FADIGA IV: A fadiga na aviação
10 de dezembro de 2016 5min de leitura
Major PM OSCAR FERREIRA DO CARMO
Grupamento de Radiopatrulha Aérea/PMESP
A façanha de Charles Lindbergh ao cruzar o Atlântico em 33 horas de voo ininterruptas deixaram lições importantes sobre limites. Emblemáticos são seus relatos: “[…] meus olhos se fecham […] nenhum esforço mental […] pode mantê-los abertos […] tenho que encontrar alguma maneira de permanecer alerta […] não há nenhuma alternativa, senão a morte e o colapso”. (Gawron, French,1998, citado em Sampaio, 2010).
A fadiga de voo afeta a autocrítica do piloto, pois sua capacidade mental fica deteriorada, com propensão a erros (Leimann, 1990, citado em Sampaio, 2010).
Algumas atividades profissionais obrigam o indivíduo a prolongar sua vigília além do normal. Na aviação isso se deve à falta de pessoal especializado, às várias etapas de voo, aos atrasos, à necessidade da missão e às atividades imprescindíveis de planejamento de voo e de manutenção aeronáutica entre outros motivos.
Nas operações aéreas, tanto civis quanto militares, figuram como aspectos comuns a imprevisibilidade das horas de trabalho, períodos longos de serviço, interrupções dos ritmos circadianos e a insuficiência de sono, compõem parte das causas da fadiga do piloto, tornando-a um problema significativo da aviação moderna (Caldwell et al., 2009).
Kanashiro (2005) menciona situações comuns em missões aéreas e próprias dos pilotos, tanto operacionais quanto individuais, que podem ser geradoras de fadiga.
A aviação de asas rotativas e seus efeitos sobre o piloto
Cruz (2005) trata da fadiga operacional e suas possíveis causas nos pilotos de helicópteros. Considera que são importantes na constituição da fadiga do piloto os efeitos das vibrações e dos ruídos nos sentidos, na desorientação espacial e na coluna vertebral após horas de voo.
Variando de 3 a 60 Hz a frequência produzida pelas vibrações dos helicópteros pode entrar em ressonância com as frequências naturais do corpo humano, por exemplo, do crânio (de 17 a 25 Hz), da coluna vertebral (de 11 a 15 Hz) e dos olhos (de 25 a 40 Hz). As consequências podem ser dores de cabeça, zumbidos, mal-estar, sensação de torpor, de fraqueza geral, irritabilidade, redução da vontade, da concentração e dos reflexos, depressão e fadiga. (Cruz, 2005).
Segundo Cruz (2005) os helicópteros produzem ruídos de 80 db , tão fatigantes quanto da vibração. Existe uma relação entre a fadiga, a intensidade e o tempo de estimulação, particularmente, após os 60 dB. A exposição constante pode provocar a surdez, porque o piloto tende a se adaptar, aumentando o limiar da percepção acústica. Além disso, o ruído pode afetar o sistema nervoso central (SNC), o sistema circulatório e os aparelhos respiratório e digestivo, agravando a fadiga.
A desorientação espacial pode prejudicar o piloto e induzir a erros. A avaliação sensorial entra em conflito com as informações dos instrumentos. O voo noturno e por instrumento são mais suscetíveis a esse fenômeno. Nos helicópteros ocorrem mais quando a baixa velocidade e altura ou próximo à água (Cruz, 2005).
Características da aviação na segurança pública e defesa civil
Em muitos países industrializados, profissionais de segurança pública estão excessivamente desgastados por causa de longas e irregulares horas de trabalho, turnos de serviço e sono insuficiente. Esses fatores provavelmente contribuem para níveis elevados de morbidade e mortalidade, desordens psicológicas e problemas familiares (Vila & Samuels, 2011).
Os prejuízos para o desempenho e tomada de decisão, relacionados à fadiga, podem gerar custos imprevistos, tanto sociais como econômicos, tendo em vista a interferência em situações delicadas, os riscos e as potenciais consequências das ações (Vila & Samuels, 2011).
As conclusões de um estudo com policiais italianos indicam que o trabalho em turnos e a maior idade favorecem os distúrbios do sono e os acidentes, além disso, as condições estressantes do trabalho faz que subestimem ou superem a sonolência instalada. (Gabarino et al., 2002). Continua Gabarino et al.(2002, p. 642), “o trabalho em turnos frequentemente tem um impacto negativo na saúde e qualidade de vida”.
O Dr. William C. Dement, especialista em medicina do sono, expôs que: ‘o trabalho policial é a profissão que nós gostaríamos que todos os profissionais tivessem um sono adequado e saudável para desempenhar suas funções com altos níveis de alerta.
Não só a fadiga pode ser associada ao sofrimento individual, mas também pode levar a um comportamento contraproducente. É bem conhecido que explosões de impulsividade, agressão, irritabilidade, raiva e estão associados com a privação de sono’ (Vila & Samuels, 2011, p. 800, tradução nossa).
As missões aéreas tendem a pressionar o piloto a acelerar procedimentos de partida, decolagem e navegação aérea, rumando para ambientes e condições, às vezes, desconhecidas. E quando no local da ocorrência, muitas vezes, o piloto deve manobrar evasivamente para se proteger ou usar de manobras invasivas, pousando entremeio a inúmeros obstáculos nas urgências.
O sobrevoo prolongado à baixa altura, próximo a obstáculos, pode causar um declínio na vigilância, representado por um número maior de correção de erros e aumento no tempo resposta. Isso somado a estressores do ambiente (calor, frio, ruído, vibração, desaceleração etc.) pode reduzir a eficácia da missão (Krueger, 1991 citado em Sampaio, 2010).
Pilotos de helicóptero de segurança pública e defesa civil executam missões perigosas, tais como exfiltrações de acidentados em esportes radicais (paraglider, rappel, alpinismo etc.), resgates aeromédicos com pousos restritos em ruas e avenidas, perseguições a criminosos armados. Os erros de omissão, perda de eficiência e segurança, correções retardadas dos comandos tendem a aumentar o risco de acidentes e incidentes.
O voo em circunstâncias anormais, como em procedimentos em emergências ou de uso de manobras evasivas em ocorrências, pode ser comprometido e ter consequências desastrosas se estiverem combinadas com as deficiências citadas – erros de omissão e a perda de eficiência e segurança.
Proceder ao voo ou missão, sentindo indicativos de fadiga, pode dificultar a recuperação de uma aeronave em emergência (Rosenkind, Neri, Dinges, 1997 citado em Sampaio, 2010).
As missões de segurança pública e defesa civil são caracterizadas por demandas curtas com várias etapas (aeromédico) ou de atendimentos múltiplos no mesmo voo (ocorrências policiais), ambos com mudanças constantes de situação e ambiente.
Segundo Lima (1999, citado em Sampaio, 2010) pode ocorrer que a sobrecarga de trabalho cause mais impacto que a duração da jornada.
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