Piloto apresenta queixa na OACI contra condenação por omissão em evacuação aeromédica
08 de janeiro de 2020 4min de leitura
08 de janeiro de 2020 4min de leitura
O piloto português condenado em Cabo Verde a um ano de prisão por não realizar uma evacuação aeromédica, denunciou à Organização Internacional de Aviação Civil que as autoridades da aviação civil cabo-verdiana deixaram, com esta decisão, de ter responsabilidades.
A queixa foi apresentada na semana passada pelo piloto Nuno Miguel à Organização Internacional de Aviação Civil (ICAO, na sigla inglesa), agência das Nações Unidas responsável por verificar a aplicação dos acordos internacionais em matéria de aviação civil por quase 200 países e respetivas autoridades nacionais.
Na queixa, o piloto português, condenado este mês pelo tribunal da ilha da Boa Vista a um ano de prisão, suspensa na execução, por omissão de auxílio depois de ter recusado realizar uma evacuação médica sem o obrigatório documento médico de transporte e uma maca para imobilizar o paciente, entende que a Agência de Aviação Civil (AAC) de Cabo Verde, face ao teor da sentença e ao processo judicial de que foi alvo, “não é mais a autoridade em relação à estrutura jurídica aeronáutica de operadores e tripulantes que operam no país”.
“Este fato, por si só, representa um enorme risco para a segurança das operações aéreas em Cabo Verde. Ninguém pode estar seguro num futuro próximo se esse problema não for solucionado, uma vez que o transporte de um passageiro em estado crítico de saúde, num voo comercial e sem seguir os procedimentos adequados, pode e colocará em risco a aeronave, o paciente e outros ocupantes, possivelmente resultando num acidente ou um incidente grave”, lê-se na queixa apresentada à ICAO.
O caso remonta a 14 de maio de 2018, quando um homem foi baleado e esfaqueado no abdomen, na ilha da Boa Vista, durante a madrugada, junto a uma discoteca local, tendo a delegação de saúde solicitado a evacuação médica para um hospital da cidade da Praia, ilha de Santiago, mas pela ligação comercial de passageiros da companhia Binter.
Na queixa à ICAO, o piloto português afirmou que durante o julgamento a acusação defendeu que “quando uma vida humana está em risco, os papéis e os procedimentos normais não importam”. Por outro lado, descreveu, “os médicos aeronáuticos que prestaram testemunho durante o julgamento disseram que o paciente nunca deveria ter sido submetido a uma evacuação aeromédica devido ao seu estado clínico, que nunca deveria estar sentado com o cinto de segurança apertando o ponto de entrada do ferimento [como seria transportado], que os intestinos provavelmente teriam rompido através do orifício no abdomen assim que a pressão caísse, causando um sério risco à segurança do voo”, pelo que só “está vivo devido ao comportamento do comandante”.
Acrescenta que, durante o julgamento, o diretor executivo da AAC afirmou que não há evacuações aeromédicas em Cabo Verde devido à falta de recursos e que a compania Binter apenas pode realizar voos comerciais de passageiros.
Há uma semana, o piloto português disse que apenas cumpriu regulamentos nacionais e internacionais, prometendo denunciar o caso em todas as instâncias. “É um sentimento de injustiça flagrante. É inqualificável, na medida em que estou a ser prejudicado por ter cumprido escrupulosamente a lei do país e as leis internacionais”, afirmou.
Com duas décadas de experiência como piloto — militar e civil — em Portugal e no estrangeiro, garante que o transporte daquele paciente “só teria duas hipóteses” possíveis. “Ou de maca ou sentado. Ora, o documento médico indica precisamente que o paciente é incapaz de viajar sentado, e por maioria de razão, com uma bala na zona onde o cinto aperta, o paciente está completamente imóvel, não poderia ir sentado. Não tendo maca a bordo, não tinha forma de transportar aquele paciente”, assume.
Acrescentou que foi também considerado um possível cenário de alteração a bordo com os restantes passageiros, face a um eventual agravamento do quadro clínico, tendo em conta as condições em que seria transportado e as perfurações que apresentava. “Estamos a falar de voos comerciais e não voos específicos para uma evacuação aeromédica. Todos os outros passageiros e tripulantes daquele voo tinham o mesmo direito à vida”, sublinhou.
Na sentença, o tribunal considerou que a Binter “orientara os seus pilotos a recusarem transportar qualquer doente” sempre que “o MEDIF [documento médico internacional e obrigatório com informação sobre o estado do paciente] que lhes for entregue se encontrar mal preenchido”.
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