Primeira piloto da Polícia Civil do Rio Grande do Sul participa da Operação Verão
15 de janeiro de 2022 5min de leitura
15 de janeiro de 2022 5min de leitura
Rio Grande do Sul – Ela mantém um olho no painel de controle, outro no mar. Também precisa dar uma avaliada na areia e outra no céu. Não basta comandar o helicóptero com prudência, é necessário ficar atenta a possíveis resgates e outras ocorrências, o que Camila Meggiolaro dos Santos vem aprendendo a dominar durante esta temporada na Operação Verão da Polícia Civil do Rio Grande do Sul.
Aos 30 anos, ela se tornou a primeira mulher piloto da corporação. Apesar de ter se formado recentemente na Divisão de Operações Aéreas, voa desde os 18, logo após ingressar na faculdade de Aviação Civil, em São Paulo, onde nasceu. Decidiu a profissão bem pequenininha, quando, em uma festa da uva de Vinhedo, cidade do interior paulista onde se criou, fez um passeio de helicóptero ao lado da mãe. Soube que o seu lugar era no céu.
Agora, Camila pode ser vista realizando um sonho enquanto estiver patrulhando as praias do Litoral Norte gaúcho a bordo de um Gavião 01, aeronave preta da Polícia Civil, que cruza de Torres a Quintão a 200 pés (60,96 metros) do mar.
Altura, para mim, não é problema. Tenho a sensação de grande liberdade. Olho e penso: faço o que quiser com essa máquina — diz Camila, logo após pousar no heliponto de Imbé, ao lado do Rio Tramandaí, onde fica de prontidão com os demais colegas.
Apesar da empolgação, ela é comedida. Nunca perdeu o foco, mesmo quando, já formada em Aviação Civil e com licença para fazer voos comerciais, enfrentou um processo difícil de separação de seu ex-companheiro, com quem veio morar no Rio Grande do Sul. Sozinha em terra pouco conhecida, decidiu, em 2018, prestar concurso para escrivã da Polícia Civil, e foi chamada no ano seguinte para atuar na Delegacia da Mulher de Canoas.
O que poderia ser um desvio de rota acabou se revelando um grande aprendizado. Teve contato com mulheres em situações de extrema vulnerabilidade, aprendendo a ter mais empatia, além de resiliência.
— Tinha muita mulher que vinha do Interior e falava: “Eu sou sozinha”. E eu dizia: “Eu também sou sozinha, nunca tive nada, e tive que lutar sozinha para ser essa policial que está te atendendo” — recorda.
Agarrou a chance da sua vida em 2020, quando a Polícia Civil fez uma convocação interna para formação de pilotos. Passou em segundo lugar. Durante e depois do curso, entre abril e agosto de 2021, interessou-se sobre a parte técnica do Gavião 01.
Certa vez, pediu ao comandante Eduardo Worm que lhe desse mais instruções. Os dois ficaram dentro da aeronave para que ela pudesse compreender a máquina. Quando olharam ao redor, havia mais colegas atentos, aproveitando as dúvidas de Camila.
Na avaliação de Worm, que senta do seu lado direito durante os voos sobre o Litoral, um pouco dessa dedicação é resultado de uma cobrança excessiva que pouco se vê entre os homens.
— Ela é extremamente concentrada. Se cobra muito. Quando algo não sai como ela quer, fica chateada — conta.
Por outro lado, observa o comandante, a vontade de que nada saia errado lá no alto acaba servindo de inspiração:
— A partir disso, o pessoal começa a se empenhar mais também.
Camila não tem medo de se mostrar vaidosa entre os homens da Civil. Pilota de cabelo solto, unhas feitas e, no dia em que levou a reportagem de GZH para sobrevoar Tramandaí e Capão da Canoa, usava brincos de ouro com o formato de helicópteros. Quando precisou confeccionar o uniforme, pediu que o macacão ficasse mais justo, valorizando seu corpo, diferentemente das peças retas e largas dos demais pilotos. Ouviu comentários, mas ignorou. Ela não bate boca.
— Evito conflito. Nem me importo. O respeito vem muito mais pela minha postura de firmeza do que por causa da roupa que eu uso — garante.
Evito conflito. Nem me importo. O respeito vem muito mais pela minha postura de firmeza do que por causa da roupa que eu uso
CAMILA MEGGIOLARO DOS SANTOS
Piloto de helicóptero da Polícia Civil
Procura não se perturbar com quem duvida da sua capacidade. Quando a corporação anunciou a primeira piloto, as reações não foram só de comemoração, mas também de questionamentos. Durante um expediente no Litoral, quando fez um intervalo para compras no supermercado, ouviu, de um rapaz que viu seu macacão, se os demais policiais não ficavam com medo de voarem com ela.
Ainda assim, acha que as mulheres não podem se melindrar com as críticas:
— Se a mulher ficar se vitimizando o tempo inteiro, botando empecilhos, ela não sai do lugar. A gente vai ter os mesmos perrengues que os homens. O desafio está na nossa cabeça. Se ficarmos dizendo que vai ser difícil, aí, o problema está em você.
Mas faz questão de incentivar que outras mulheres se tornem pilotos. Espera que, em breve, possa voar ao lado de várias colegas durante operações da Polícia Civil.
— Já chegou uma menina para mim e falou: “Tia, eu nem sabia que mulher podia pilotar”. Eu não tive esse estímulo, era algo totalmente distante. Nunca tive instrutora mulher, nunca voei com mulher. É um ambiente muito masculino — considera.
Camila quer é que as mulheres voem mais alto. Em todas as direções.
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