Operação com Carga Externa (Sling Loading) – Estudo de Caso
22 de junho de 2013 12min de leitura
22 de junho de 2013 12min de leitura
Transport Safety Board of Canada – Relatório de acidente em data desconhecida, em Sept-íles, Quebec, Canadá, com aeronave Bell 206B, com duas vítimas fatais.
Durante uma breve operação de carga externa, a estrutura feita para carregar o objeto transportado se tornou instável. A caixa pendulou violentamente para frente, atingindo as pás do rotor principal. A carga voltou e os destroços gerados atingiram o rotor de cauda. Com o pêndulo e o “flapeamento” das pás, o rotor principal seccionou o rotor de cauda.
O Bell206B JetRanger caiu cerca de 4 milhas a leste do aeroporto em Sept-îles, Quebec. A Torre de controle viu uma bola de fogo, ouviu a explosão e soou o alarme. Nesse evento, o piloto e o passageiro morreram com o impacto.
O Gancho do helicóptero foi localizado a 70 metros da fuselagem apresentando marcas do impacto, o que indicou a oscilação violenta em todas as direções, particularmente para frente e para direita. O gancho foi encontrado na posição fechado.
A estrutura – caixa utilizada para colocar a carga a ser transportada dentro – foi desenhada especificamente para ser utilizada pelo helicóptero, no entanto, nenhum tripulante foi consultado sobre o assunto. Uma semana antes do acidente, a estrutura foi carregada e enganchada num helicóptero Eurocopter AStar para testes. Foi observado que, até 55 kt, a estrutura oscilava bastante, mas nesse ponto específico, de algum jeito a carga estabilizava. A partir de 55 kt, a caixa se tornava instável, forçando uma redução de velocidade imediata.
Vários voos de testes foram realizados com diferentes cargas internas, mas houve o consenso que a caixa deveria ser remetida de volta para o fabricante para modificações. Após os testes, o piloto do AStar recomendou que a estrutura fosse transportada para o fabricante de caminhão. No entanto, pouco antes do acidente, a tripulação que conduziu os testes saiu para um feriado, sendo substituída pela tripulação envolvida no acidente, que não sabia o histórico
de tudo o que tinha acontecido.
O cabo utilizado para prender a carga ao helicóptero era curta, muito menor que o comprimento da carga, e o ângulo formado entre os quatro cabos que seguravam as quinas da carga formavam um ângulo consideravelmente maior que 45 °, o máximo recomendado. Com o cabo de apenas um metro, a caixa foi suspensa muito próxima ao helicóptero , quando o ideal seria um cabo com tamanho de, pelo menos, o diâmetro do rotor. (Fonte: Vortex 1/94)
Alguns trechos a seguir foram retirados dos relatos de onze acidentes com carga externa ocorridos no Canadá. Esses eventos servem para nos reforçar o porquê de, como em todas as operações com helicóptero, o transporte em carga externa ser cuidadosamente planejado e conduzido.
1. Uma caixa desenhada localmente para transporte em carga externa entrou em colapso em voo, permitindo que o cabo ficasse sem peso e fosse em direção ao rotor de cauda.
2. Um Hughes 500 perdeu o rotor de cauda quando o cabo que segurava a carga externa, uma fita trançada de nylon de 17 ft com um “destorcedor”, entrou em contato com o mesmo. O piloto fazia o transporte da carga com 90 kt.
3. Um cabo de 18 ft trançado de nylon foi substituído por um cabo que estava começando a entrar em colapso. Durante o deslocamento para o carregamento, o cabo sem peso foi em direção ao rotor de cauda e arrancou o rotor de cauda de um Hughes 500.
4. A carga externa foi alijada quando o piloto percebeu que não conseguiria parar o helicóptero em uma aproximação a favor do vento. Infelizmente, antes que o piloto pudesse recuperar a situação, o cabo comprido prendeu em um obstáculo e a aeronave caiu.
5. Um AStar estava transportando em carga externa duas pás de Bell 206 quando as pás “decolaram” e seccionaram o rotor de cauda da aeronave.
6. A carga escorregou de um “pallet” que estava sendo transportado em carga externa e o “pallet” voou em direção ao boom de cauda. Felizmente, o cabo era curto o bastante para manter o “pallet” longe do rotor de cauda.
7. Um helicóptero multi-motor estava na aproximação final com carga externa quando houve a falha de um dos motores. Como existiam pessoas no eixo da aproximação , o piloto escolheu não alijar a carga. O helicóptero caiu.
8. Um bell 206 ficou destruído quando o “bucket” que transportava água atingiu uma linha de alta tensão.
9. O piloto perdeu o controle da aeronave que fazia um transporte de carga externa para o topo de uma fábrica. O piloto não tentou ou conseguiu alijar a carga.
10. Um cabo de carga externa de 20 ft sem peso foi em direção ao rotor de cauda quando a aeronave, um Bell 206, realizou a descida da lateral de uma montanha imprimindo uma razão entre 1500ft e 2000ft/min.
11. Um cabo de 16ft de comprimento entrou em contato com o rotor de cauda de um MD369. As testemunhas que estavam a 2 NM de distância reportaram que observaram o helicóptero despedaçando em voo e ouviram a explosão.
PRINCÍPIOS DA CARGA EXTERNA
O EQUIPAMENTO
Os pilotos devem sempre saber onde está a carga e o que está acontecendo com ela. Quando utilizando um cabo curto, um espelho que permita mostrar tanto a carga quanto o cabo em que está presa é essencial. Quando operando com um cabo longo (e sem um OE), o método mais seguro seria, com a porta do piloto retirada, olhar diretamente para baixo para enxergar o comportamento da carga.
Todo equipamento utilizado numa operação de carga externa deve estar em boas condições. O alijamento manual e o elétrico devem ser checados e o espelho deve estar ajustado.
É mandatório o uso de um “destorcedor” quando utilizado cabo de aço e material de metal. Uma corda de fibra sintética pode torcer-se no gancho e fazer com que seja impossível liberar a carga.
O tipo de cabo utilizado varia de acordo com as preferências do piloto e com o tipo de carga a ser transportada. Um cabo de fibra de poliéster é facilmente guardado, não rompe por causa de torção e não tem um recolhimento elástico se romper.
Um cabo de aço é o material mais forte disponível e é necessária a utilização desse tipo de cabo quando são utilizados helicópteros e cargas grandes. Entretanto, esse tipo de material é pesado, difícil de ser transportado em helicópteros pequenos e deve ser trocado sempre que forem encontradas marcas de torções no cabo.
Correntes também podem ser utilizadas com helicópteros menores e podem ser armazenadas em espaços menores que o necessário para o armazenamento de cabos. Com cargas cima de 1000 lb, entretanto, as correntes não são o material mais indicado, pois elas podem atritar e romper onde se cruzarem.
Outros aspectos importantes dizem respeito ao gancho e ao comprimento do cabo. O gancho deve possuir uma trava de segurança e o comprimento do cabo não deve ser curto, entretanto, não é interessante tenha um comprimento menor que a distância do cabo até o rotor de cauda. Mesmo com essa preocupação em relação ao comprimento do cabo, é importante que o conjunto do cabo seja pesado o bastante para não levantar em direção ao rotor de cauda.
Para manobrar no pairado, o cabo maior é mais indicado. Dessa maneira, o piloto pode enxergar e acompanhar melhor o comportamento da carga e sua relação com as partes do helicóptero, além de julgar melhor o ângulo da carga em relação ao solo. Também é mais fácil diminuir a oscilação da carga devido à utilização do cabo maior.
NO SOLO
Durante decolagem, enganchamento e sobrevoo, a segurança das pessoas que estão embaixo deve ser seriamente considerada. Essas áreas devem estar livres de detritos e coisas que, por causa do “downwash”, possam voar e atingir as pessoas que ali estejam ou, até mesmo, o próprio helicóptero.
O pessoal de terra deve ser utilizado para orientar e auxiliar os pilotos durante a operação, entretanto, deve ser habilitado para isso. O piloto não deve confiar cegamente nesses indivíduos, pois, em todos os casos, a responsabilidade total da operação recai sobre o comandante da aeronave, ou seja, o piloto.
O pessoal de terra deve ser treinado para preparar a carga, enganchar e fazer a comunicação com a aeronave através de sinais. Todos os procedimentos de segurança devem ser previamente acordados em briefing antes do voo. Devem possuir óculos de proteção, luvas, abafadores e todos os EPI necessários para a operação. O pessoal de terra nunca deve se posicionar sob a carga, tampouco entre a carga ou qualquer estrutura imóvel, evitando ser esmagado caso a carga desloque. Enquanto a carga é retirada do solo, é importante que o pessoal de terra não fique com as mãos onde elas possam ser esmagadas pela carga ou pelos próprios tirantes que a sustentam.
TÉCNICAS DE MANUSEIO E PREPARO DA CARGA
Algumas cargas são difíceis de transportar em carga externa, pois podem pendular ou girar descontroladamente devido ao seu formato. Infelizmente não existe nada que preveja o comportamento da carga. Se a carga apresentar-se instável, o que deve ser feito é colocá-la no chão e tentar montá-la novamente.
Uma vez em voo, o piloto deve estar com os reflexos treinados para alijar a carga caso a mesma oscile e não consiga controlar o movimento. O movimento descontrolado da carga externa pode, na melhor das hipóteses, interferir na pilotagem, e na pior, pode fazer que a mesma atinja o helicóptero ou até mesmo o derrube. O importante, entretanto, é ter certeza que a carga está bem montada e ajustada antes mesmo de deixar a área de enganchamento.
É importante voar na velocidade ideal prevista em manual para aquele tipo de carga e manter os limites de velocidade impostos pelo fabricante, não os excedendo em hipótese nenhuma.
Algumas cargas exigem que o voo seja de extrema precisão para se evitar o pendulamento. Se um pêndulo começar a ocorrer, é importante que haja a concentração para manter a aeronave voando estável, reta e nivelada, podendo ser necessário reduzir a velocidade.
Na aproximação final é importante fazer uma redução de velocidade gradual para que a carga não pendule longitudinalmente, passando indesejavelmente do ponto de abandono. A melhor técnica para isso é a redução gradual da velocidade, sendo necessária a estabilização da carga antes do alijamento na vertical do ponto.
AJUSTES
Durante as operações com carga externa, o piloto normalmente fica preocupado com segurança e eficiência. O ajuste adequado da carga é a chave da operação. Se o preparo da carga for inadequado, pode ser perigoso erguer e voar com a carga.
Inicialmente, para fazer o preparo da carga deve-se saber fazer amarração com nós que possam não se desfazer ou correr, e não se deve fazê-los embaixo da carga, sendo difícil ou até impossível de desatá-los.
CARGAS COM PONTO ÚNICO DE AMARRAÇÃO
Exceto para cargas específicas, a amarração em um único ponto não é a melhor maneira de prender a carga. Dessa maneira é mais fácil permitir que a carga gire, havendo até o risco da corda entrar em colapso e arrebentar. Caso a carga exija um ponto único de amarração, é importantíssimo que haja um “destorcedor” incorporado ao conjunto para evitar o colapso do mesmo.
A amarração com dois pontos com ângulo entre os cabos inferior a 45° é o método de amarração mais utilizado para a maioria das cargas. A amarração em quatro pontos também pode ser feita para cargas com a forma cúbica.
A utilização de barras estabilizadoras também é possível. A barra é utilizada para evitar que o próprio tirante force a carga e danifique a mesma. Geralmente são utilizadas duas barras que distribuem o peso do carregamento.
ESTABILIZANDO A CARGA
Caixas quadradas geralmente não tem um bom comportamento em voo e apresentam tendência de girar. Uma biruta pode ser utilizada para estabilizar o voo deste tipo de carga. Prender a biruta e uma barra horizontal pode melhorar a estabilização.
Estruturas como toras de madeira e postes também voam muito mal, sendo o problema reduzido quando se adapta um tipo de cauda à carga. Um pedaço de galho com folhas pode funcionar nesse tipo de estabilização.
REDES DE CARGA
Praticamente tudo pode ser transportado dentro de uma rede. O peso da carga deve estar bem distribuído, da maneira mais simétrica possível. Uma rede com uma lona cobrindo os objetos transportados evita que haja o espalhamento e queda de pequenos objetos. Uma rede feita com cabos de aço deve ser utilizada para o carregamento de materiais pesados ou para itens pontiagudos que podem danificar uma rede de nylon.
CUIDADO COM AERODINÂMICA
Antes de qualquer operação que envolva o transporte de grandes cargas externas, pilotos de helicóptero não familiarizados com a atividade devem avaliar cuidadosamente se o tipo e forma de material a ser transportado pode desenvolver um comportamento “aerodinâmico” indesejável em voo.
– folhas de materiais de construção – placas metálicas e assim por diante;
– tubos e manilhas de cimento ou concreto;
– pequenos barcos;
– automóveis;
– aeronaves danificada;
– piscinas de fibra de vidro;
– entre outros.
Se alguma dessas cargas realmente tiver que ser aerotransportada, deve-se considerar a utilização de algum tipo de biruta ou cauda – conforme citado em um dos tópicos anteriores visando a estabilização da carga.
DECOLAGEM SUAVE
A operação para a retirada da carga do solo exige que isso seja feita de modo muito suave. O piloto fica geralmente impedido de enxergar todo o conjunto do cabo com a carga e não consegue acompanhar a saída do solo. Dessa maneira, uma subida muito rápida, súbita, pode ocasionar um rolamento dinâmico e consequente descontrole do helicóptero. Durante a operação, em qualquer momento que for observado o afrouxamento do cabo (como quando uma cesta é afundada na água, por exemplo) pode ocorrer do cabo ficar preso sobre os esquis da aeronave.
Bibliografia: Whyte, Greg. Fatal Traps for Helicopter Pilots. New Zealand: Reed Publishing, 2003.
Texto traduzido e adaptado do original pela Seção de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos do Quinto Esquadrão do Oitavo Grupo de Aviação (5°/8°GAV). Cap Av Fernando: [email protected] ou 3220-3563. Texto publicado no Boletim Informativo de Segurança Operacional.
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