Simulador de voo: Viabilizando o fundamental
18 de março de 2013 8min de leitura
18 de março de 2013 8min de leitura
ALEX MENA BARRETO
Alta tecnologia auxilia a equacionar os elevados custos de formação e manutenção do preparo de tripulações de helicópteros
Com o desenvolvimento e a confiabilidade da engenharia aeronáutica, notadamente nas últimas décadas, bem como a crescente complexidade dos sistemas, a questão dos fatores contribuintes em acidentes aeronáuticos voltou-se novamente para o ser humano, principalmente no quesito julgamento.
Analisando os dados do relatório produzido pela US JHSAT (Joint Helicopter Safety Analysis Team), onde, após a análise de 523 acidentes envolvendo essas aeronaves, pode-se observar que 84% dessas ocorrências envolve a questão de deficiente julgamento por parte da tripulação. No Brasil, segundo o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), mais de 50% dos acidentes na aviação civil tem como fator contribuinte o julgamento equivocado da tripulação. (FCA 58-1 Panorama Estatístico da Aviação Civil Brasileira-2012).
Naturalmente, uma das principais ações recomendadas para mitigar esse risco envolve a revisão e o aperfeiçoamento do treinamento das tripulações. Contudo, um novo problema surge quando se analisa a situação sob a ótica do crescente custo e sofisticação das aeronaves, bem como o risco envolvido na instrução e treinamento prático. Apenas para se ter uma ideia, o mesmo relatório da US JHSAT aponta para a atividade de instrução e treinamento como a responsável por 22,8% dos acidentes.
Dados apresentados pela ALEA (Airborne Law Enforcement Association), durante recente seminário em San Diego, Califórnia, envolvendo a aviação policial norte-americana no período de 2008 à 2012, dão conta que dos 45 acidentes ocorridos no período, 14 foram em atividades de treinamento. Apesar de tais acidentes não envolverem vítimas fatais, este cenário torna o retorno sobre o investimento em treinamento nos moldes atuais completamente inviável. Com esse panorama, surgiu o impasse entre a necessidade de mais treinamento, frente ao custo e ao alto risco associado ao mesmo.
Ciente disso, o mercado vislumbrou uma oportunidade para desenvolver novas soluções que atendessem essa necessidade dos operadores de helicópteros, em especial aos que utilizam-no em situações extremas.
Apesar de já serem há muito empregados para preparar pilotos em procedimentos de emergência, o uso de simuladores focados no treinamento de pilotos e tripulantes em complexos cenários multimissão ainda é uma novidade para operadores no Brasil.
Em recente visita aos Estados Unidos, tive a oportunidade de conhecer o simulador multimissão da subsidiária norte-americana de um dos grandes players mundiais da aviação de asas rotativas, a American Eurocopter, cujo Centro de Treinamento fica na cidade de Grand Praire, no Texas. Lá, a recepção ficou por conta da muito simpática e atenciosa senhora Tamara Tiger, sua diretora, e que, preliminarmente, passou as orientações acerca da visita às instalações da fábrica, ao próprio centro, sala de “debriefing” do simulador e, por último, do equipamento em si.
O Centro de Treinamento oferece uma enorme gama de cursos, aqui chamado de “top-down”, que inclui treinamento inicial teórico e prático para pilotos e mecânicos, além de treinamento de proficiência técnica anual, e outros tipos de cursos voltados na melhoria da segurança operacional como, por exemplo, Recuperação de Voo em Condições de Instrumento Inadvertidas (IIMC Recovery) e Treinamento NVG com Emergências Noturnas em Ambiente Urbano. A existência dessa nova e diferenciada gama de cursos só é possível com a utilização maciça de recursos tecnológicos, no caso, os simuladores de voo.
O Centro de Treinamento conta com dois simuladores; um, para a linha EC135/EC145; e, o outro, para a linha AS350. O primeiro é utilizado unicamente para o treinamento de pilotos e o segundo tem o diferencial de ser equipado com a cabine completa do AS350, podendo efetuar treinamento da tripulação completa, incluindo piloto, copiloto/TFO e tripulantes.
O simulador do AS350 tem aproximadamente dois anos e, atualmente, é o que de mais avançado existe. Toda a equipagem, tanto hardware quanto software, foi fornecida pela INDRA. A American Eurocopter vem aperfeiçoando o software para incluir novos conceitos de simulação e cenários de acordo com a necessidade do mercado aeromédico, policial, etc. É certificado pela Federal Aviation Agency (FAA) como “Full Flight Simulator Nível B”, podendo ser utilizado e reconhecido para programas de treinamento requeridos pelas FAR CFR Part 141 e 142.
O equipamento de hardware do simulador é “full motion”, com a novidade de ter os braços de sustentação operados eletricamente, o que proporciona baixos níveis de manutenção e índice de falhas, comparado ao tradicional sistema hidráulico.
O simulador conta com um campo de visão de 240º por 80º e uma plataforma completamente móvel. O sistema/software gráfico é de uma resolução e detalhismo impressionante e em alguns determinados cenários existe um retrabalho para criação de um ambiente 3D perfeito para simulação de pousos em áreas restritas onde, convenientemente, existem postes, muretas, árvores e tudo mais para “ajudar” o piloto. A cabine é totalmente compatível com NVG e os controles de voo reagem com uma realidade impressionante para simulação de panes e procedimentos, como falha do sistema hidráulico e pousos corridos. Tem no cockpit toda a equipagem e aviônicos existentes em uma aeronave policial, como “moving map”, farol de busca, FLIR, rádios policiais, etc. Tudo isso responde de modo perfeito à simulação de um específico cenário, que pode ser configurável e alterado pelo instrutor.
A American Eurocopter está em fase de aperfeiçoamento do cenário de tiro embarcado, onde a aeronave efetua o apoio aéreo em uma ocorrência de um “sniper terrorista” no topo de um prédio estrategicamente localizado em uma região cheia de obstáculos. Com a utilização de um simulacro de AR-15 devidamente equipado com um sistema laser o tripulante pode efetuar “tiros embarcados”. Logicamente, não visa o aperfeiçoamento do tiro em si, mas a possibilidade de um treino beirando a realidade, envolvendo coordenação de cabine, condições meteorológicas variáveis, fraseologia e obstáculos. É simplesmente incrível.
Ainda existem cenários de acidentes automobilísticos, com diversas opções próximas de áreas restritas para o pouso, especificamente detalhados e modelados em 3D com uma resolução fantástica. Além desses locais, todos os helipontos homologados, elevados ou não, são modelados e passíveis de pouso no simulador. Dessa forma, consegue-se efetuar um treinamento completo de missões aeromédicas, desde o acionamento, deslocamento para ocorrência, pouso e decolagem em área restrita, deslocamento para hospital, pouso em heliponto elevado e retorno para a base.
O simulador não conta, ainda, com a equipagem de guincho, mas é possível efetuar tal treinamento, e outros que envolvam carga externa, através de alterações pré-programadas no perfil do CG, que irá responder simulando para o piloto o comportamento da aeronave durante o içamento de uma vítima, captação de água com o bambi bucket, ou qualquer outra missão que envolva carga externa.
Junto aos cenários voltados para as atividades aeromédica e policial, existem dois outros que são extremamente importantes em termos de segurança operacional: recuperação de entrada inadvertida de condições meteorológicas por instrumentos e “brownout”.
As condições meteorológicas são completamente configuráveis durante o processo e o instrutor pode “guardar” o piloto a qualquer momento do voo, podendo assim efetuar um treinamento bem realístico de como recuperar a atitude da aeronave e sair das condições de voo IMC sem que ocorra a desorientação espacial do piloto. Para quem já iniciou a contagem de 178 segundos sabe da importância desse treinamento.
O treinamento de “brownout” também prevê alguns cenários específicos, e quando se efetua a aproximação da aeronave em um perfil de pouso inadequado para o local, a visão é obscurecida de maneira gradual e completa. Assustador, e não precisa nem dizer que nessa não teve jeito e “quebrei” a aeronave. Posteriormente após o “briefing” pelo instrutor do perfil do pouso e da arremetida, percebe-se claramente a importância e a qualidade de um treinamento/simulação desses tipos de cenários.
O simulador ainda conta com uma estação/console para “debriefing”, onde todo o treinamento pode ser reproduzido ou acompanhado ao vivo, com todos os parâmetros de voo, meteorologia, áudio e imagem da cabine, possibilitando uma excelente base para a análise do treinamento, focando em aspectos de CRM, tomadas de decisões e procedimentos realizados.
Em resumo, poder treinar uma tripulação inteira, em cenários e ambientes voltados para as especificidades de missões críticas como aeromédicas, policial, tiro embarcado, entre outras, com uma realidade impressionante, e com a possibilidade de degradar todas as variáveis imagináveis em relação a panes técnicas e meteorologia, com recursos tecnológicos de ponta, sem expor a tripulação ou terceiros, e sem o risco de perda material, é impressionante. Se tal medida ainda não está nos planos dos gestores da aviação de segurança pública do Brasil, está na hora de “correr atrás do prejuízo”.
Autor: Alex Mena Barreto, Capitão da Polícia Militar do Estado de São Paulo. É piloto e instrutor de helicóptero, cofundador e editor do site Piloto Policial. O presente artigo foi publicado na edição No. 131 da revista Tecnologia & Defesa.
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