Major PM OSCAR FERREIRA DO CARMO
Grupamento de Radiopatrulha Aérea/PMESP

O SONO

Parece que a falta de sono exerce uma influência importante no surgimento da fadiga, apesar de serem fenômenos distintos (Balkin, 2011).

Existe uma convicção generalizada de que o tempo de sono pode ser cambiável para aumentar a quantidade de tempo disponível para atividades em um estilo de vida agitado. A ciência esclarece que o sono não é uma mercadoria negociável (ICAO, 2011).

fadiga31O sono é uma das mais básicas necessidades humanas. O funcionamento do cérebro acordado e a capacidade comportamental dependem dele em qualidade e quantidade adequadas. O sono pode ser interrompido, não só por processos patológicos, mas também pelo estilo de vida de uma pessoa e por exigências da sociedade. As consequências da interrupção do sono para o indivíduo e para a sociedade podem ser graves, mas reconhecer esse fato ainda é um desafio (Walsh, Dement, & Dinges, 2011).

A alternância da vigília com o sono influência todas as funções do cérebro e do organismo em geral. O sono reinstala ou restaura as condições existentes no princípio da vigília (Velluti, 1996).

Existem diversos estágios do sono, desde o superficial até o muito profundo. Uma constelação de parâmetros fisiológicos distinguem os dois estados: o sono de ondas lentas ou NREM (Non-Rapid Eyes Moviment) e o sono REM (Rapid Eyes Moviment) (Guyton & Hall, 1996).

Com a identificação do sono REM ou de movimento rápido dos olhos por Aserinsky e Kleitman, em 1953, foi possível desencadear uma série de pesquisas e a produção acadêmica teve um aumento notável (Velluti, 1996; Suchecki & D’almeida, 2008).

Durante uma noite de sono normal, o sono NREM e o sono REM se alternam ciclicamente. Esse ciclo dura em média de 90 a 110 minutos, mas com variações (Figura 1a). O hipnograma (Figura 1b) descreve esquematicamente o ciclo NREM/REM de uma noite inteira em um adulto jovem normal.

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Figura 1. Hipnograma de um sono normal (adaptação). Nota. No eixo vertical estão as fases, destacando-se a fase REM no topo e numeradas de 1 a 4, as mudanças dos estágios NREM. No eixo horizontal, as horas de registro. São demonstradas as ondas elétricas do eletroencefalograma (EEG), beta (β: > 13 Hertz) na vigília, ondas teta (θ: de 3 a 7 Hz) no estágio 1, fusos do sono e complexos K no estágio 2, ondas delta (δ: ≤ a 2 Hz) nos estágios 3 e 4, e volta a ser teta (θ: de 3 a 7 Hz), podendo inclusive haver ondas de ritmo alfa (α: de 8 a 13 Hz) no sono REM . Fonte: Pinto, L. R., Jr. & Silva, R. S. (2008). Polissonografia Normal e nos Principais Distúrbios do Sono. In: TUFIK, Sérgio (Org.). Medicina e Biologia do Sono (pp. 161-180). Barueri: Manole. Saladin, K. (2009). Anatomy & Physiology: The Unity of Form and Function (p. 540). (5a ed.). EUA: McGraw-Hill.

O sono real não é tão simplificado como no diagrama (Figura 1b), inclui mais despertares ou micro despertares (3 a 15 segundos), que são transições para o sono mais leve, mas sem fazer acordar por completo (Fernandes, 2006).

Diversos processos fisiológicos são realizados durante o sono, de modo que sua restrição pode provocar mudanças de humor, sonolência aumentada, fadiga, irritabilidade, dificuldade de concentração e desorientação. Dependendo do tempo de privação do sono, da carga de trabalho e de demandas visuais impostas, são relatadas distorções de percepção e alucinações, principalmente de natureza visual, em até 80% dos indivíduos normais. Além dos sintomas citados, a restrição de sono em longo prazo sugere risco de obesidade, problemas gastrointestinais (úlceras pépticas, indigestão, azia, flatulência, estômago embrulhado ou prisão de ventre), depressão e ansiedade, diabetes tipo 2, e doenças cardiovasculares (ICAO, 2011).

Outro problema que interfere no estado de alerta e no desempenho é a inércia do sono. Pode ser conceituada como: o comprometimento do desempenho cognitivo, o sentimento de desorientação, sonolência e a tendência de voltar a dormir experimentada logo após o despertar (GOEL; VAN DONGEN; DINGES, 2011).

Esse comprometimento normalmente dissipa-se em minutos depois de acordado, porém a maioria dos pesquisadores acredita que a variação seja de um a 35 minutos. O comprometimento parece ser maior ao ser acordado abruptamente do sono NREM, especialmente dos estágios mais profundos (CALDWELL; PRAZINKO; CALDWELL, 2002).

Operacionalmente, sob o argumento de que a inércia do sono prejudica os pilotos que são acordados de um cochilo ou sono rápido em voo, evita-se considerar que os benefícios desse cochilo, que, por sua vez, podem fazer uma grande diferença na mitigação da fadiga. A ICAO (2011) incentiva essa prática, entendendo que um cochilo de até 40 minutos melhora o alerta e mesmo porque dificilmente o piloto entraria em sono ondas lentas (estágios 3 e 4).

A VIGÍLIA PROLONGADA

A vigília prolongada associa-se à disfunção mental progressiva e tarefas comportamentais anormais do sistema nervoso. O pensamento mais lento e a irritabilidade ocorrem ao final de um período muito estendido mantendo-se acordado, podendo até mesmo, se forçada a vigília, ocorrer atitudes psicóticas (Guyton & Hall, 1996).

Estudos que comparam jornadas de 8 e 12 horas (Figura 2), mostram que o risco de acidentes chega a dobrar na 12ª hora (Folkard & Tucker, 2003).

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Figura 2. Risco relativo médio (adaptação). Nota. Fonte: Folkard, S., & Tucker, P. (2003). Shift work, safety and productivity. Occupational Medicine, 53, 95-101

Outros estudos comparam a vigília prolongada com os efeitos do álcool. Segundo Dawson e Reid (1997) 17 horas de vigília sustentada foi equivalente ao comprometimento observado em uma concentração de álcool no sangue de 5%.

Depois de manter 24 horas em vigília o comprometimento pela fadiga se equiparou ao déficit causado pela concentração de 10% de álcool no sangue (Figura 3).

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Figura 3. Comparação dos efeitos do álcool e vigília (adaptação). Nota. Fonte: Dawson, D., & Reid, K. (1997, julho) Fatigue, Alcohol and Performance Impairment. Nature, 388, 235.

Outro importante aspecto foi o estado de alerta e suas alterações em virtude do tempo acordado.

Longas jornadas em horários específicos podem aumentar o risco de acidentes, tendo em vista o declínio acentuado do estado de alerta (Belyavin & Spencer, 2004).


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