Por que não podemos solucionar a questão do voo VFR em IMC?
05 de outubro de 2019 5min de leitura
05 de outubro de 2019 5min de leitura
A continuação do voo VFR em IMC é o flagelo da aviação geral. Ano após ano, é uma das principais causas de acidentes fatais – quase quatro vezes mais mortal do que os encontros com tempestades e gelo combinados! De qualquer forma, esses números subestimam o problema, já que muitos voos VFR em condições meteorológicas por instrumento são “bem sucedidos” e, assim, nunca aparecem nas estatísticas oficiais, mas apenas nos pesadelos dos sortudos pilotos…
Os defensores da segurança de voo estão focados nesse problema há mais de 60 anos, incluindo um estudo bem conhecido da Associação de Proprietários e Pilotos de Aeronaves e da Universidade de Illinois que determinou que o piloto VFR médio tem “178 segundos de vida” ao entrar nas condições meteorológicas por instrumento.
Desde então, houve mudanças no treinamento, na tecnologia e nos regulamentos. E, no entanto, esses acidentes persistem.
Por quê?
Fatores de Risco
Não existe uma solução fácil, mas um bom ponto de partida é a maneira como falamos sobre a prevenção de VFR em IMC, que não mudou em décadas.
Uma quantidade surpreendente de pesquisas acadêmicas foi realizada sobre o assunto e, no entanto, a maioria dos novos pilotos nunca ouve falar dos quatro fatores de risco comuns:
1) os passageiros estão presentes com muito mais frequência em voos de acidentes do que em voos sem acidentes. Eles podem exercer pressão sobre o piloto, explícita ou implicitamente, para concluir a missão;
2) a noite torna o VFR desafiador mesmo com bom tempo. Incrivelmente, quase um terço dos acidentes de VFR em IMC acontecem à noite, embora muito pouco voo noturno ocorra na aviação geral;
3) as montanhas também são super-representadas nos relatórios de acidentes. O terreno pode criar seu próprio clima e limitar alternativas seguras; e
4) voos mais longos também parecem ser mais suscetíveis a acidentes climáticos. De modo geral: voos mais longos, chances de mudança climática maiores.
Um outro fator de risco potencial é o desempenho da sua aeronave, porque as coisas acontecem muito mais rápido a 140 nós em um AS350B3e do que a 60 nós em um HU300CBi.
Os ganhos de segurança de algumas novas tecnologias podem, às vezes, não acompanhar a velocidade da sua aeronave – ou a sua… Esses fatores de risco não são motivos exclusivos para cancelar um voo por si, mas são motivos para você, piloto, ser conservador.
Aprender a gerenciar esses problemas deveria fazer parte de todos os conteúdos programáticos dos alunos e de todas as revisões e treinamentos de voo.
Além disso, uma verificação do conjunto piloto, aeronave, meio ambiente e pressões externas pode não ser o suficiente para evitar uma enrascada.
Planejamento dos Voos
Com relação à maneira como usualmente ensinamos o planejamento de voos, pode-se dizer que o foco geralmente está nas coisas erradas, como quando, por exemplo, focamos na decodificação de “metares” resolvida por aplicativos.
Uma abordagem melhor para planejar um voo é começar com uma visão geral, considerando onde estão por exemplo as frentes e as partes mais baixas da camada para depois analisar mapas de previsão, visualizações em 3D do terreno da rota e várias imagens de radar.
“Metares” entram em jogo apenas no final, quase como confirmação do que você já sabe. É aqui que vale a pena ser um nerd do tempo.
As habilidades mentais são muito mais importantes que os procedimentos robóticos. Em particular, os pilotos devem praticar ser implacavelmente realistas – avaliando o clima primeiro e só depois decidindo se devem voar.
Se decidirmos voar e depois procurar evidências para confirmar nosso plano preferido, caímos na armadilha do raciocínio motivado e podemos nos convidar gentilmente para um desastre.
Habilidades a Bordo
Uma vez no ar, algumas regras atemporais se aplicam, mas algumas novas tecnologias também mudam o jogo.
As regras atemporais começam com o compromisso de aceitar o que a Mãe Natureza lhe oferece. Não importa o que a previsão diz, a vista pelo para-brisa é o que conta. Em particular, a visibilidade geralmente supera o teto; 10 milhas de visibilidade sob um teto de 2.000 pés é muito bom VFR, enquanto 3 milhas de visibilidade sob chuva com um teto de 5.000 pés é muito ruim.
Outro bom hábito é sempre voar com “circuit breakers de segurança” em sua mente. Alguns pilotos usam uma regra: se você descer ou desacelerar duas vezes, é hora do plano B. Outros pilotos são mais rigorosos: se você for forçado abaixo de uma altitude mínima de segurança predeterminada por você mesmo, deverá pousar imediatamente ou voltar.
Esperar no chão por uma ou duas horas geralmente tem um impacto dramático nas condições climáticas e na preservação da sua segurança, de sua tripulação e de sua aeronave.
Tudo volta ao treinamento
Vale frisar que mesmo com todos os avanços tecnológicos à disposição nos cockpits, nada disso significa muito sem o devido treinamento adequado e sem a adoção de procedimentos operacionais condizentes.
Uma inovação relativamente recente no Brasil foi exigir, durante a formação dos pilotos, algum tempo de voo sob regras por instrumento para a concessão da licença pertinente.
Contudo, seria interessante também que os pilotos em formação fossem expostos, com os devidos controles, a condições marginais de visibilidade durante os cursos para verem como é e aprenderem a tomar decisões em voo.
Adicionar um requisito para os pilotos de VFR fazerem algum tipo de treinamento recorrente de instrumentos durante as revisões de voo é outra boa ideia.
Se é importante o suficiente para ser exigido durante o treinamento primário, é importante o suficiente para revisar a cada ano ou dois.
O desafio a longo prazo é mudar nossa mentalidade sobre o treinamento para ações focadas na melhoria contínua.
Há muito aprendizado a ser feito entre o certificado privado e a classificação IFR, por exemplo, mas os programas formais de treinamento raramente refletem isso.
Realmente solucionar a questão do voo VFR em IMC pode ser impossível, mas é o que muitos pilotos disseram uma vez sobre o CFIT e estes quase desapareceram.
A lição é que as novas tecnologias, quando combinadas com um bom treinamento, podem reduzir acidentes.
Fonte: Flying Magazine. Livre adaptação/revisão: Cap PMES Pablo, do NOTAER/ES.
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