Resgate Aeromédico Brasileiro – Desafios e Oportunidades
04 de dezembro de 2017 12min de leitura
04 de dezembro de 2017 12min de leitura
Eduardo Alexandre BENI
Coronel RR PMESP
Marcus Vinícius BARACHO de Sousa
Major PMESP
Resgate Aeromédico – Esse é um tema atual e que vem tomando conta de seminários, debates, trabalhos monográficos e encontros, além do interesse de fabricantes de aeronaves e empresas de táxi-aéreo que realizam essa atividade no Brasil.
O Governo Federal possui comissão de especialistas discutindo uma nova legislação sobre o resgate aeromédico. Uma infinidade de interesses surge para fomentar uma atividade privada ainda insipiente no Brasil e explorada por cerca de 31 empresas de táxi-aéreo, conforme o site da ANAC.
O serviço aeromédico inter-hospitalar realizado por essas empresas é uma atividade privada, porém em alguns casos são contratadas pelo Estado para o atendimento público, como acontece no Estado do Paraná, através do CONSAMU – Consórcio Intermunicipal SAMU Oeste, que utiliza helicóptero de uma empresa de táxi-aéreo para o transporte e resgate de enfermos.
Conforme o contrato, o Estado do Paraná, através da Secretaria da Saúde, paga cerca de R$ 38.700.000,00 por ano para a empresa contratada voar 180 horas mês em helicóptero, 80 horas/mês em avião turbo hélice e 02 horas/mês em avião a jato.
Atualmente, a atividade de resgate aeromédico público é realizada pelo Estado através de Organizações Aéreas de Segurança Pública – OASP que possuem parceria com Serviços de Resgate e Atendimentos de Urgências das Secretarias Municipais ou Estaduais de Saúde, ou através de empresas contratadas, como acontece no Paraná.
OASP são as unidades de aviação das Polícias Militares, Polícias Civis, Corpo de Bombeiros Militares, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal ou das Secretarias de Segurança Pública que realizam atividades de resgate e transporte aeromédico. Em muitos Estados essas unidades são integradas. Além de realizarem atividades aeromédicas, também atuam na Segurança Pública e na Defesa Civil.
Aviões e helicópteros são muito utilizados em transportes e resgates aeromédicos pelas OASP e pelas empresas de táxi-aéreo contratadas. O helicóptero por sua versatilidade é o equipamento mais utilizado nos resgates aeromédicos, pois permite o pouso próximo ao cenário do acidente e no hospital de destino.
Como regra geral, as missões com helicópteros vão de intervenções rápidas para remoção de feridos (primárias: raio menor que 50/80km), ao transporte de pacientes entre hospitais, transporte em terapia intensiva, ou mesmo de órgãos para transplantes (secundárias: raio maior que 80Km).
No mundo, diversos modelos de aeronaves são utilizados, mas o helicóptero, ainda é o preferido. Além disso, existem modelos de serviços de qualidade, como o americano e o alemão e são excelentes exemplos, porém muito diferentes da realidade brasileira.
Assim, vamos abordar inicialmente alguns problemas que têm impactado essa atividade e dificultado seu desenvolvimento ao longo dos anos no Brasil, mesmo sendo de grande interesse social.
Desafios nacionais
Não há dúvidas da importância do resgate aeromédico para a sociedade, principalmente nas grandes metrópoles, percebe-se também que regiões de menor concentração urbana já clamam por esse tipo de serviço.
Sendo tão relevantes as vidas que foram salvas por essa modalidade de atividade aérea e as que poderão ser preservadas no futuro, por qual razão esse serviço encontra tanto arrasto para crescer ou mesmo manter-se no patamar que já conquistou?
Trata-se de uma atividade que reúne dois setores complexos e que isolados, exigem grande empenho técnico e investimento financeiro. A aviação e a medicina se juntam e formam uma modalidade focada na preservação da vida humana e passam a atuar em um cenário de risco, compressão de tempo e de processo decisório complicado, pois, uma ocorrência nunca é igual a outra.
Claro que de forma geral, no Brasil, a implantação dos serviços de resgate, com aplicação de aeronaves, começou com o aproveitamento de Instituições que já existiam e desenvolviam suas atividades aéreas voltadas para a Segurança Pública e Defesa Civil, hoje conhecidas como OASP.
Esse foi o primeiro desafio e o caminho mais óbvio; aproveitar a expertise da aviação policial e de bombeiros, integrando a eles o Corpo Médico (Médicos e Enfermeiros). Esse formato aplicado ainda hoje, mostrou-se eficiente e acertado, mas com o tempo e o aumento da demanda aeromédica, pode levar a uma dificuldade em dar atendimento às demais solicitações policiais e de defesa civil, criando a necessidade de priorizar atendimentos.
Comprar aeronaves pode se postar como solução para esse problema, mas para cada helicóptero ou avião adquirido, verifica-se a necessidade de compor equipes técnicas e gerir a formação dessas pessoas (Pilotos, Mecânicos, Médicos, Enfermeiros). Há também a necessidade de planejar os custos com manutenção, seguro, hangares e outros.
A estrutura hospitalar não se preparou para receber as aeronaves, sendo carentes de locais homologados para pouso. Alguns hospitais que têm helipontos tiveram suas homologações cassadas em razão de não manterem tais áreas especiais em conformidade com as normas da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).
O alto custo da construção de helipontos em hospitais de referência e estrutura física inadequada para receber esse tipo de obra, não estimula investimentos. Ocorre também que a possibilidade de se realizar pousos regulares em estacionamentos e pátios desses hospitais vem conflitar com as normas aeronáuticas e fragiliza a segurança operacional. Dessa forma, ainda que se tenha hospitais em plenas condições de atender a vítima, em razão da falta ou interdição de helipontos ela poderá não chegar de helicóptero.
A integração entre os Órgãos envolvidos nesse processo produtivo, chamado resgate aeromédico, tem muito que amadurecer e embora positivo e com objetivos comuns bem definidos (salvar vidas), as decisões organizacionais de cada um deles nem sempre considera a outra parte, causando dificuldades na implantação de planos e estratégias.
As aeronaves aplicadas na atividade aeromédica nem sempre são adquiridas exclusivamente para essa modalidade, por isso, em geral, a opção é buscar a aquisição de aeronaves multimissão, ou seja, que atendam também às expectativas relacionadas à Segurança Pública e à Defesa Civil, exigindo a busca de Kits aeromédicos homologados e compatíveis com a aeronave utilizada.
Os itens médicos e de aviação possuem custo elevado, exigindo grande esforço de gestão para adquiri-los e mantê-los. Quando se pretende atuar na aviação aeromédica, devem ser considerados os gastos com hangares, aeronaves, manutenção aeronáutica, documentação técnica e certificações, seguros, materiais aeromédicos, suprimentos e insumos médicos, combustível, tarifas, equipamentos de proteção individual, treinamento.
A regulamentação para o setor não contempla a realidade enfrentada, sendo comuns os conflitos entre normas aeronáuticas e médicas, que emergem no momento dos resgates, assim, espera-se uma evolução dos regulamentos que atendam ao gerenciamento de riscos, sem paralisar a atividade aeromédica que de certa forma, tem como característica, fazer o que não pode ser feito, normalmente, na aviação.
A formação de pessoas para atuarem nesse setor é também uma grande barreira a ser enfrentada, pois, havendo recurso pode-se comprar uma aeronave da noite para o dia, porém, isso não acontece para preparar a tripulação que vai atuar em resgate aeromédico. Essa preparação demanda tempo e disponibilidade.
O panorama tenso e de grande impacto psicológico de um acidente grave leva a um entendimento de que nem todos têm o perfil para esse tipo de trabalho, sejam pilotos, enfermeiros ou médicos, havendo a necessidade de uma preparação sistematizada e que não permite pular etapas, ou seja, levam-se alguns anos para que tais profissionais sejam selecionados e treinados para esse tipo de atendimento. Sendo assim, espera-se um custo equivalente a complexidade dessa formação.
Exemplos americano e alemão na atividade aeromédica
A atividade HEMS – Helicopter Emergency Medical Service teve início em 1928, na Austrália, com o lançamento do primeiro serviço aeromédico utilizando asas fixas (aviões). Mais tarde, na década de 70, surgiram grandes operadores como a Air Methods, nos Estados Unidos e as organizações sem fins lucrativos ADAC e DRF, na Alemanha, que hoje detém as maiores e mais bem estruturadas frotas para operar HEMS.
A americana Air Methods, criada em 1980, é uma gigante na atividade aeromédica. Possui 500 aeronaves, entre helicópteros e aviões, em mais de 300 bases nos Estados Unidos, distribuídas em 48 Estados. Sua força de trabalho conta com cerca de 4.500 pessoas, entre pilotos, médicos, enfermeiros, mecânicos, especialistas em comunicação aérea, equipes de suporte, etc. Ela já voou 150.000 horas e transportou 100.000 pacientes.
Outra referência mundial no transporte aeromédico desde o início de suas atividades em 1970, a operadora ADAC Luftrettung possui hoje 37 bases operacionais (05 delas operam 24h) e 55 helicópteros próprios, configurados para missões de resgate e de transporte de pacientes críticos (UTI aérea).
Em 2016, a empresa ultrapassou a marca anual de 54.000 missões realizadas. O número de pacientes atendidos pelas equipes foi 48.567 e desses cerca de 13.000 foram levados por seus helicópteros amarelos a um hospital. Sua equipe é composta por mais de 1000 profissionais entre eles pilotos, técnicos para manutenção e administração e médicos e paramédicos colaboradores.
A operadora DRF Luftrettung, criada em 1973, possui cerca de 50 helicópteros em 29 locais na Alemanha e também em 02 estações na Áustria. Conta com cerca de 700 médicos de emergência, 200 paramédicos, 160 pilotos e 100 técnicos, garantindo elevados padrões nas áreas de operações de medicina, engenharia e voo.
A DRF possui uma experiência de mais de 40 anos e mais de 800.000 operações. Os helicópteros vermelhos e brancos operam do nascer ao pôr do sol e em 15 minutos de voo podem chegar a qualquer destino dentro de um raio de 60 quilômetros. Na Áustria, que são representados por duas estações, realizam anualmente cerca de 1.500 missões.
No mundo existem cerca de 2.000 helicópteros dedicados à missão HEMS com configuração específica para essa atividade. A maioria está na América do Norte (1100) e Europa (600), continentes que mantém a atividade há mais de 40 anos.
O principal benefício do HEMS é reduzir o tempo de resgate oferecendo o cuidado apropriado para o paciente. Isso porque o atendimento feito na primeira hora desde o acidente aumenta as chances de sobrevida do ferido e pode diminuir possíveis sequelas. Pesquisas internacionais mostram que o HEMS reduziu a mortalidade em 22% em relação ao transporte terrestre.
“Por isso o helicóptero é o meio mais rápido de salvar vidas, capaz de pousar em quase todo lugar, garantindo atendimento eficiente e transporte adequado”, disse Ralph Setz, um dos fundadores da Airbus Helicopters Foundation, organização de apoio e ajuda humanitária por meio dos helicópteros do grupo e em parceria com instituições de resgate no mundo, com as quais também desenvolve e apoia a realização de treinamentos para esse tipo de missão.
Qual futuro esperamos para o resgate aeromédico no Brasil?
No Brasil, o mercado ainda está em um nível de desenvolvimento baixo. A Aviação de Segurança Pública, por exemplo, possui cerca de 260 aeronaves, entre aviões e helicópteros, mas muito poucos são dedicados exclusivamente ao atendimento aeromédico.
Levando-se em conta que uma taxa de desenvolvimento médio seria de 0,5 a 2,9 helicópteros por milhão de habitantes, o país deveria ter pelo menos 300 helicópteros dedicados para atingir a taxa de 1,5 por milhão de habitante, como acontece na Alemanha, onde são operados 125 helicópteros dedicados, num total de 74 bases.
Uma aeronave dedicada à atividade aeromédica ou ao transporte de órgãos humanos, oferece dignidade às pessoas e respeita o direito fundamental a vida e a saúde. Quando deixamos de salvar uma vida por questões técnicas, geográficas ou gerenciais, precisamos avaliar se estamos respeitando esses direitos.
Salvar uma vida poder ser, por exemplo, levar uma equipe médica a locais inacessíveis ou que não possuam essa assistência próxima, ou ainda transportá-la a um hospital. Salvar uma vida pode exigir dos gestores diversas formas ou modelos de atuação e vai depender de recursos, de um bom planejamento e de uma execução programada.
Além da fundamental e necessária seleção, treinamento e capitação dos profissionais engajados na atividade, um projeto ideal de emprego integrado de helicóptero, avião, veículo terrestre e hospital é um pré-requisito para a implementação de um atendimento seguro e rápido do paciente. Esse serviço não pode aceitar improvisações nem no treinamento, nem no atendimento e muito menos no transporte.
A sociedade precisa de um atendimento aeromédico moderno, eficiente e democrático, preservando vidas e potencializando atividades semelhantes em solo.
Assim, o desenvolvimento sólido dessa atividade no Brasil, com um sistema positivo e atuante, dependerá de uma Governança Participativa, cujo conceito pressupõe o envolvimento dos diversos setores da sociedade e do setor privado, indo além de iniciativas isoladas do Estado, onde as práticas de gestão deverão ser sólidas e com base em estratégias bem definidas e focadas no interesse público.
Outra questão é uma análise madura dos ambientes internos e externos das Organizações envolvidas na atividade aeromédica, lembrando que o ótimo nem sempre é alcançável. O caminho ideal é começar partindo de uma boa e sedimentada estrutura, longe de improvisações, mas ciente de que a excelência leva tempo e investimento para atingir.
Bons voos, com boa gestão!
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