José Moreira da SILVA JUNIOR
1º Tenente PM, Piloto Policial de Helicóptero, atualmente trabalha como Chefe Setor Caminhões Tanque Abastecedores do GRPAe

Em um artigo foi perguntado ao nefrologista Oscar Pavão, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, sobre o que aconteceria a um paciente que tem uma obstrução na qual os rins ficaram com função zero. Ele diz que “nesse caso, o paciente pode ficar nessa situação por cerca de 72 horas. Após três ou quatro dias deve passar por complicações sérias, que podem levar à morte”.

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Uso esta analogia para figurar o quanto é importante o sistema de filtragem! Na aviação não é diferente, assim como os rins para os seres humanos, o elemento monitor (filtro) é um dos mais importantes mecanismos de segurança da aviação, já que é responsável por reter impurezas sólidas e a água, resultantes da contaminação pelo ar atmosférico, o que vai afetar enormemente a sua função de combustão, atrapalhando o funcionamento do motor, podendo até danificar as peças do veículo aéreo, além de causar graves acidentes.

A realização de testes como “limpidez e brilho”, “teste água livre”, entre outros, permite ao piloto e ao mecânico verificar o nível de contaminação e o grau de pureza do combustível.

Os sistemas de filtragem entram em ação tanto no momento do abastecimento das aeronaves, por meio dos caminhões tanques abastecedores (CTA), como dentro da aeronave por meio do seu sistema de filtragem interno.

O Grupamento de Radiopatrulha Aérea “João Negrão” (GRPAe) atua no apoio aéreo às operações e ocorrências policiais de grande vulto, em acidentes que exigem a rápida remoção de vítimas, transportes aeromédicos e de órgãos para transplantes, resgates, em transporte de autoridades, em missões ambientais e outras ações correlatas em todo o Estado de São Paulo. Para isso utiliza helicópteros AS-350 “Esquilo”, EC135, AW109 e avião King-Air B200GT, os quais, para aplicação em ações que exijam o transporte de tripulação completa, acarretam a necessidade de redução da quantidade de combustível na aeronave, face às limitações de peso para decolagem.

José Moreira da SILVA JUNIOR         1º Tenente PM, Piloto Policial de Helicóptero, atualmente trabalha como Chefe Setor Caminhões Tanque Abastecedores do GRPAe.

Destarte, faz-se necessário o apoio terrestre com CTA, em especial em ações e operações distantes de postos de abastecimentos e em qualquer tipo de localidade e terreno, a fim de que a aeronave permaneça constantemente disponível para o emprego operacional.

O GRPAe possui hoje uma frota de 10 (dez) CTA que estão distribuídos de maneira estratégica nas bases operacionais no interior de São Paulo, para que sejam cumpridas todas as missões e operações planejadas, atendendo os mais de 45 milhões de habitantes do Estado.

O Caminhão Tanque Abastecedor é um veículo constituído de tanque sobre chassi, carretéis de mangueira e sistemas de bombeamento, filtragem, medição e controles, destinado a transportar combustível do parque de abastecimento de aeronaves (PAA) até a aeronave e efetuar seu abastecimento.

Por isso, o treinamento, capacitação, controle de qualidade de combustível, entre outros, colaboram sobremaneira para a segurança dos aeronavegantes, eliminando potencialmente o risco de causar um incidente ou um acidente aéreo.

Utilizamos em nossa frota o elemento monitor qualificado nos testes pelo Instituto de Energia Internacional (EI 1583 testes laboratoriais e níveis mínimos de desempenho para filtros monitores de combustível de aviação, 6ª edição), assegurando ainda mais nossa operação.

Os elementos monitores de água retiram os níveis prejudiciais de água livre e em emulsão do querosene de aviação, absorvendo a água filtrada. A água é fixada por reação química com o material no interior do elemento filtrante, bloqueando o fluxo de combustível contaminado com água, evitando que passe pelo filtro.

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Os contaminantes sólidos são removidos pelas duas camadas filtrantes do elemento, já a água absorvida é quimicamente bloqueada. Quando se alcança a capacidade de retenção, o filtro se dilata causando um aumento na pressão diferencial que sinaliza ao operador para a troca do elemento (EI 1583).

A filtragem que ocorre fora da aeronave é essencial para assegurar que o combustível seja puro o suficiente antes de ser inserido no tanque da aeronave. Esse sistema de filtragem permite que a realização de um rápido teste de pureza para confirmar se não há contaminação nem por água e nem por materiais particulados para, só assim, ser liberado para o abastecimento.

Dois cuidados são essenciais para garantir o grau de pureza necessário do combustível com o qual a aeronave está sendo abastecida: o  laudo de qualidade, emitido pela empresa de abastecimento, e o teste de pureza, que confirma em alguns minutos antes do início do processo que o combustível não está contaminado nem por água e nem por materiais particulados.

Por isso, é importante se certificar que todas as etapas do abastecimento de aeronaves estão sendo feitas da forma adequada, desde a escolha da empresa abastecedora, até a qualidade das Unidades de Abastecimento de Aeronaves escolhidas.

O SIPAER (Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) em sua divulgação operacional  nº 010/14 – “Caminhão tanque abastecedor de operadores aeropoliciais” – trata, em especial, da contaminação de combustível em uma aeronave AS-350 B2, que demandou uma rápida resposta do piloto, realizando a autorrotação com pouso corrido saindo todos seus ocupantes ilesos; já a aeronave teve danos substanciais por consequência do impacto com solo. Foram encontradas, durante as pesquisas, a presença de uma substância de coloração marrom-claro no elemento de filtro de combustível da célula de aeronave, bem como na amostra do combustível coletado no tanque do helicóptero e também no filtro do sistema de abastecimento do caminhão tanque abastecedor.

Posteriormente em uma desmontagem do motor e análise dos seus componentes, verificou-se que a bomba de alta, acoplada à FCU (Fuel Control Unit- Unidade de Controle de Combustível) encontrava-se emperrada e todo sistema de combustível do motor estava contaminado com resíduos de coloração marrom, de consistência viscosa e aderente.

Dentre as causas citadas na referida divulgação operacional, está a não observância do diferencial de pressão e até o desconhecimento ou falta de familiarização do parâmetro por parte dos operadores, que indica com a redução da vazão uma possível contaminação já do elemento monitor do CTA.

Para se evitar essa exposição, é de extrema importância que os CTA estejam com o manômetro de diferencial de pressão (DP) instalados, e não só isso, que seus operadores sejam capacitados com treinamento que permita mitigar as contaminações dos combustíveis recebidos e abastecidos, realizando o referido teste.

Um ponto importante sobre o DP é que não se faz a simples leitura do número apresentado no manômetro. Para que o operador tenha a aferição correta deve-se levar o número obtido ao gráfico, e verificar se a curva de substituição por redução de vazão não tenha sido excedida.

Ex: Um filtro monitor de 180 LPM (litros por minuto) operando a 90 LPM (50%), caso o DP for inferior a 6,5 psi mantenha o elemento.  Substitua o elemento se a leitura do DP exceder 6,5 psi ou o tempo de uso seja superior a 1 ano.

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Logo, a simples leitura no mesmo exemplo, sem considerar o gráfico e a vazão, em que o operador aguarda a leitura no manômetro em 15 psi, o momento da substituição do elemento já ocorreu há muito tempo e toda operação já está em risco. A água pode estar presente no combustível de algumas formas: dissolvida, entranhada ou, ainda, em suspensão. Sendo que em suspensão ou entranhada, ela pode ser observada a olho nu.

Altas concentrações de água dão ao combustível uma aparência nublada e, quando em gotículas, finamente divididas, refletem a luz; com baixa transparência. As partículas entranhadas poderão unir-se, formando gotículas de água livre. O combustível poderá estar nublado por inúmeras razões. Se o combustível estiver nublado e a “nuvem” desaparecer na parte inferior, indica presença de ar; se a “nuvem” desaparece na parte superior, indica presença de água.

Caso haja uma excessiva quantidade de água, ela poderá causar a parada do motor e se a água livre for salina, poderá causar ainda corrosão nos componentes do sistema de combustível fazendo com que os níveis de manutenção sejam aumentados.

Visualmente podemos detectar a contaminação grosseira, aquela que não necessita de técnicas ou outro método químico, mas não se engane, o combustível perfeitamente claro, poderá conter três vezes o volume de água, considerado tolerável. Vários métodos para verificação de água têm sido desenvolvidos pelas distribuidoras de combustíveis, como Hidro Kit, Metrocador Kit, Aqua-Glo Kit, Kit Detector de Água Shell. Este último, por exemplo, indica a presença de água em suspensão no Jet Fuel por mudanças de cor de papel sensível à água através do qual o combustível foi aspirado. Uma mudança distinta de cor é obtida, dando indicação positiva de contaminação por água.

O dreno de combustível, com objetivo de identificação de contaminantes deve ser realizado antes da movimentação da aeronave ou CTA, para se obter uma amostra confiável já no pré voo, sendo que os drenos decantadores deverão estar no ponto mais baixo no tanque de combustível.

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Ainda há uma possibilidade de que a água não seja drenada ou detectada se os decantadores forem drenados, enquanto o combustível estiver a uma temperatura abaixo de 0° C. Alguns fabricantes recomendam em seus manuais que a drenagem será mais efetiva se for feita depois do combustível ter ficado em repouso por um período de tempo durante o qual a água possa precipitar-se e alojar-se no ponto de dreno, sugerindo então que a aeronave seja abastecida horas antes do próximo voo.

Por fim, a análise desta operação revela ao observador que esta é influenciada por um grande número de fatores. Entre estes fatores, podem ser citados: o treinamento dos operadores, a vazão das bombas, a quantidade e a capacidade dos compartimentos, os procedimentos operacionais, a qualidade do sistema de abastecimento, o comprometimento da instituição com o assunto, entre outros. Além disso, muitas vezes não é clara a relação entre cada um destes fatores e a operação em si, por isso capacitem os operadores e atualizem os sistemas de abastecimento, não negligencie!  Qual “preço” você está disposto a pagar?

Fonte: Revista “O Águia” – 4ª Edição