Sobrevivência – A Sociedade clama por uma Política Nacional de Segurança Pública
07 de setembro de 2017 25min de leitura
07 de setembro de 2017 25min de leitura
Eduardo Alexandre Beni
Coronel RR Polícia Militar de São Paulo
Herven Hudson Bozello
Ten. Coronel RR Polícia Militar de São Paulo
A Segurança Pública definida na Constituição Federal de 1988, como um Direito Fundamental, que decorre das relações entre o Estado e a Sociedade, com a responsabilidade conjunta de planejar, implementar, monitorar e avaliar as políticas públicas, desde logo, cultua a federalização das ações.
Nos primeiros dias de Janeiro deste ano, em meio a mais uma tormentosa comoção social criada pelas sazonais guerras entre facções criminosas, que dominam os presídios brasileiros, a nação foi chacoalhada por mais um Plano Nacional de Segurança Pública. Apresentado e explicado pelo então Ministro da Justiça, após alguns meses de sua apresentação, parece que vai precisar de mais tempo para que a sociedade perceba a efetividade das propostas. O Rio de Janeiro e outros Estados da Federação passam por um momento, sem precedentes, de insegurança pública.
Aceitável a proposta, principalmente quando aborda o tema calcado na integração, cooperação e colaboração, porém ações como essas dependem da ratificação legislativa, bem como da aceitação dos órgãos de segurança pública que compõe o sistema. A simples vontade de fazer não garante seu sucesso futuro. A fala não é nova e existem muitos trabalhos e ações sobre os temas apresentados na proposta, mas sem definição política de longo prazo, o modelo, já conhecido, é pouco eficaz e quase inócuo.
A mudança precisa passar invariavelmente por uma remodelação do sistema de segurança. Algo que efetivamente atenda os anseios da sociedade e não os anseios políticos de quem tem autoridade sobre o sistema. Aliás, esse é o grande problema da segurança pública, onde há muita retórica política e pouca atenção para a técnica e para as soluções do dia a dia, onde o policial, diuturnamente, tenta atender os clamores sociais por segurança da forma que é possível fazê-lo.
Temas como a criação de um Consórcio Público Interfederativo de Segurança Pública, o uso do Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) pelas Polícias Militares, estabelecimento de metas para esclarecimentos de crimes de autoria desconhecida, uso de ferramentas de tecnologia, estabelecimento de processos e métodos de gestão mais eficazes e eficientes na segurança pública e accountability, não passaram nem perto desse projeto apresentado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Na esteira da sazonalidade definida pelo fio condutor das catástrofes sociais, temos assistido a edição e reedição de planos políticos que se esquecem de perguntar para os reais profissionais de segurança pública quais poderiam ser as soluções exequíveis. Existem centenas de milhares de trabalhos científicos produzidos por esses profissionais que nem se quer saem das prateleiras, gavetas ou da HD de computadores.
Relembrando, a Primeira Conferência Nacional de Segurança Pública de 2009, mobilizou profissionais, técnicos e estudiosos que se debruçaram sobre o tema e que resultou num bom trabalho, porém inaplicável ou inexequível, a partir da ótica da operacionalização das propostas.
Agora, passado o tempo, sem que fossem aplicados os resultados teóricos da Conferência e asseverando o quadro sombrio, apresentaram mais um Plano Nacional de Segurança Pública, intitulado de “Novo”.
Novo em que, se na sua essência copia muitos pontos do inconcluso plano de 2000, que, alias, em nada se compara ao apresentado, inclusive na forma. O Plano de 2000 apresentava 15 compromissos, inclusive o aperfeiçoamento do Sistema Penitenciário e o Combate ao Narcotráfico e ao Crime Organizado. Parece piada, mas não é. Do Plano de 2000, por exemplo, houve a criação do Fundo Nacional de Segurança Pública – FNSP. Esse “novo” Plano de 2017 demonstra certa ineficiência do Estado em resolver os problemas da Segurança Pública, inclusive os que deságuam nela.
Mas, como inovar em Segurança Pública? Como reduzir a criminalidade? Como reduzir o ingresso de armas e drogas pelas fronteiras? Integrando as Polícias? Construindo presídios? Integrando bancos de dados? Utilizando as Forças Armadas na segurança pública? Convocando policiais inativos para a Força Nacional? Convocando reservistas para a Força Nacional? Utilizando os Centros Integrados de Comando e Controle (CICC) criados para os grandes eventos e que em alguns estados, não integram processos e às vezes nem as pessoas?
Quais são as medidas efetivas de mudanças sociais que o novo plano trouxe? Haverá reformulação da política antidrogas, cujas vítimas se amontoam nas praças das grandes cidades? Haverá educação, para crianças e jovens, capaz de torná-los cidadãos conscientes e que cultuam o convívio pacífico?
Segurança Pública é um cenário construído sobre bases que remontam o passado recente, que produz danos indeléveis no presente e, pior, que projeta um futuro inimaginável, porém longevo o suficiente para nos permitir afirmar que as consequências não estão ao alcance da visão, descortinando um horizonte nebuloso, em especial se mantido os modelos atuais de abordagem do tema.
Segurança Pública como Política de Estado não pode ter início, meio e fim. A própria sociedade, dinâmica e estéril aos planos governamentais, não vai esperar para ver se deu certo. Precisamos mais, planos devem ter norte, roteiro, necessariamente adaptável, célere e perene. Tão sinérgico, quanto inovador.
Acompanhar a evolução social é tão importante quanto antever e conter os avanços da criminalidade, permitindo efetivo controle sobre situações adversas, quem sabe aplicando hoje Maquiavel e SunTsu na gestão de segurança pública. A estratégia como ferramenta para se alcançar resultados. Os celulares existem há anos, os bloqueadores também e ainda permitimos que se comandem crimes e se organizem as facções de dentro de presídios.
Não são somente críticas, são constatações, pois para mudar uma realidade é preciso ter coragem, é preciso mais que um plano, são necessárias ações políticas integradas, o Estado Democrático de Direito deve ser respeitado e a República atender ao seu fim, colocando o poder nas mãos do seu titular: a Sociedade Civil.
Como elaborar um plano dessa importância sem chamar à mesa Ministérios como da Educação; Defesa; Transportes, Portos e Aviação Civil; Desenvolvimento Social e Agrário; Meio Ambiente; Integração Nacional; Cidades; Direitos Humanos; Planejamento, Desenvolvimento e Gestão; Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, além de todos os outros envolvidos nos estados e municípios. E não para por ai, depois de formatado, o documento deveria seguir para o Congresso Nacional, resultando numa lei que definisse essas políticas.
Parece exagero? Pois é, mas a segurança pública atua na ineficiência daqueles que tem responsabilidade em oferecer uma melhor qualidade de serviços para os cidadãos e, porque não dizer também, sobre a ineficiência da própria segurança pública em entender os acenos e anseios sociais.
Então, vamos responder a pergunta? Qual a saída? Seria possível apresentar apenas uma? Como partir do estágio putrefato que nos encontramos para reviver, ou melhor, viver uma nova realidade?
Gostaríamos então, de apresentar um caminho.
Vamos falar um pouco então do Federalismo Solidário, do Consórcio Público e do modelo da Defesa Civil. A Constituição Federal de 1988 permeou em seu conjunto, diversos princípios do federalismo solidário e cooperativo. Para sua concretização houve a necessidade de uma construção normativa infraconstitucional, de regras e procedimentos claros, que dessem uma forma institucionalizada à cooperação intergovernamental.
Além das competências auferidas pela Constituição Federal aos entes federados, a emenda constitucional No 19, de 04 de junho de 1998, deu nova redação ao Art. 241 da CF/88, cujo objetivo principal, foi alavancar a gestão associada dos serviços públicos.
Disso decorreu a promulgação da Lei Nº 11.107 de 06 de Abril de 2005, regulamentada pelo Decreto No 6.017 de 17 de Janeiro de 2007, que dispõe sobre os Consórcios Públicos.
Esse novo modelo de gestão compatibiliza o respeito à autonomia dos entes federados, fomentando uma maior interdependência e articulação entre eles. Em razão das grandes desigualdades regionais e as assimetrias existentes entre as administrações públicas da Federação, essa nova proposta possibilita a realização de objetivos de interesse comum, como, por exemplo, a gestão associada de serviços de segurança pública.
Nesse contexto, além do estabelecimento de uma Política de Estado para a Segurança Pública, a construção de um consórcio público possibilitaria a concentração de esforços e de recursos, propiciando a indução de políticas públicas voltadas a essa atividade essencial do Estado, favorecendo a padronização de ações e de procedimentos, voltados à redução de criminalidade em âmbito nacional.
A atividade de segurança pública apresenta-se como uma das mais especializadas e qualificadas ferramentas de atuação do Estado Brasileiro, especialmente diante das circunstâncias interdependentes que a permeiam e que hoje envolvem o atendimento às demandas da sociedade.
Na seara da prevenção e da repressão à criminalidade, verifica-se recrudescimento no aumento da quantidade de drogas e armas que adentram o país, originários do tráfico internacional que utilizam meios terrestres, fluviais, marítimos e aéreos. Assim, a conjunção de esforços é a melhor alternativa de um policiamento constante no sentido de coibir tais práticas, notadamente em virtude das grandes distâncias das fronteiras secas e marítimas do Brasil, do espaço aéreo que não tem fronteiras, além da inacessibilidade via terrestre ou fluvial.
Assim, a gestão associada de serviços públicos, pretendida pela Constituição e instrumentalizada por meio de Consórcios Públicos, pode ser entendida como o exercício compartilhado de competências, por dois ou mais entes federativos, para a prestação de um ou mais serviços públicos.
Além disso, no campo do direito público, a lei determina que o consórcio público constituir-se-á por associação pública, de natureza autárquica. Será denominada pessoa jurídica de direito público, distinta dos entes consorciados, formado exclusivamente por entes da Federação, para estabelecer relações de cooperação federativa e realização de objetivos de interesse comum.
Nesse sentido, a Segurança Pública, por ser uma atividade de alto custo e necessitar de investimentos para o seu desenvolvimento, torna-se ainda mais notória a necessidade de integração das Organizações de Segurança Pública do Brasil.
Os consórcios públicos mostram-se como institutos que podem trazer uma nova perspectiva na gestão da coisa pública e apresentam, inclusive, instrumentos inovadores na área da gestão, como se pode observar, por exemplo, na ferramenta de gestão compartilhada de compras e serviços contratados que venham a ser realizadas pelos entes consorciados.
Todos os órgãos de segurança pública realizam, anualmente, de forma individualizada, a contratação de equipamentos, armamentos, fardamento, serviços diversos, viaturas de polícia e de bombeiro, helicópteros, aviões, drones, seguros aeronáuticos, serviços de manutenção de viaturas e aeronaves, e por ai vai. Se o consórcio público permite a gestão compartilhada, poder-se-ia contratar para todos conjuntamente, o que, certamente, devido ao ganho em escala, teria um custo muito menor.
No campo gerencial, os consórcios agilizariam a execução de projetos, barateariam custos e atenderiam mais direta e adequadamente às demandas regionais. São instrumentos de descentralização de recursos técnicos e financeiros e garantem maior cooperação, maior descentralização e mais eficiência nos processos.
O consórcio público, além dos ganhos em escala, propiciaria uma melhor capacidade técnica, gerencial e financeira, permitindo alianças em atividades específicas, bem como a distribuição de custos.
A efetivação do consórcio ainda traria vantagens intrínsecas a própria organização integrada, como, por exemplo, uma programação individualizada do elenco de necessidades. Assim, cada consorciado, de acordo com as suas peculiaridades, teria à sua disposição um rol de serviços e equipamentos disponibilizados pelo consórcio. Atrelada a essa disponibilidade está a observância dos limites financeiros disponíveis, de acordo com o aporte de recursos federais, estaduais e municipais alocados, de forma proporcional, à sua participação.
Além disso, haveria a possibilidade de revisão desse elenco, observando as características sazonais e emergenciais de cada consorciado, além de proporcionar a disponibilidade de uma ampla rede de suporte logístico à disposição do consórcio, que dificilmente seria alocada a um ente isoladamente.
O consórcio público dispõe ainda de peculiaridades que lhe proporciona maior flexibilidade em relação à administração direta, tais como: celebrar contrato de gestão; celebrar termos de parcerias, convênios e acordos; licitar serviços e obras públicas; celebrar concessões, permissões e autorizações de serviços públicos, etc.
Sobre licitações, existe um diferencial a ser considerado, pois pode dispor de maiores valores nos limites licitatórios. Os valores são contados em dobro quando o consórcio é constituído por até três entes federados, ou o triplo, se formado por um número acima de três consorciados.
Assim, o consórcio público surge como um acordo entre os Entes interessados na realização de objetivos de interesse comum. É um compromisso que dois ou mais entes assumem com o objetivo de somarem esforços para a solução de um problema, ou trato de um assunto, que, isoladamente, nenhum dos consorciados teria condições de resolver de modo satisfatório e em tempo oportuno, seja pela complexidade da questão, seja pelo volume de recursos financeiros, técnicos administrativos exigidos pelo empreendimento.
O consórcio constitui-se, portanto, na mais pura representação do pacto federativo.
A base de institucionalização do consórcio público não é nova no Brasil, nem no exterior, necessitando apenas do início de sua operacionalização por meio de alguma atividade estatal, como se propõe para a Segurança Pública, com suas particularidades e requisitos específicos, de forma a gerar uma excelente medida de pioneirismo sustentável na integração das atividades.
Verifica-se ainda, que a constituição de consórcios públicos é relativamente escassa no âmbito dos Estados e, muito menos utilizada no âmbito da União, embora a medida legal provocada pelo próprio Poder Executivo Federal visasse justamente essa integração, já que a associação entre municípios já era uma realidade constitucional desde 1937.
Logo, verifica-se a compatibilidade de estabelecer-se uma associação de natureza autárquica, vinculada à SENASP (Ministério da Justiça e Segurança Pública), com a estruturação e suporte providos por esse órgão de vinculação, mas com a devida autonomia administrativa e financeira para realização de suas atividades-fim.
Nesse aspecto, verifica-se que a operacionalização do programa de cooperação federativa através do Departamento da Força Nacional de Segurança Pública, apesar de receber severas críticas no campo jurídico, resistências no campo político e estar passando por um momento de reestruturações e falta de recursos, apresentou-se até agora como um dos marcos de sucesso de integração. Diante disso, a proposição do consórcio público caracteriza-se como a institucionalização, na seara específica e complexa da segurança pública, dessa cooperação no campo de suporte logístico e administrativo.
A formação do consórcio público na área de segurança pública é uma oportunidade interessante para estabelecer o diferencial de execução de suporte às políticas públicas numa área que se apresenta como um dos fatores mais críticos de demanda da sociedade nos tempos atuais.
A institucionalização do consórcio público poderá agregar os esforços estatais para a segurança pública, mantendo a autonomia de cada consorciado com a possibilidade de auferir as vantagens da associação.
Autonomia não significa, contudo, incomunicabilidade entre os entes federados, que, ao revés, têm o compromisso institucional de reunirem esforços para a consecução dos objetivos sociais que extravasam os limites formais de cada ente estatal individualmente considerado.
Para entender melhor, demandas associadas à diversidade cultural, ambiental, climática, social e estrutural do país, não ficam aprisionadas nos limites territoriais de cada ente da Federação, razão pela qual carecem de enfrentamento conjunto por parte das entidades por elas envolvidas.
A criação de consórcios trilha um roteiro inventivo próprio, que prevê a concepção das regras que entrelaçam, obrigam e impelem a gestão associada de serviços públicos, mediante a formalização de instrumentos capazes de armazenar os direitos e deveres que competem a cada ente federado que concorrer para sua formação.
Isso porque, o comando coletivo do consórcio, realizado mediante assembleia geral própria e típica das associações, que acondiciona o poder decisório num espaço reservado aos líderes do Poder Executivo de cada ente da Federação, impede que a vontade política isolada de um representante, recém-empossado, após pleito eleitoral, ou nomeação, sobreponha-se aos direitos dos contratados.
Além do mais, vê-se que, muito mais do que se constituir num excelente mecanismo de racionalização de recursos financeiros e humanos, o consórcio apresenta-se também como eficaz instrumento de combate ao abuso do poder econômico, que muitas vezes impede o Poder Público de efetivar suas políticas públicas na área de segurança e cumprir com seu dever constitucional.
Nesse sentido, atendendo às necessidades individuais dos entes consorciados, convertidas numa demanda única, o consórcio viabiliza o acesso mais equânime e justo aos serviços pretendidos, coadunando, dessa maneira, com os princípios da economicidade e eficiência, orientadoras da Administração Pública.
O crime, de forma geral, caracterizou-se pela “não obediência” aos limites territoriais e a segurança pública, para enfrentá-lo, não pode ficar adstrita a apenas uma parte do território nacional, tratando-o de forma local. Por isso, a Segurança Pública, para ser eficiente, deve agir extraterritorialmente e, para isso acontecer, além da integração e da cooperação, deve haver coalizão.
Sob um novo enfoque, além das Polícias Federal e Rodoviária Federal, que atuam em todo território nacional, especificamente sobre a atuação territorial das Polícias Civis e Militares, Guardas Municipais Metropolitanas e dos Corpos de Bombeiros Militares, por serem órgãos instituídos no contexto estadual ou municipal, as legislações infraconstitucionais conferem a esses órgãos, como regra geral, atuação na circunscrição de seus estados ou municípios.
Em trabalho apresentado pelo Professor Diógenes Gasparini (1993, p. 60), muito embora seu contexto esteja voltado à atuação do Poder Público Municipal na Segurança Pública, fez relevante abordagem sobre a tendência expansionista do crime, apontando, dentre outras coisas, a importância de uma polícia com competência territorial ampla, ao dizer que:
Outra face da questão da segurança pública, em relação aos Municípios, reside na atual tendência expansionista do crime. Todos sabemos que os criminosos ganharam mobilidade com modernos meios de comunicação e transporte; assim, os crimes hoje são, e futuramente continuarão sendo, intermunicipais, quando não interestaduais e internacionais. Para acompanhar essa tendência, a lógica indica que se deva expandir também a competência dos órgãos policiais.
Diante disso, apesar do princípio da autonomia dos entes federados apresentar-se como sustentáculo da organização político-administrativa do Estado Brasileiro, as relações entre as esferas de governo não devem ocorrer de forma isolada, devem agir de maneira conjunta e de forma solidária, tanto pelas cooperações horizontais entre os entes federados, como pelas cooperações verticais estabelecias entre o poder federal e os poderes federados.
Contudo, para que ocorra uma cooperação efetiva, há necessidade do fortalecimento da participação de cada um dos membros na ação governamental, de forma que todos sejam capazes de assumir responsabilidades. Se houver o inadimplemento de um dos consorciados, comprometeria os benefícios que o consorcio conferiria ao demais adimplentes.
Para tanto, o federalismo solidário requer uma forma de coordenação resultante da realização de acordos intergovernamentais, a fim de possibilitar a aplicação de programas e financiamentos conjuntos, pois as políticas tendem a serem conduzidas por meio da atuação de mais de um nível de governo, de forma interdependente e coordenada. Este mecanismo de negociação baseia-se em uma decisão voluntária de todos os entes da Federação.
A relação entre Estado Federal solidário e a democracia é um ponto de fundamental importância para ser analisado. Na elaboração ou na implantação de políticas voltadas à segurança pública, a participação dos estados e municípios é fundamental para que as relações entre os entes se firmem de maneira democrática.
Desta feita, não é possível imaginar uma sociedade livre, justa, solidária e que respeite a dignidade da pessoa humana, sem que para isso, estabeleça a segurança pública como um direito fundamental social, possibilitando o desenvolvimento integral da condição humana em termos sociais, econômicos e culturais, respeitando as liberdades fundamentais e fortalecendo os laços de solidariedade.
Com isso, a solidariedade social auferiu o contorno de fundamento do Estado brasileiro e é percebido com maior clareza ao conferir à segurança pública status de direito fundamental social.
Outro tema relevante é a competência comum conferida à União, aos Estados e aos Municípios em promover a integração social. Nesse aspecto, também não é possível desvincular a segurança pública, enquanto atividade social, dessa responsabilidade perante os mais desfavorecidos. Assim, programas relacionados à segurança pública são plenamente realizáveis na medida em que sejam concretizados com argumentos constitucionais solidaristas.
Diante disso, não se pode desatrelar a segurança pública desse contexto, pois ela também é peça fundamental para a busca desse bem-estar nacional. O direito à segurança pública é, de certa forma, garantia de autopreservação da pessoa humana e de sua dignidade.
O bem comum passa a ser então um fator importante para a integração dos órgãos de segurança pública e exigirá dos estados e municípios uma atuação sistêmica na formatação desse modelo de gestão.
Muito embora existam limitações jurídicas quanto ao emprego das Polícias Civis e Militares, Guardas Municipais e dos Corpos de Bombeiros Militares fora de seus estados ou municípios, elas não são peremptórias. Assim, nos casos de atuação cooperativa, mediante ação consensual entre os governos, o emprego extraterritorial é juridicamente possível e plenamente realizável.
Política Nacional de Proteção e Defesa Civil
Nesse sentido, muito embora não esteja configurada como consórcio público, a Lei Nº 12.608/12 instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil e organizou o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil – SINPDEC, com a efetiva participação de órgãos e entidades da administração pública federal, Estados, Distrito Federal, Municípios e entidades públicas e privadas de atuação significativa na área de proteção e defesa civil.
Esse é um excelente exemplo prático de estruturação de Políticas de Estado baseadas na atuação solidária e cooperativa, pois representam uma organização em rede formal com capacidade de mobilizar a sociedade civil para atuar em situações de emergência ou estado de calamidade pública, coordenando o apoio logístico para o desenvolvimento das ações de proteção e defesa civil, em uma mesma ação, seja ela onde for.
Somente para contextualizar, a atividade de Defesa Civil envolve os Corpos de Bombeiros Militares, Policias Militares, Guardas Municipais e todos os órgãos que atuam direta ou indiretamente nos cenários de emergência ou calamidade pública.
O interessante é que a maior força vem dos órgãos de segurança pública, entretanto esse sistema funciona nacionalmente através do Ministério da Integração Nacional e não do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Será então que a forma de abordagem na segurança pública não deveria seguir caminho análogo a esse eficiente sistema de Defesa Civil? Quais são os motivos que levam ao sucesso, as ações de Defesa Civil e os que levam a derrota, as ações de Segurança Pública?
Num primeiro olhar podemos perceber que a Defesa Civil possui suas estruturas e políticas, organizadas em textos legais e os Planos Nacionais de Segurança Pública nunca passam de um documento de formato qualquer, unilateral e de validade restrita.
Importante, nesse contexto, relembrar trabalho apresentado por Otacílio Soares de Lima (1997, p. 132), quando abordou a importância da colaboração entre os entes federados e a iniciativa privada na busca de uma melhor segurança, ao dizer que:
A falta de segurança afeta a todos indistintamente, é complexa, envolve inúmeros fatores e não se pode esperar que seja resolvida com medidas simplistas, depende de ações conjuntas envolvendo de um lado o Poder Público e do outro a Sociedade como um todo.
O Futuro
Olhando para o futuro, podemos afirmar então que basta organização e definição de Políticas Públicas de Segurança, porque boa vontade há de sobra, um plano escrito na aridez dos escritórios, desprovido do calor social, imposto para ser implementado pelo governo, sem que a sociedade participe, debata, opine, adira, tem poucas chances de prosperar. Não passará de um aglomerado de ideias sem projeto algum.
Eis ai uma boa solução para toda essa crise que se arrasta há décadas e que não sai da retórica e da ilação político-partidária. Se o consórcio não for a solução, copiar o modelo nacional que definiu o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil pode ser um excelente caminho.
O Estado precisa, além de ouvir os clamores da sociedade civil, ter a capacidade de, ao seu lado, definir Políticas de Estado para a Segurança Pública, como o fez para a Defesa Civil, com capacidade de investir, fomentar, propor, planejar, criticar, agir e corrigir.
A definição de políticas públicas de longo prazo para a segurança, harmonizadas com os anseios sociais parece ser, no momento, algo inatingível. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, parece que ainda é “apenas” um desejo constitucional.
Por não existir uma Política de Estado em Segurança Pública, percebe-se que ainda existe um distanciamento entre o que prevê a Constituição, o que a Sociedade Civil deseja e o que o Governo realmente realiza.
Autores:
Eduardo Alexandre Beni, Coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo, Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Bacharel em Direito. Foi Coordenador do Centro Integrado de Comando e Controle do Estado de São Paulo (2014-15). Piloto de helicóptero do Grupamento de Radiopatrulha Aérea da Polícia Militar.
Herven Hudson Bozello: Tenente Coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo, Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Bacharel em Direito. Piloto de helicóptero do Grupamento de Radiopatrulha Aérea da Polícia Militar.
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