Porque os acidentes acontecem na Aviação?
09 de janeiro de 2017 10min de leitura
09 de janeiro de 2017 10min de leitura
HILTON RAYOL
Uma pergunta que tem deixado muita gente inquieta nos últimos tempos. As vezes ficamos com essa pergunta na cabeça, refletindo por muito tempo, querendo entender o porque que as tragédias acontecem na aviação, deixando perplexos, buscando as razões que permitiram que o evento acontecesse, explicações, falhas, causas, consequências, culpados, erros, informações através dos órgãos de comunicação, por fim, sempre o mesmo questionamento sobre como os fatos que envolvem acidente aéreo podem acontecer.
Neste artigo, gostaria de compartilhar ideias sobre o tema, extraindo informações relevantes, sobretudo no que concerne à disciplina aeronáutica.
Assim sendo, vamos iniciar com a seguinte pergunta. O que é Acidente Aeronáutico?
Conforme a Organização de Aviação Civil Internacional (OACI), define o acidente aéreo como “uma ocorrência associada à operação de um avião – embarcações que tenham lugar entre o momento em que qualquer pessoa embarcar com a intenção de voo até o momento em que todas as pessoas tenham desembarcado”.
No Brasil, o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), cuja a missão é promover a prevenção de acidentes aeronáuticos, preservando os recursos humanos e materiais, visando o progresso da aviação brasileira, através da Norma do Sistema do Comando da Aeronáutica (NSCA 3-3), estabelece o acidente aeronáutico como:
Para caracterizar o acidente, deve ocorrer, pelo menos, uma das situações abaixo, onde uma pessoa sofra lesões ou graves como resultado de:
Segundo a filosofia do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER, 1972),um acidente é o resultado da combinação, em sequência, de vários fatores de risco que, ao se unirem, atuam como contribuintes, ou seja, todo acidente possui um acidente histórico.
De acordo com o Anexo – 13 (Convenção de Chicago, 1944), relata que um “acidente aéreo acontece quando uma pessoa é fatalmente ou seriamente ferida, ou a aeronave apresenta grandes danos ou falha estrutural, ou a aeronave está perdida”.
As consequências de um acidente aeronáutico são, muitas vezes, imprevisíveis e afetam diversas áreas da empresa, órgãos e muitas pessoas. Um acidente aeronáutico tem consequências que atingem seus passageiros, tripulantes, suas famílias, amigos, gestores da empresa, dos órgãos envolvidos.
Afeta diretamente o moral dos profissionais da empresa, e, consequentemente os seus negócios. Um acidente com vítimas fatais provoca um choque em todos os envolvidos, Sentimentos de lamentação, tristeza, pena, raiva, indignação, misturam-se e todos buscam saber os reais motivos do acidente.
Talvez, essa vontade de saber o que aconteceu seja, nesse turbilhão de sentimentos ruins, um acalento ou uma motivação para continuar vivendo e, claro, encontrar Justiça, pois, afinal de contas, todos querem melhorar o transporte – ainda seremos usuários desse meio de transporte.
A atividade aérea não deixa de ser uma atividade risco, onde envolvem erros, desvios e violações. Temos observado que são pontos que tem características interessantes, e ameaçadoras, que não podemos descartar nenhuma delas.
No nosso entendimento, quando existe uma quebra desses requisitos na aviação, durante as operações de voo, estamos expondo pessoas ao perigo, e o perigo significa estar em estado de risco, estar em vias de acontecer algo que lhe ponha em situação indesejável.
Por isso, o perigo é o risco não permitido, pois quando se aceita correr o risco na aviação, estamos ao mesmo tempo permitindo que as consequências de um evento com as probabilidades danosas ou catastróficas aumentem, propiciando a insegurança em uma atividade que, por si só, já é complexa – uma irresponsabilidade.
Na análise feita por James Reason, representando um alinhamento de condições que resultam em um evento adverso, mais conhecida como “queijo suíço”, as falhas ativas causam acidentes quando combinadas com rupturas nas camadas defesas.
As falhas latentes são “janelas” nas defesas do sistema que, ao se combinarem com falhas ativas, criam uma “trajetória de oportunidades de acidentes através de algumas ou de todas as camadas protetoras do sistema. São estas janelas alinhadas nas várias defesas que constituem um evento.
Dessa maneira os caminhos das falhas ativas e latentes se juntam para criar trajetórias completas ou parciais de oportunidades de acidentes (REASON, 2000).
Outros dois aspectos que gostaria de abordar neste artigo, diz respeito ao que chamamos de Erro e Violação. Nós sabemos que na aviação existem possibilidades de falha humana nas operações.
Além de erros que são ocasionados por aspectos fisiológicos (fadiga é o mais comum), o estado psicológico e a complexidade da atividade também podem ocasionar eventos indesejáveis.
Reason (2000) assume que as falhas humanas representam a maior ameaça aos sistemas complexos. A ocorrência de falhas humanas é imprevisível e é impossível realizar um controle efetivo dessas falhas.
De acordo com James Reason (1997, p. 126), o “Erro humano é uma consequência, não uma causa. Os erros são construídos e provocados por uma estrutura de trabalho inadequada e fatores organizacionais. Identificar um erro é meramente o começo das buscas pela causa, não o fim. O erro assim como o desastre que o sucede, é algo que requer explicação. Somente compreendendo o contexto que provocou o erro pode limitar sua recorrência”.
O termo “erro humano” é de pouca ajuda para a prevenção de acidentes e incidentes aéreos. Apesar de indicar onde o colapso do sistema ocorreu, ele não oferece respostas precisas sobre porque ele aconteceu.
O erro humano é esperado. Na ausência de estratégias de prevenção de sua ocorrência ou de gerenciamento de seus possíveis danos, as consequências são geralmente desastrosas.
Erros e violações afetam a segurança de voo. Por isso, deve haver defesas específicas contra ambos.
Segundo a IAC 135-1002 (2005), descreve que o erro é conceituado com um desvio involuntário por parte do indivíduo de uma ação pretendida. Os erros devem ser esperados, por isso, existem ferramentas para evita-los, contê-los e minimizá-los nas suas consequências, tais como: treinamento, gerenciamento de informações, dentre outras.
Nenhuma pessoa, independente do cargo que ocupe, pode ter um desempenho sempre perfeito. De acordo com (PEREIRA, 2008), “não existe espaço para o erro na aviação, o homem deveria ser imune à possibilidade de cometer erros, no entanto, não há pessoas imunes ao erro”.
Não se pode responsabilizar o aeronauta por um erro profissional se, no seu atuar, não houve negligência, imperícia, imprudência ou dolo. O erro profissional é um acidente escusável (desculpável, perdoável), justificável e, de regra, imprevisível, que não depende do uso correto e oportuno dos conhecimentos e regras da ciência.
A violação tem uma característica que entendo ser mais grave na aviação. Segundo as pesquisas que realizei, a violação é uma ação que se desvia intencionalmente de regras ou padrões formalmente estabelecidos e aprovados pela organização, ou seja, se alguém comete uma violação quando, no exercício de uma tarefa e por vontade própria, se desvia de regras, procedimentos ou treinamento recebido.
É essencial se considerar as diferenças entre ações intencionais – nas quais seus praticantes violam as leis, regulamentos, manuais, e práticas aceitas – e os erros não intencionais e equívocos, que, infelizmente, podem conduzir as perdas humanas e materiais. Existe uma aceitação universal entre profissionais de segurança operacional de que pessoas que cometem violações intencionais devem ser indiciadas e processadas rigorosa e exemplarmente (MENDONÇA E MASO, 2010).
Portanto, a violação deve ser sempre punida, pois além de uma prática que devemos banir de uma vez por todas de qualquer atividade produtiva, ela age como um incentivador aos profissionais principiantes, que se espelham nos veteranos de aviação.
Um bom Gerenciamento da Segurança de Voo é uma ferramenta muito importante, porque ela pode eliminar falhas ativas e latentes, lembrando sempre que onde houver alguma atividade humana, ou sistemas criado pelo homem, falhas e erros podem acontecer.
Crew Resource Management – CRM
Gerenciamento de recursos da tripulação, o que chamamos de CRM (Crew Resource Management) surgiu na década de 1970. Está relacionado aos aspectos de fatores humanos, incluindo cooperação, liderança, comunicação, consciência situacional, processo de tomada de decisão entre indivíduos em grupos (tripulação, equipes de manutenção, controladores de tráfego).
O CRM mostrou-se uma prática valida para reduzir falhas humanas e incrementar a segurança de voo, onde todos os envolvidos em operações aéreas participam, fazendo com que o trabalho em equipe seja mais eficaz, reduzindo riscos e maximizando desempenhos.
A importância da comunicação
Na falta de comunicação com qualidade é impossível haver gerenciamento de cabine. Em comunicação filtros são elementos que modificam a forma que a mensagem é recebida e barreiras são impedimentos à comunicação.
Os filtros podem ser divididos em filtros pessoais e filtros situacionais, alguns exemplos de filtros pessoais estão relacionados a preconcepção de ideia (ideia já formada), reação treinada, competição, vaidade e arrogância.
Os filtros situacionais incluem ruído, distração, fadiga, estresse, conflitos emocionais e diferenças de linguagem. As barreiras podem existir em condições de desnível de autoridade, desnível de experiência, conflitos interpessoais, complacência, resignação, comportamento autoritário e falhas de sistemas de comunicação.
A comunicação elucida as barreiras na comunicação verbal e não verbal, analisa casos em que a falha de comunicação levou a graves acidentes e discute com usar eficazmente esse recurso no gerenciamento de cabine.
É importante estabelecer uma relação de confiança que diminua as barreiras entre o emissor e o receptor, como, por exemplo, briefings, questionamento/assertividade, uso da crítica/debriefings e a resolução de conflito.
Um outro aspecto importante para o bom andamento das operações de voo, está relacionada a Consciência Situacional, definida por Endsley (1998, p. 97) como “a percepção de todos os elementos importantes no ambiente, a perfeita compreensão do significado destes elementos e a projeção dos seus efeitos num futuro próximo”.
Esta percepção citada pelo autor, diz respeito aos fatores e condições que afetam uma aeronave e sua tripulação. Na prática, significa estar ciente do que acontece ao seu redor e com a tripulação e pensar “a frente da aeronave”.
Um outro pilar importante que faz parte deste gerenciamento, refere-se ao Processo Decisório, que consiste em desenvolver uma abordagem mental sistemática para determinar a melhor ação aos eventos relacionados à atividade aérea.
Uma dessas ações, diz respeito as habilidades adquiridas relacionadas aos controles básicos da aeronave – ensinados, treinados e condicionados.
Por fim, a importância de realizar voos sempre seguros refere-se ao estado, qualidade ou condição de quem, ou do que, está livre de perigos, incertezas, assegurado das probabilidades de danos e riscos eventuais, situação em que não há nada a temer.
O nosso Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), descreve no seu artigo 87 o seguinte: “a prevenção de acidentes aeronáuticos é da responsabilidade de todas as pessoas, naturais ou jurídicas, envolvidas com a fabricação, manutenção, operação e circulação de aeronaves, bem assim com as atividades de apoio da infraestrutura aeronáutica no território brasileiro”.
A aviação caracteriza-se como uma atividade complexa, não somente pela especialidade das ciências aeronáuticas, mas também por necessitar da intervenção de diversos profissionais e sistemas, a fim de garantir a segurança de sua prática.
Bons voos, com segurança!
Autor: Piloto de Linha Aérea; Bacharel em Aviação Civil pela Unicesp Brasília; MBA em Gestão Aeroportuária; Pós-graduação em Segurança de Voo e Aeronavegabilidade Continuada pelo ITA; Curso de Sistema de Gerenciamento da Segurança Operacional SGSO pela ANAC; Direito Aeronáutico pela Academia Brasileira de Direito Aeronáutico – ABDA; Perito Judicial Aeronáutico pelo Instituto J. B. Oliveira; Curso de PBN pela ANAC.
Texto revisado por Eduardo Alexandre Beni.
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