O NTSB americano (National Transportation Safety Board) citou em seus relatórios finais de investigação que a decisão do piloto de retornar à base em condições meteorológicas por instrumentos (IMC) foi a provável causa de dois acidentes fatais envolvendo helicópteros aeromédicos (EMS), um no final de 2009 e outro no início de 2010.

Cada acidente vitimou toda a tripulação, composta de três pessoa – o piloto e dois tripulantes – e cada um envolveu uma aeronave do tipo AS350.

O NTSB emitiu relatórios finais sobre os dois acidentes em meados de janeiro de 2012.


Primeiro acidente: AS-350 N417AE


O primeiro dos dois acidentes ocorreu em 25/09/09, as 23:31h (hora local) a 1,92 NM (3,6 km) a sudoeste de Georgetown County Airport, em Georgetown, South Carolina/EUA.

A operação, que envolvia diversas pernas de voo, começou por volta das 20:23h, quando o helicóptero deixou o aeroporto de Conway-Horry County (HYW) para uma missão de transporte aeromédico de um paciente do Georgetown Hospital Memorial para a Universidade de Medicina da Carolina do Sul, em Charleston (MUSC). Após o transporte ser realizado com sucesso, o helicóptero efetuou pouso para reabastecimento no aeroporto de Charleston Air Force Base Airport Internacional.

Às 23:02h, o piloto disse ao controle de voo de MUSC que ele estava deixando o local com destino ao aeroporto de Conway-Horry County (HYW) com uma enfermeira de voo e o paramédico a bordo; as 23:16h, informou que estava voando a 110 kt e a 1.000 metros acima do nível médio do mar (MSL) e que ele esperava para chegar a HYW em 29 minutos.

Após essa última informação o piloto deveria atualizar sua posição 15 minutos depois, mas não houve mais comunicações com o helicóptero, e controle de vôo MUSC acionou o plano de ação de emergência. Policiais localizaram os destroços da aeronave às 02:06h em 26 de setembro.

O piloto, de 45 anos de idade, havia relatado há dois meses que ele tinha 4.600 horas de voo, incluindo 3.736 horas como aviador naval na Marinha dos EUA. Possuia licença de avião mono e multimotor, helicóptero, certificado de voo por instrumento para avião e helicóptero, e certificado médico de segunda classe válido.

Embora tivesse experiência em voos em IMC, ele já não era mais proficiente em voos por instrumento e não era obrigado a ser, pois o operador das aeronaves AS350B2 – Empresa Omniflight prestando serviços para a Carolina Life Care – apenas efetuava voos sob regras de voo visual. Em seu último recheque da FAA de proficiência sob a regulamentação da Part 135 realizado em dezembro de 2008, o piloto “satisfatoriamente demonstrou condições de recuperação de entrada inadvertida em IMC”, disse o NTSB em seu relatório final sobre o acidente.

O piloto trabalhou durante o turno diurno (das 08:00-20:00h) nos dias 22 e 24 de setembro e transferido para o turno da noite (das 20:00-08:00h) no dia do acidente.

O helicóptero havia sido fabricado em 2000, possuía 2.967 horas totais de operação em 17 de setembro, quando foi realizada a última inspeção de 500 horas. Embora tal aeronave não seja homologada para FAA (Federal Aviation Administration/EUA) para voo em condições IMC, a mesma era equipada com instrumentos para operar em caso de entrada inadvertida em IMC. No entanto, a aeronave não posuia a bordo equipamentos como radar meteorológico, sistema de visão noturna, piloto automático ou sistema de consciência e alerta de terreno para helicópteros (HTAWS).

Segundo o manual de operações da Omniflight, o piloto em comando era responsável por obter as informações do meteorologia antes de qualquer voo, e os pilotos Omniflight entrevistados disseram aos investigadores que é rotina obter tais informações em um computador no início de cada turno e também a receber tais informações do Centro de Operações Omniflight (OCC) durante seus vôos.

Os investigadores do acidente não confirmaram quais dados meteorológicos o piloto obteve antes do voo do acidente, mas as condições meteorológicas reais relatados pelo piloto, bem como as informações associado com a aprovação do centro de operações de voos, indicou que as condições meteorológicas visuais prevaleceram durante o início da operação e durante a parte inicial do voo.

Quando o coordenador de operações ligou no dia do acidente para a sala AIS do aeroporto de MUSC às 22:42h, o coordenador disse que se o piloto chamasse o OCC antes da decolagem, quando as condições de tempo para o voo de regresso seriam repassadas. O piloto não chamou o OCC, e OCC não tentou contatá-lo, segundo o relatório do NTSB.

O gerente da base da Omniflight em Savannah, Georgia/EUA, que também estava operando um helicóptero na noite do acidente, declarou que, embora o tempo estivesse se deteriorando, a previsão ainda era que permanecesse “bem acima mínimos” para seu retorno a MUSC . Ele disse que falou com o piloto antes do acidente, e que o avisou sobre “tempestades” perto de Georgetown e expressou preocupação de que ele talvez não fosse capaz de retornar à noite para sua base em HYW.

Testemunhas que viram o helicóptero pouco antes do acidente disseram que ele estava voando em direção norte sentido aeroporto de Georgetown a cerca de 1.000 metros acima do nível do solo (AGL) sob chuva moderada a forte,”com seu faróis piscando (1)”, disse o relatório.

“Embora o piloto tenha encontrado uma área de tempo ruim e IMC, o acidente não deveria ter ocorrido, já que o piloto não tinha que entrar no tempo ruim e poderia ter retornado ao aeroporto de Charleston Air Force Base ou poderia ter pousado em um local alternativo”, disse o relatório. “O piloto, no entanto, escolheu entrar na área de tempo ruim, apesar da disponibilidade de opções mais seguras”.

“Com base em declaração do piloto sobre o aviso de “tempestades” na área, o piloto acidentado estava ciente do tempo e assim optou por voar nele. Além disso, a incapacidade técnica do piloto em manter uma altitude de cruzeiro constante durante o voo e o declínio da altitude durante o voo provavelmente reflete sua tentativa de permanecer abaixo do nível da camada das nuvens. Estas pistas deveria ter indicado ao piloto que não era mais seguro continuar sua tentativa para evitar entrar em IMC. Este erro de tomada de decisão desempenhou um importante fator contribuinte no acidente”, conforme descrito no relatório.

Em seu relatório final sobre o acidente, o NTSB reiterou duas duas recomendações de segurança que já haviam sido emitidas após acidentes anteriores.

Um deles, publicado em Fevereiro de 2006, solicitou que o FAA exigisse dos operadores aeromédicos a utilização de um “despacho formalizado de voo com procedimentos que incluíssem a ciência e as atualizações de informações meteorológicas, bem com a assistência em voo das avaliações dos riscos de decisões”. O FAA respondeu com uma proposta de regulamentação pendente.

A segunda recomendação de segurança, emitida em setembro de 2009, solicitou que a FAA que obrigasse os helicópteros aeromédicos a serem equipados com piloto automático e que seus pilotos fossem treinados para usá-los quando voando sem co-piloto. A FAA respondeu que vai estudar a “sua viabilidade e suas consequências de segurança” de exigir um piloto automático ou um segundo piloto.


Segundo acidente: AS-350B3 N855HW


O segundo acidente ocorreu no final de um turno noturno de 12 horas, às 06:00h hora local, em 25 março de 2010, perto de Brownsville, Tennessee/EUA. O piloto havia deixado um paciente no heliponto de um hospital em Jackson, às 05:34h, ligou para o centro de operações da empresa MedCom e também para o piloto que estava entrando de serviço no turno das 05:30h – ambas as ligações para perguntar sobre as condições meteorológicas e maiores informações sobre uma tempestade nas proximidades.

Ele disse ao outro piloto que estava esperando a equipe de paramédicos no heliponto e que “queria entregar logo o helicóptero” e assim que possível estava retornando para a base da empresa, em Brownsville. O outro piloto disse que verificou as informações meteorológicas no computador, e baseado em imagens do radar, viu a chegada de uma frente a cerca de 65 milhas (105 km) à sudoeste se aproximando da base da empresa a cerca de 25 quilômetros por hora.

Ambos os pilotos acreditavam que tinham “cerca de 18 minutos de janela para evitar a tempestade e voltar à base, então o piloto decidiu deixar os paramédicos no hospital e decolar com o helicóptero”, disse o relatório.

O helicóptero decolou do heliponto às 05:51h, contudo ambas as enfermeiras de voo tinham chegado a tempo para embarcar no voo. Os dados de monitoramento via satélite indicam que o helicóptero se manteve a cerca de 1000 pés MSL durante a maioria do tempo em voo, sendo que a última altitude registrada foi de 752 pés MSL (cerca de 350 pés AGL), com o helicóptero voando a cerca de 105 mph (91 kt).

Após a ligação, o piloto na base verificou de novo as informações do radar meteorológico e a frente de tempestades estava agora a cerca de 18 milhas (29 km) da base do empresa. Ele saiu para ver se conseguiria ver o helicóptero chegando e telefonou para uma das enfermeiras a bordo, que lhe disse pelo telefone que “tinham passado a tempestade” e chegariam a base em cerca de 30 segundos.

“Enquanto conversava ao telefone, o piloto na base observara que estava chovendo levemente, mas que o vento tinha aumentado para cerca de 20 kt,” disse o relatório. “Então, logo ao desligar o celular, ele ouviu um estrondo alto e viu relâmpago assustador. Ele procurou no céu, não avistou o helicóptero e tentou novamente ligar para enfermeira, sem sucesso. Então ligou para o centro de operações da empresa e dirigiu-se para contatar o serviço de ambulância local”.

As equipes de resgate encontraram os destroços do helicóptero em um campo aberto a cerca de 2,5 milhas (4,0 km) a leste da base do helicóptero.

O piloto, de 58 anos, tinha licença de piloto comercial para aviões mono e multimotor, licença de helicóptero, certificado de voo por instrumento em helicóptero e avião. Possuía cerca de 4.000 horas de voo em março de 2009, quando obteve seu certificado médico de segunda classe; registros indicaram que possuía cerca de 2.615 horas de voo em helicóptero.

Ele realizou seu último voo de proficiência em agosto de 2009 e seu mais recente recheque de voo por instrumento em fevereiro de 2010.

Um dia antes do acidente, o piloto tinha voado cerca de 0,4 horas à noite. No dia anterior a este, ele havia voado 0,2 horas durante o dia, 0,2 horas à noite sem óculos de visão noturna (OVNs) e 0,5 horas à noite com OVNs, e anteriormente havia sido seu dia de folga.

O helicóptero era um AS350B3, fabricado em 2008 e entregue ao operador – Memphis Medical Center Air Ambulance Service, em maio de 2009; a aeronave tinha cerca de 248 horas de tempo total de voo, e a mais recente inspeção, de 200 horas e anual, foi realizada em 1 de março de 2010. A aeronave era equipada com óculos de visão noturna, painel e iluminação compatível com NVG, piloto automático e um avançado sistema de aviso de proximidade do solo.

A investigação do acidente não revelou qualquer sinal de problema pré-impacto com o helicóptero.

O radar meteorológico da região mostrou que, no momento do acidente, uma tempestade estava se deslocando pela região, incluindo o local do acidente. O radar mostrava que no local as condições meteorológicas eram para voo por instrumentos, chuva pesada, relâmpagos e rajadas de vento de até 20 kt, e que a área imediatamente em frente a tempestade era propensa a existência de correntes de vento “wind shear” a baixa altitude, disse o relatório.

Testemunhas relataram relâmpagos e trovões perto do local do acidente, juntamente com ventos fortes e chuva forte. Informações de duas organizações que monitoram raios e descargas elétricas demostraram a existência de um grande número de raios a partir de 05h45 e 06h15 local, mas nenhum raio dentro do período de tempo de 90 segundos do acidente.

No momento do acidente, a empresa usava um programa formal de avaliação de risco que avaliava, no início do turno do serviço, uma série de riscos, que incluía a experiência piloto, equipamentos inoperantes na aeronave, mau tempo e falta de iluminação noturna. Os valores numéricos eram atribuídos para cada risco, e números mais altos indicam maiores riscos, uma pontuação de mais de 14 pontos significava que o voo não poderia ser realizado.

A avaliação permitia a subtração de pontos através de fatores como elevado nível de experiência do piloto, uso de NVG, entre outros fatores.

O risco total calculado pelo piloto acidentado era de “3 pontos”, sendo que dois pontos tinham sido subtraídos devido a experiência piloto e ao uso de NVG.

O NTSB relata que o encontro com condições meteorológicas degradadas “não deveria ter ocorrido, pois o piloto poderia ter optado por ficar no heliponto do hospital. … O piloto fez uma decisão arriscada de tentar superar a tempestade em condições noturnas. Este erro … esta tomada de decisão desempenhou um importante papel causal no acidente. “

O relatório acrescentou que, embora o acidente tenha ocorrido perto do final de um turno de trabalho noturno de 12 horas, os investigadores do acidente não tinham informações completas sobre o sono e descanso do piloto e não puderam determinar se a fadiga contribuiu para a sua “equivocada decisão de tentar voar tentando escapar da tempestade “.


Este artigo é baseado em relatórios de acidentes do NTSB ERA09FA537 e ERA10MA188 e documentos de acompanhamento.

Fonte: Flight Safety. (Tradução e adaptação de Piloto Policial)