CARLOS BARBOSA
Piloto e Advogado
Membro da Comissão de Direito Aeronáutico da OAB/SP
Especialistas da ProPiloto.net

O juiz da 2ª Vara Federal de Cascavel/PR, Leonardo Bradbury, concedeu ao pai de um piloto acidentado fatalmente o direito de ter acesso a documentos colhidos e produzidos no curso da investigação do respectivo acidente, que ocorreu em 04 de janeiro de 2015, quando Vitor Augusto Gunha da Costa pilotava a aeronave experimental de matrícula PU-PEK, modelo Super Petrel LS.

Segundo a sentença, a Constituição Federal (art. 5º, XXXIII) e a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/11, art. 11) garantem que, em regra, o acesso à informação solicitada pelo cidadão deverá ser concedido imediatamente, salvo nas hipóteses de sigilo ou quando a informação não estiver disponível no momento, caso em que a solicitação deve ser atendida em no máximo 20 dias, prorrogáveis por mais 10.

O sigilo em investigações de acidentes e incidentes aeronáuticos

O assunto é polêmico e sempre estará em pauta na “pilotosfera”. Quando falamos em investigação de acidentes aeronáuticos, pela abrangência da matéria, há uma série de fatores e estudos que devemos considerar ao mesmo tempo. Contudo, este breve artigo não tem o condão de se aprofundar no tema, muito menos esgotá-lo. Pretendo apenas estimular o debate sobre a questão, que é tão controversa.

Estamos diante de uma verdadeira dicotomia entre a segurança de voo e o direito constitucional à informação e à ampla defesa.

A Lei nº 12.970/14 – que trata das investigações do SIPAER – tramitou durante sete anos no Legislativo, sob a mira de questionamentos no sentido de que protegeria supostos responsáveis pelo acidente aéreo. No entanto, a lei veio atender a um pedido de sigilo nas investigações de acidentes aéreos por parte do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), ao argumento de que as investigações da Aeronáutica têm como único objetivo a prevenção para que outros acidentes similares não aconteçam novamente, e não procurar culpados (ao contrário das investigações policiais), e que, para esse fim, informações coletadas pelo órgão, como de fontes voluntárias, não podem ser utilizadas em inquéritos.

Também, há previsão de que o relatório final apresenta recomendações que deverão ser empregadas unicamente em prol da segurança operacional da atividade aérea. Já falamos sobre isso aqui no blog. Veja: E se um piloto, vítima fatal de acidente aeronáutico, não estivesse contratado regularmente quando o acidente aconteceu? Comentários sobre desdobramentos do PR-AFA na Justiça do Trabalho

A intenção da lei é blindar detalhes da investigação para que não sejam usados por polícia ou Ministério Público em inquéritos ou ações criminais contra suspeitos de causar determinado acidente aéreo, já que a determinação de prevenir, em vez de punir, é uma máxima internacional exaustivamente recomendada pela Organização da Aviação Civil Internacional (OACI).

Com isso, o depoimento de alguém que tenha participado direta ou indiretamente de um acidente aéreo não poderá ser usado no Tribunal. Sem esse sigilo, é provável que o colaborador se sinta constrangido ou ameaçado e não ajude, deixando assim de fornecer importantes dados que certamente contribuiriam para a segurança de voo.

Foi o que aconteceu, por exemplo, em 2006, com o acidente envolvendo um Boeing da Gol e um jato Legacy da Embraer, vitimando fatalmente 154 pessoas. Na ocasião, alguns controladores de voo – que possivelmente tinham conhecimento dos fatos e que poderiam auxiliar de alguma forma – se recusaram a prestar informações com medo de sofrerem eventual retaliação ou qualquer espécie de punição.

Atualmente, caso alguma autoridade policial, o Ministério Público ou qualquer outro interessado queira ter acesso a documentos e dados em posse do CENIPA, um especialista auxiliará para prestar as informações necessárias. Caso o órgão não disponibilize essas informações, apenas uma decisão judicial garante o acesso às fontes, como já ocorria antes da vigência da lei, onde era preciso uma decisão da Justiça para que a polícia tivesse acesso à caixa-preta de aviões, já que a OACI recomenda que quaisquer dados coletados em voo só podem ser entregues após decisões judiciais.

Inconstitucionalidade do sigilo

Para Rodrigo Janot, procurador-geral da República, a restrição de acesso às investigações de acidentes aéreos no Brasil é inconstitucional. Com isso, recentemente propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5667) no Supremo Tribunal Federal (STF), alegando que a proibição legal prevista no CBA suprime o direito de defesa garantido pela Constituição, porque cria entraves ilegítimos ao princípio do devido processo legal, dificulta o direito de acesso à Justiça e à ampla defesa, que inclui a garantia ao contraditório, além de criar um entrave para que o Ministério Público cumpra seu papel.

“Proibir que investigação conduzida por órgão técnico da administração pública, como é o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), seja usada para fins judiciais equivale, em termos concretos, a denegar acesso ao Judiciário a órgãos e cidadãos com legítima expectativa de terem apreciados os litígios de seu legítimo interesse, amparado pela Constituição da República”, argumenta o procurador-geral.

A ação foi distribuída no STF em 07/03/2017, e está sob relatoria do Ministro Celso de Mello. Janot requereu uma medida cautelar (liminar) para que os artigos da Lei nº 12.970/14 questionados sejam imediatamente suspensos, entendendo que o perigo na demora processual pode continuar a impedir que o Ministério Público, a polícia criminal e os cidadãos vítimas e familiares de vítimas de acidentes aéreos exerçam sua prerrogativa constitucional de promover ação penal pública e de obter acesso à justiça.

A recente decisão da Justiça Federal de Cascavel/PR e suas implicações

A decisão da 2ª Vara Federal de Cascavel/PR é polêmica e gera um precedente inédito, já que o juiz sequer mencionou o CBA ou os artigos da Lei nº 12.970/14 que o alteraram, aplicando a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Acesso à Informação para condenar a União a garantir ao pai do jovem piloto acidentado acesso aos documentos produzidos pela investigação do CENIPA.

O processo é público e aguarda julgamento de recurso da União.

(Medida Cautelar de Exibição – Processo: 5001905-78.2016.4.04.7005 – 2ªVF Cascavel/PR)

http://www.jfpr.jus.br/

Artigo publicado originalmente no site ParaSerPiloto e autorizada sua publicação pelo autor no site Piloto Policial & Resgate Aeromédico.