Duas investigações distintas de um acidente aeromédico fatal na Austrália, que matou um paramédico altamente treinado, chamam a atenção para os perigos de modificar os procedimentos no momento da operação para concluir uma missão difícil.

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Cachoeira Véu da Noiva, cena de uma morte evitável causada por riscos mal administrados. Foto: ATSB

“Este acidente destaca os perigos associados com a modificação de procedimentos estabelecidos para concluir uma missão de resgate difícil e, potencialmente, não vivida previamente”, disse o Escritório de Segurança do Transporte da Austrália (ATSB), acrescentando que “particularmente, o uso de procedimentos que não foram documentados nem receberam treinamentos das tripulações deixa a identificação dos perigos e o gerenciamento dos riscos associados mais difícil.”

O acidente também levanta uma questão ainda mais ampla para a comunidade de helicóptero de resgate, que foi apresentada no relatório do ATSB de 2013 sobre o acidente: Será que a maior eficácia dos helicópteros e das operações de içamento aumenta a probabilidade dos resgatistas ficarem tentados a ir além do atual treinamento?

O acidente de 2011 na Cachoeira Véu da Noiva, no Parque Nacional Budderoo, Austrália, ocorreu quando o paramédico e o seu paciente foram puxados pelo guincho do helicóptero da beira de um penhasco e, então, despencaram cerca de 75 metros até a base da cachoeira.  O paciente tinha ferimentos graves, sem risco de morte, no início da tentativa do resgate e sobreviveu à queda. O paramédico sofreu ferimentos graves e morreu no local do acidente, um pouco depois da queda.

A investigação do ATSB (AO-2011-166) descobriu que vários fatores contribuíram para o acidente, incluindo a adaptação de improviso de procedimentos aprovados para apoiar os esforços daquele momento, as condições de pouca luminosidade e a posição do helicóptero durante a tentativa de resgate, a falta de familiaridade do tripulante com o sistema de radiocomunicação da sua aeronave e a falta de treinamento em operações de içamento noturnas.

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Com a segunda investigação, feita pelo médico-legista do Tribunal de Nova Gales do Sul (NSW), o ATSB discutiu diversos riscos que foram mal administrados pelos tripulantes de resgate e pelo operador. O escritório de segurança observou que “a tripulação do voo considerou a operação de içamento segura até a ocorrência da queda.”

No entanto, o relatório do perito discute os riscos mal administrados de forma mais detalhada. Por exemplo, enquanto o ATSB “constatou que a tripulação estava qualificada para o voo”, o relatório do perito constatou que a qualificação do paramédico para o procedimento de içamento através do uso de cordas, adaptado durante o voo e durante a missão, havia vencido. A investigação determinou que, segundo os procedimentos operacionais padrões da operadora do helicóptero, o paramédico não estava autorizado a fazer esse procedimento de içamento sem a permissão explícita do piloto principal (a qual ele não possuía).

“A ausência de tal permissão era razão [suficiente] para o piloto terminar o procedimento”, disse o relatório de investigação.

Os eventos que levaram imediatamente ao acidente começaram por volta das 16h15m, no dia 24 de dezembro de 2011, quando a corda de rapel de um homem falhou e ele caiu à beira de um penhasco a cerca de 15 metros de distância do topo da Cachoeira Véu da Noiva. O seu cônjuge ativou um localizador de emergência pessoal de 406 MHz por volta das 16h35m, horário local, e o Centro de Coordenação de Resgate da Austrália solicitou que o Serviço de Ambulância do Estado de Nova Gales do Sul (ASNSW) enviasse um helicóptero de resgate para rastrear o sinal de rádio.

O ASNSW disponibilizou e treinou o paramédico (designado como o paramédico de plantão na missão), um médico e um paramédico de apoio. A CHC Helicopters (Austrália) forneceu a aeronave (uma AW139 da AgustaWestland equipada com um guincho Goodrich), assim como o piloto e o tripulante/ operador de guincho ao ASNSW.  A CHC também forneceu treinamentos à tripulação aeromédica.

Como a informação era de que o paciente se encontrava em um terreno difícil, o paramédico solicitou que um paramédico de apoio participasse do voo. Ambos foram qualificados como parte da Equipe Especial de Acesso a Vítimas de Acidente (SCAT) que o ASNSW desenvolveu cerca de 30 anos atrás para capacitar os paramédicos a acessar os pacientes em locais perigosos ou remotos, realizar triagem, tratá-los e evacuá-los.

O helicóptero AW139 (“Resgate 24”) entrou em cena às 17h35m. A tripulação identificou o terreno, mas a vegetação impossibilitou a descida do paramédico diretamente ao paciente e a execução do içamento em posição vertical. O piloto pousou nas proximidades para que a tripulação pudesse planejar o resgate.

Decidiram colocar dois paramédicos no topo da cachoeira e o paramédico de plantão desceria de rapel até o paciente. Ele usaria uma extremidade da corda enquanto o paramédico de apoio seguraria a outra. O paramédico de apoio ataria a corda ao gancho do guincho e, então, o paramédico de plantão usaria a sua extremidade para puxar o gancho quando este descesse até ele. O helicóptero pairaria em um ângulo em relação à beira do penhasco. Então, o paramédico vestiria um sistema de cordas para estabilizar qualquer movimento de balanço quando ele e o paciente fossem içados do penhasco até que os dois estivessem numa posição diretamente abaixo do helicóptero.

O plano foi baseado em um resgate prévio, de alto nível realizado por outro operador, disse o ATSB. A gerência do ASNSW contou ao ATSB que não havia documentação ou treinamento para o uso do gancho ou de métodos de içamento e nem haviam sido testados antes deste caso.

Um membro e um médico da tripulação tiveram alguns receios quanto ao plano, disse o ATSB, mas foram “certificados por outros tripulantes que o plano de resgate era excepcional no serviço de emergência médica” e “tratava-se de uma técnica que havia sido usada antes.”

Antes da tentativa de resgate, o ATSB  disse, “a tripulação inteira concordou com o plano que tinha como objetivo ter acesso ao paciente e resgatá-lo.”

A tentativa não começou até por volta das 20h20m. A “última luz” local projetou-se às 20h40m. O relatório de investigação faz uma observação de que a tripulação do Resgate 24 estava tentando um resgate a 40-49 metros  abaixo do topo de um penhasco próximo, “que projeta a base da cachoeira em uma sombra profunda na maior parte do dia.”

Às 20h38m, quando o piloto perguntou o que o paramédico de plantão fazia, o tripulante da aeronave disse que não conseguia enxergar porque o paramédico “estava em um buraco escuro.” O ATSB disse que a conversa foi capturada pelo gravador de voo do AW139.

O membro da tripulação disse, depois, que o paramédico de plantão havia sinalizado com as suas mãos que estava pronto para o içamento. Os dois estavam impossibilitados de conversar pelo rádio, pois o tripulante não estava familiarizado com o sistema de radiocomunicação do AW139. Ele havia “se qualificado há muito pouco tempo no AW139” e esta missão era a sua “primeira operação de resgate com esta tripulação” e o seu “primeiro resgate de içamento operacional no AW139”, disse a investigação. Quando o içamento começou, 46 metros de cabo corria em um ângulo de 45 graus entre a aeronave e a beira do penhasco, na posição das 3h aproximadamente. Goodrich determina um ângulo máximo de 15 graus para esse içamento. O membro da tripulação anunciou que ele estava “içando na parte frouxa do cabo.” Também direcionou o piloto a subir 6 metros.

Um pouco mais tarde, o membro da tripulação disse ao ATSB, que ele viu o paramédico e o paciente colocando-se em movimento para fora da beira do penhasco “de forma controlada.” Eles, então, caíram cerca de 3 metros até outra beirada antes de girarem embaixo do helicóptero.

O tripulante da aeronave ergueu o cabo a toda velocidade e orientou o piloto a mover o helicóptero para a esquerda.  O paramédico e o paciente caíram cerca de 30,5 metros nos blocos de rocha. Os investigadores do ATSB não encontraram evidência alguma de que o paramédico tivesse montado um sistema de corda-e-âncora para estabilizar o movimento enquanto estivessem no cabo.

A investigação também observou que o plano de resgate foi além dos procedimentos de içamento estabelecidos nos procedimentos operacionais padrões da CHC.

Fonte: Rotor & Wing