Jean Gabriel Charrier
(Aeromagia.net)

Você toma decisões todos os dias. Desde que acorda, você deve decidir como vai se vestir, como vai organizar seu dia, etc. Essas decisões ocorrem naturalmente, sem pressões, porque elas não trazem riscos. No máximo, você se arrisca a passar calor com uma roupa que não escolheu direito, ou então pode perder 5 minutos fazendo um caminho maior na ida para o trabalho.

A questão do risco é que efetivamente faz com que as decisões a serem tomadas na condição de piloto não tenham nada a ver com o que você decide no dia a dia. Não se trata de critérios de conforto ou de eficácia, mas da sua própria segurança, sua integridade física.

Ora, um mau julgamento está na origem da maioria dos acidentes. Eis o que conclui o órgão responsável pela segurança área francesa (BEA): “Os erros de julgamento que conduzem os pilotos à tomar más decisões constituem uma grande parte das CAUSAS dos acidentes. Ajudar o piloto a tomar decisões pertinentes é portanto crucial para a segurança dos voos.”

UM PROCESSO MENTAL

A tomada de decisão por parte de um piloto é um processo mental que consiste em escolher as ações mais adequadas diante de uma situação determinada. Ela compreende 4 etapas, a seguir exemplificadas:

Você planejou fazer um voo de navegação hoje, mas o teto está baixo e a visibilidade medíocre.

1 – Você identifica o problema: É razoável partir nessas condições?

2 – Você analisa as diferentes opções: É manhã de verão, as nuvens baixas podem subir e se transformar em cumulus. Você pode esperar a visibilidade melhorar, ou então fazer um voo visual por contato, seguindo o curso de um rio que passa logo adiante, na região.

3 – Você escolhe uma opção. E decide exatamente pela segunda alternativa, partindo sem esperar mais. Não há senão 5 ou 6 km de visibilidade, você não está muito animado com essas condições, mas, se seguir visualmente o rio você imagina que poderá manter a navegação sob controle.

4 – Você aplica essa opção, verifica as possibilidades, e dá partida ao processo. Após a decolagem, você toma o rumo, e, como previsto, após 3 minutos de voo, você percebe o rio que se aproxima logo adiante. Você faz uma curva para segui-lo, e logo o sol fica bem à sua frente. A visibilidade não é mais a mesma, você enxerga apenas o reflexo do rio, e decide fazer meia-volta. Você tomou uma primeira decisão que se mostrou ruim tendo em vista seu grau de experiência, mas reagiu perfeitamente tomando uma segunda decisão rapidamente: efetuar meia volta para evitar uma situação desconfortável, com riscos inúteis.

O FILTRO DO SEU JULGAMENTO

O “julgamento’ é a conclusão de um raciocínio que você utilizou com fins de decidir algo. Ele é baseado em uma avaliação de fatos. Sua objetividade pode ser falseada por emoções. Quanto mais você for racional na sua análise, menos sua avaliação será influenciada por emoções (ex: stress) ou motivações particulares (ex: pressão exterior). A qualidade do seu julgamento vai depender da sua experiência, das suas capacidades, da sua motivação.

A QUALIDADE DAS SUAS DECISÕES

A qualidade das suas decisões vai depender dos seus recursos no momento, e da maneira com que os administra.

Atenção: uma só causa, em apenas uma categoria de recursos, poderá te conduzir a tomar uma má decisão. Sobre essa questão, o essencial é:

1) Seus recursos pessoais: seu comprometimento durante a preparação do voo, ou durante o próprio voo, é o primeiro ‘filtro’ – são recursos pessoais. A somatória de todos seus recursos que lhe são próprios irão condicionar seu engajamento e portanto a qualidade de suas decisões.

Entre esses recursos “pessoais”, suas intenções decorrem da pressão exterior e de outros fatores aos quais deve-se ficar atento. O stress, se existe, irá degradar suas capacidades. Se você quiser voar a todo custo (intenção) quando as condições não forem ideais (adicionando stress), a qualidade do seu ‘compromisso’ com a qualidade do voo será medíocre.

Intenções (querer agir) + Stress (poder agir) = Compromisso com o voo

Você prometeu a seus amigos de levá-los para voar, eles estão esperando, e as condições climáticas não são lá muito “terríveis”: apenas vento forte de través – embora você não seja muito bom em voar assim. Você decide decolar, sob a pressão do momento, enquanto numa situação normal você ficaria no solo. Uma vez em voo você não está à vontade, e começa a se estressar pensando em como será o pouso – e você tem razão, porque suas capacidades de pilotagem não estão à altura da situação.

2) Suas competências não-técnicas: A gestão dos riscos do ambiente que lhe cerca.

Essas competências são estreitamente ligadas à sua consciência situacional, que por sua vez irá condicionar a qualidade da sua percepção e análise. Um exemplo disso é quando, no volante do seu carro, você diminui a velocidade ao perceber um garoto jogando bola perto da rua.

Comprometimento + Experiência + Análise = Consciência Situacional

Você decide sobrevoar uma grande região montanhosa, e no momento em que decola você não sabe que há um vento de 20 kt na crista das elevações. Assim, seu sobrevoo das montanhas corre o risco de se tornar algo bem “esportivo”, talvez até mesmo perigoso.

Você está fazendo um voo local com seu planador e aproveita para ficar observando uma chuva que se aproxima. Então o vento muda de direção sem que você perceba, e ao final do voo você se aproxima para o pouso com uma dezena de nós a mais de vento de cauda.

É a partir da sua consciência situacional que você irá pesar, julgar e finalmente decidir.

3) Suas competências técnicas: A máquina.

De qualquer forma, uma vez tomada a decisão (ou então na ausência de decisão) o que fará pender a balança é o nível de sua competência técnica, seja no caso de você ser capaz de dominar a situação, seja no caso da situação extrapolar você. Tenha 50 ou 500 horas de voo, todas as decisões deverão ser pesadas em função do nível de suas competências técnicas. Não queira resolver fazendo o que não sabe. Pense nisso antes!

A CAIXA PRETA DO PILOTO

Esses recursos portanto se interligam todos entre si antes de ocasionar uma tomada de decisão que será a origem do seu “julgamento”.

Um encontro de aviões está previsto para um local onde as condições meteorológicas estão ruins. Os aviões devem chegam cada um de direções diferentes. Alguns partem para lá, outros decidem esperar, outros, já em voo, refazem o trajeto, outros chegam ao destino, e outros se colocam em apuros. Qual terá sido o julgamento de cada um?

Durante um campeonato de voo à vela em uma região de morros, as condições de voo não são excelentes e chega um momento em que os competidores devem decidir se continuam um trajeto retilíneo, mas que passa dentro de um vale pouco acolhedor e que não dará opção de retorno, ou se aumentam ou pouco o trajeto e passam por uma região mais “adequada” e menos inóspita. Muitos pilotos, apesar dos riscos, decidirão prosseguir no caminho mais direto.

Consciência situacional + Julgamento = Decisão

Nesses exemplos característicos, numerosas decisões foram tomadas. Algumas foram guiadas pela prudência, outras pela ignorância ou pela falta de experiência, outras ainda pela pressão externa. E às vezes você estará diante de situações onde as decisões não serão tão fortemente evidentes. Então, não esqueça alguns conhecimentos básicos sobre o ser humano, como por exemplo o fato de que temos sempre tendência a subestimar os riscos, e que, sobretudo, você como piloto desportivo voa por lazer, e não por obrigação.

O QUE DEVEMOS MEMORIZAR:

1. Todas suas ações são condicionadas por suas decisões.

2. É frequentemente a combinação de pequenas falhas que desencadeia más decisões.

3. Sua consciência situacional, que melhora com a experiência, é o fator chave de suas decisões.

4. A tomada de decisão de um piloto é um processo mental que consiste em escolher ações mais adequadas em face de uma determinada situação.

5. Tomar uma decisão é um processo de quatro etapas: definição do problema, analisar as opções, escolher uma, verificar sua adequação, e reiniciar o processo: análise do problema, etc…

6. Seu comprometimento pessoal significa suas intenções e suas emoções que influenciarão sobre a qualidade de suas decisões.


Artigo de Jean Gabriel Charrier, coordenador do site mentalpilote.com, que além de ser piloto de planador, de acrobacia e de linha aérea na França, também se graduou em Fatores Humanos na aviação, nos padrões da OACI.

Fonte e Tradução: Aeromagia.net