CÁSSIA APARECIDA QUEIRÓZ FONSECA

25 de dezembro de 2010. Mais um dia de serviço operacional no Graer. Por volta das 11h, a sirene do quartel dispara e, junto com ela, nossa atenção: a tela da nossa Central de Operações e uma comunicação de apoio do Corpo de Bombeiros evidenciavam um incêndio num prédio na Baixa de Sapateiros, o qual, tomando grandes proporções, impedia que onze pessoas saíssem das instalações. Todas se encontravam no telhado sem condições de abandonar o local.

Naquele instante, todo o efetivo do Graer imbuiu-se das tarefas necessárias para início do socorro solicitado, cada homem com sua missão. Em minutos, tripulação embarcada, a aeronave já acionada e pronta para decolagem, há indicação de pane no filtro de combustível. O afã de atender a ocorrência com máxima agilidade e a checagem repetida sobre a veracidade da citada pane se mesclam na cabine, tornando o clima ainda mais tenso. Contudo, em aproximadamente cinco minutos, a presteza e técnica do mecânico sargento PM Sena já nos permitia uma decolagem segura.

Durante o percurso, toda a tripulação já discutia o planejamento da ação, colhia dados através de várias comunicações, considerava as variáveis presentes e as hipóteses que só se confirmariam mesmo com a chegada no local. Acompanhávamos as informações pelo canal do Bombeiro, atendíamos aos contatos da Centel, do major PM Muniz e as ligações do coordenador, já verificando que se tratava de uma ocorrência grave, na qual os bombeiros não estavam conseguindo conter o fogo e as pessoas no telhado estavam em desespero.

Chegando ao local, constatamos que o cenário não era o que já imaginávamos, era pior: onze pessoas no telhado, fogo intenso e já no penúltimo andar, outras edificações próximas, vento turbilhonado etc. Feita a avaliação, decidimos pelo que já tínhamos brifado durante o deslocamento: descida no rappel e extração com utilização do sling com a condução para o estacionamento do terraço do Shopping Baixa dos Sapateiros, o qual estava na nossa proa e mais próximo, evitando manobras e ganhando rapidez. Essa era nossa melhor opção. Alertamos o sargento PM Ivan quanto ao cuidado e gerenciamento na laje, pois as pessoas estavam desesperadas.

Tudo pronto, iniciamos a operação. Desce o sargento PM Ivan no rappel, e no momento em que a corda toca o telhado, as vítimas correm e se agarram a ela, necessitando do citado tripulante a administração rápida, mas incisiva, dessa situação conturbada. Recolhemos a corda e, para diminuir o barulho, fizemos um giro para que Ivan organizasse as vítimas para a extração. Aeronave no ponto, lançamos o sling. A posição não era confortável: estava próximo à torre do tanque da edificação, a laje era relativamente pequena e quando deslocávamos tínhamos que subir muito para nos livrarmos dos obstáculos.

Durante a operação, os bombeiros conseguiram retirar seis pessoas de uma só vez, com o uso da cesta da escada, e também colocar uma mangueira na laje objetivando resfriá-la, um pouco, pelas próprias vítimas. Na segunda vez, não foi mais possível aproximar a cesta, pois as chamas já tinham alcançado o último andar e chegavam ao telhado.

Na nossa atuação, retiramos uma criança, duas mulheres e um homem, mais ainda restava uma vítima. Foi o momento mais crítico. O espaço sem chamas estava mais reduzido, a vítima se desfazia dos seus pertences e demonstrava a intenção de pular. A fumaça era intensa, mas conseguimos nos aproximar. O tripulante agarrou a vítima, colocando-a no sling e retirando-a rapidamente do telhado, pois foi o momento exato em que as chamas tomaram todo o local, o que nos trouxe demasiada tensão haja vista que, em alguns momentos, sequer enxergávamos o tripulante na laje envolto pelo fogo e pela fumaça. Enfim, cinco vidas pousadas incólumes, sentimento de dever cumprido, e retornamos para nossa base.

Várias congratulações recebidas, marcantes foram as palavras do nosso comandante: “…gerenciamento da cabine, planejamento, segurança firmada, decisão de fazer, controle absoluto do cenário…efetiva comunicação, ação e por fim resultado…tropa retada, dá gosto de fazer parte…parabéns!”. Naquele dia, atuamos em perfeita sintonia, cada um ciente do seu papel e todos agindo numa engrenagem harmônica de agilidade e eficiência. Verdadeiro senso de equipe, não há como concluir o contrário: atuamos, como um só, como partes de um todo bem integrado, coesos e indissociáveis, naquele dia memorável.

Era dia de festa em todos os lares, dia de presente de Natal!

Presente: aquilo que se dá a alguém em ocasiões especiais.

Natal: sinônimo de nascimento e renovação.

Aquela tripulação recebia, pois, seu presente de Natal ao sentir a satisfação indescritível de ter feito não só uma obrigação e um cumprimento do dever: o contentamento com o êxito da missão nos revestiu a alma, refrescando-a na sua essência, como se quisesse compensar simbolicamente o fogo expresso em toda sua magnitude naquela ocorrência.

Naquele dia, a tripulação empregada mantinha o habitual senso de responsabilidade comum a todo efetivo desta unidade escalado em dia útil ou feriado, mesmo com a ciência de que naquela data, em especial, não estaríamos em nossos lares para a universal confraternização de almoço de Natal com nossos familiares, ou para testemunharmos a alegria estampada nos rostos dos nossos filhos na abertura dos presentes de Noel.

E, para nossa grata surpresa, vivenciamos que nossos presentes também estavam à nossa espera, não sob uma árvore iluminada numa sala de estar, mas dentro da nossa própria OPM. Cinco vidas salvas, e salvas em condições de alto risco. Eis que nosso PRESENTE DE NATAL não desceu por uma chaminé, mas, ironicamente, bem perto do fogo, aqueceu nossos corações: há melhor PRESENTE que este para um verdadeiro Natal?

Enternecidamente, agradecemos ao Sr. Noel!

Confira o vídeo do resgate:


Autora: Cássia Aparecida Queiróz Fonseca é capitã da Policia Militar da Bahia, bacharela em Psicologia pela Ufba, coordenadora do Núcleo de Formação de Soldados da 52ª CIPM.

Fonte: Texto publicado originalmente no site A Queima Roupa.