019, 61 aeromédicos passaram pelo aeroporto. Em contrapartida, no ano passado, esse número saltou para 154. Um aumento de 152%. Neste ano, de janeiro a junho, 95 aeromédicos já pousaram ou decolaram na pista rio-pretense.

Segundo o coordenador da procura de órgãos do Hospital de Base de Rio Preto, João Fernando Picollo, transplantes de coração e pulmão somente são possíveis graças ao transporte aéreo. “São órgãos que não podem ter atraso no transporte, pois resistem apenas quatro horas fora do corpo humano. Por isso, da importância do setor de transportes para salvar vidas”, explicou.

Em Rio Preto, dos aproximadamente 2,8 mil transplantes realizados no Hospital de Base nos últimos dez anos, 30% deles contaram com ajuda da aviação para acontecer. “São órgãos que necessitam de rapidez e agilidade para serem transportados”, destacou Picollo.

Além de aviões fretados e até o helicóptero Águia da Polícia Militar, aeronaves comerciais também são utilizadas no transporte de órgãos. Um levantamento da Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear) aponta que a aviação comercial realiza mais de 80% dos transportes por via aérea para transplantes do Brasil. A cada ano, cerca de 9 mil órgãos e tecidos doados chegam a tempo aos pacientes graças à agilidade da aviação.

“A grande vantagem da aviação é a velocidade. Ela consegue levar pessoas ou carga com rapidez e isso faz total diferença. Na pandemia, isso ficou ainda mais evidente, com hospitais lotados em regiões do País, foi graças ao apoio da aviação que pacientes lá do Norte foram transferidos para hospitais do Sudeste. Sem contar na parceria que empresas aéreas fizeram para transportar profissionais de saúde gratuitamente para regiões que necessitavam de mão de obra”, destacou o diretor de segurança e operações de voo da Abear, Ruy Amparo.

Águia

Além dos aviões, o helicóptero Águia da Polícia Militar também ajuda no transporte de órgãos. A base de Rio Preto é composta por quatro pilotos e 18 tripulantes operacionais, que se revezam em quatro turnos de 12 horas. “Geralmente, somos acionados para o transporte de órgãos através dos bombeiros. Levamos a equipe médica daqui ao local para pegar o órgão e depois trazemos a equipe junto o órgão para ser realizada a cirurgia”, disse a tenente e piloto Daniela Pereira Ramos.

Em dez anos, a equipe ajudou a salvar 12 vidas. A última operação foi do pequeno morador de Presidente Venceslau Vitor Ribas da Silva, de 6 anos, que estava internado no Hospital da Criança e Maternidade (HCM), de Rio Preto, aguardando por um novo coração. Graças à solidariedade de uma família de Ribeirão Preto, médicos e da equipe de aviação da PM de Rio Preto, o garotinho ganhou um novo coração no último dia 21 de fevereiro.

“A gente fica muito feliz por poder ajudar. Utilizamos o transporte para minimizar o tempo e conseguimos agregar a um serviço público de qualidade. É um trabalho em conjunto”, afirma o enfermeiro e tripulante de bordo Ednelson dos Santos, que há 23 anos atua na aviação da Polícia Militar de São Paulo.

Para quem foi salvo com ajuda da aviação. O sentimento é de gratidão e que tudo pode ser possível. “A todos, o meu muito obrigado”, agradeceu o morador de Catanduva, Nivaldo.

Avião da Força Aérea Brasileira (FAB) é usado para remoção de pacientes em estado grave

Avião da Força Aérea Brasileira (FAB) é usado para remoção de pacientes em estado grave

Transporte de pacientes com Covid

Com hospitais lotados e sem leitos para acolher mais pacientes com Covid-19, no pior momento da pandemia, foi através da aviação que vidas foram salvas. Dados da Força Aérea Brasileira obtidos pelo Diário mostram que, desde março de 2020, mais de 900 pacientes com o coronavírus foram transferidos em aeronaves da FAB.

Os voos pela vida aconteceram quando hospitais de Manaus (AM) e Mato Grosso do Sul (MS), por exemplos, estavam com ocupação de leitos máxima e não conseguiam mais atender pacientes com a doença. Com isso, a solução encontrada por governadores, em parceria com o Ministério da Saúde, foi de transferir os doentes para hospitais de estados que estavam com menor ocupação de leitos. “A FAB está dedicada permanentemente com o seu efetivo e suas aeronaves C-97 Brasilia, C-105 Amazonas e o C-99, 24 horas por dia e sete dias por semana, ao atendimento às necessidades de enfrentamento à pandemia do coronavírus. As missões têm o objetivo de minimizar os impactos no sistema de saúde, principalmente da região Norte para outras localidades do Brasil”, informou a nota da FAB.

Além do transporte de pacientes com coronavírus durante a pandemia, a FAB também é responsável pelo transporte de órgãos. Balanço de 2020, aponta que aeronaves da Força Aérea Brasileira foram acionadas 225 vezes e transportaram 295 órgãos. Em 2021, até o mês de julho, foram 158 órgãos conduzidos.

Em Rio Preto, o último trabalho da FAB aconteceu no início de julho, quando a equipe do 6º Esquadrão de Transporte Aéreo da Força Aérea Brasileira (FAB) desembarcou no aeroporto da cidade vindo de Sorocaba, com um fígado que foi transplantado em um homem de 45 anos que apresentava um quadro de cirrose. A cirurgia foi um sucesso e o paciente foi salvo. “Essa cooperação da FAB é muito importante”, disse Renato Silva, responsável pelos serviço de transplante de fígado do Hospital de Base.

Segundo a gerente executiva de gestão e projetos da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), Fernanda Rezende, muitos aeroportos brasileiros funcionam como base de salvamento. “O transporte aéreo está muito habituado a salvar vidas, seja no transporte de órgãos ou na transferência de pacientes, e os aeroportos do interior ajudam nisso”, afirmou.

O transporte passo a passo

1) Hospital com distância de até duas horas de voo de Rio Preto comunica o Serviço de Procura de Órgãos e Tecidos (Spot) do Hospital de Base sobre pacientes com morte cerebral

2) Equipes do setor de transplantes e do Spot vão até o hospital avaliar o potencial doador. No caso do pulmão e coração, é avaliado o estado geral do órgão e se o seu tamanho e tipo sanguíneo são compatíveis com os dos receptores na fila de espera do HB.

3) Se houver boa compatibilidade entre doador e receptor, o Spot avisa os médicos do HB, que imediatamente contatam dois possíveis receptores da fila de espera (um preferencial e outro como stand by). Uma vez no hospital, o receptor é preparado por cerca de uma hora e meia.

4) Enquanto isso, as equipes do Spot e dos cirurgiões que estão no hospital do doador retiram o órgão (pulmões, rins, coração, fígado) em um tempo máximo de 50 minutos e inserem os órgãos em uma solução para preservá-lo na viagem. Outros 10 minutos são gastos no caminho até o aeroporto. No caso dos pulmões e coração, o ideal é que sejam transportados em até cinco horas após serem retirados do doador.

5) Com o objetivo de acelerar o processo, o transporte é feito, normalmente, de avião ou helicóptero. É a corrida contra o tempo para salvar uma vida.

6) No HB, os médicos abrem o tórax do receptor, já sedado. No caso do pulmão, é necessário serrar as costelas. Após o procedimento, a equipe retira o órgão que será substituído.

7) O novo órgão – coração, pulmão, fígado ou rins – é inserido nos pacientes. No caso dos pulmões, os cirurgiões costumam primeiro o brônquio, depois a artéria e a veia. Com o paciente respirando pelo novo pulmão, os médicos começam o transplante no outro lado. Todo procedimento dura de, no mínimo, seis até dez horas.

8) Depois da cirurgia, o transplantado é levado para Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde permanece por entre uma e duas semanas. Em seguida, ele é transferido para um quarto e fica por lá mais duas semanas até receber alta. Normalmente, o paciente fica um mês internado no hospital até ir para casa.

Dados

24.014 voos sendo aproximadamente 61 aeromédicos.

18.818 voos sendo aproximadamente 154 aeromédicos.

10.099 voos sendo aproximadamente 95 aeromédicos.