HILTON RAYOL

A aviação tem vivenciado severas consequências quando acontecem eventos que envolvem colisão com pássaros durante as operações de pousos e decolagens. O perigo que essas aves oferecem permanecendo nas proximidades dos aeroportos é iminente. Trazem sérios impactos aos custos das organizações, pois envolvem interrupção do voo e indisponibilidade da aeronave, além dos custos relacionados ao dano material e/ou pessoal causado pela colisão.

Além dos custos diretos que envolvem a substituição de peças danificadas pelo impacto existem ainda os custos indiretos, que são os custos que não envolvem a aeronave, mas que são decorrentes do incidente, como: hotel de pernoite para os passageiros, realocação em outros voos, comissária desperdiçada, combustível alijado, atrasos nas conexões e ainda o valor que a aeronave deixa de arrecadar por estar parada (MENDONÇA, 2005)

Vamos iniciar trazendo o conceito do perigo aviário.

“Perigo aviário é o risco potencial de colisão com ave ou bando de aves, no solo ou em determinada porção do espaço aéreo. O risco de acidente aeronáutico causado por colisão com aves é composto de duas variáveis: a probabilidade de colisão e a gravidade da colisão”.

https://youtu.be/vTsIsItkoj0

Este conceito possui duas características interessantes sempre presentes na aviação – o perigo e o risco.

O perigo sempre será uma ameaça que provoca danos que possam acarretar ferimentos, doenças ou morte de pessoas, prejudicando um sistema, equipamento ou danos a propriedade e principalmente ao meio ambiente.

O risco apresenta como característica, duas variáveis: a severidade e a probabilidade, ou seja, a combinação delas apresenta-se como a pior condição possível, pois na medida em que se aumenta essas condições, permite-se que eventos indesejáveis venham acontecer, interferindo na segurança do voo e trazendo sérios problemas às operações aéreas.

A Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) iniciou a coleta de dados sobre o evento Bird Strike em 1965 e em 1980 implementou o Bird Strike Information System (IBIS), um sistema de coleta e divulgação das informações sobre colisões de aeronaves com aves (MADEIREA; MARTOS, 2013).

No Brasil o órgão responsável pela coleta desses dados e preparado para dar apoio à criação de planos de prevenção no Brasil é o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA).

De acordo com alguns estudos que o CENIPA vem realizando, surgiram informações relevantes sobre estas colisões. Uma delas apresenta as áreas que são mais atingidas durante as decolagens e pousos. Conforme a figura abaixo, a maioria das colisões ocorreu durante as decolagens (25%) e pousos (26%). Para que não sejam necessários complexos trabalhos com a dispersão, captura ou abate da fauna, um bom trabalho de modificação do ambiente e remoção dos focos atrativos de fauna garante mais eficiência na redução de aves próximas a aeródromos em operação. A aviação civil enviou 95,23% das fichas ao CENIPA.

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A Lei nº 12.725/2012 estabeleceu algumas inovações interessantes, uma delas trata da Área de Segurança Aeroportuária – ASA. Ela é definida como uma área circular do território de um ou mais municípios, definida a partir do centro geométrico da maior pista do aeródromo ou do aeródromo militar, com 20 km de raio, cujo uso e ocupação estão sujeitos a restrições especiais em função da natureza atrativa da fauna.

O Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, através da Resolução nº 004/95, estabelece o conceito de “implantação de Natureza Perigosa” e determina a sua proibição nas áreas de Aproximação e Áreas de Transição dos Aeródromos e Helipontos.

Não é permitida a implantação de atividades de natureza perigosa, isto é, aquelas classificadas como foco de atração de pássaros, tais como matadouros, curtumes, vazadouro de lixo e culturas agrícolas que atraíam pássaros, assim como quaisquer outras atividades que possam proporcionar riscos semelhantes à navegação aérea.

Lixo no entorno do aeroporto do Galeão atrai urubus, que voam próximo aos aviões (Marcelo Martins/VEJA)

Lixo no entorno do aeroporto do Galeão atrai urubus, que voam próximo aos aviões (Marcelo Martins/VEJA)

Segundo levantamento estatístico realizado pelo CENIPA em 2015, houve um número significativo de eventos reportados durante as operações de pousos e decolagens.

O Anuário de Risco de Fauna 2015 reportou 1.824 colisões, 1.083 quase colisões e 2.634 avistamentos. O documento destaca que 5% das colisões envolveram animais terrestres que, normalmente, causam maiores danos em relação a colisão com ave, porém menos representativos quanto a segurança da operação, pois ocorrem em solo e em fases do voo onde se opera com velocidades reduzidas. A figura abaixo apresenta os índices de colisões reportadas e os registro das aeronaves envolvidas.

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Entre 2011 e 2015, foram registradas no SIGRA (Sistema de Gerenciamento de Risco Aviário) uma em cada três colisões (29,34%) e geraram custos aproximados de US$ 65 milhões na aviação brasileira, assim podemos dizer que a base de dados brasileira tem melhorado, mas ainda há espaço para evoluir. Mesmo assim verifica-se um número significativo de eventos reportados durante este período e que trouxeram sérias consequências para as operações áreas.

Essas consequências estão relacionadas a continuidade do voo, e em relação à severidade das colisões, existe consenso que a massa total envolvida na colisão tem alta correlação com danos causados às aeronaves (ALLAN, 2006; PATON, 2010; ANAC, 2015).

A colisão com aves pode resultar perdas materiais e por vezes vitimar seres humanos. Esse evento está relacionado ao momento resultante do impacto de um pássaro, variando conforme o peso da ave e a velocidade da aeronave.

Estatísticas realizadas revelam que 70% a 80% das colisões com pássaros ocorrem entre o solo e 150 metros de altura, na vizinhança do aeródromo.

Os dados disponíveis demonstram que 33,3% das colisões ocorrem com aeronaves de caça, 28,2% com aeronaves de transporte de carga, 21,6% com aviões de treinamento e 16,9% com outros tipos (Flying Safety – September 1986).

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A figura acima demonstra a gravidade que essas aves podem causar quando próximas a um motor turbofan. Essa ingestão apresenta alguns aspectos relevantes, a saber:

  • A ingestão pelo motor poderá causar estragos diversos, dependendo das circunstâncias do impacto. Nos motores a jato, poderá ocorrer apenas mossas nas lâminas do “fan” ou do próprio compressor.
  • O estrago causado pelo impacto pode gerar uma vibração, aumentar a temperatura dos gases, causar o “stall” de compressor, fogo no motor e/ou colapso total do reator.
    Outro detalhe interessante que devemos levar em consideração é a possibilidade do pássaro não danificar as palhetas do compressor, mas bloquear a entrada de ar, ocasionando o “stall” do compressor por falta de ar ou pelo turbilhonamento do fluxo de ar.
  • A fase mais crítica de ingestão de pássaros pelo motor ocorre na decolagem. Durante essa fase crítica do voo, é essencial que o piloto reconheça a situação de emergência o mais rápido possível, para que possa efetuar os itens previstos nos procedimentos.
  • Considerando que a maioria das colisões ocorrem nas operações de pouso e decolagem, muitas providências poderão ser colocadas em ação, visando a sua redução e, consequentemente, obtendo-se um incremento da segurança de voo.

Assim, é importante que se crie mecanismos que sejam eficientes e possam coibir essas colisões com aves durante as operações aéreas. Nesses processos os municípios tem grande responsabilidade, pois são eles que gerenciam a coleta dos dejetos, assim como o descarte dos resíduos sólidos e devem respeitar exigências do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, coordenado e elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente.

É uma condição fundamental para a segurança da aviação a mobilização de todos os setores que estão envolvidos nesse processo para que encontrem soluções que possam mitigar os riscos, diminuindo sua severidade e probabilidade.


Autor: Piloto de Linha Aérea; Bacharel em Aviação Civil pela Unicesp Brasília; MBA em Gestão Aeroportuária; Pós-graduação em Segurança de Voo e Aeronavegabilidade Continuada pelo ITA; Curso de Sistema de Gerenciamento da Segurança Operacional SGSO pela ANAC; Pós-graduando em Gestão e Direito Aeronáutico pela Unisul e Mestrando em Segurança de voo e Aeronavegabilidade pelo ITA; Perito Judicial Aeronáutico pelo Instituto J. B. Oliveira; Curso de PBN pela ANAC.