DOA/PRF – 154 minutos de agonia
09 de agosto de 2010 7min de leitura
Dia 30 de Julho de 2010, a ponte elevatória sobre o Guaíba, que liga Porto Alegre/RS à região Sul do Rio Grande do Sul, apresentou um problema e permaneceu cerca de duas horas travada.
O problema no mecanismo da ponte provocou um congestionamento de aproximadamente oito quilômetros na BR-290, em cada sentido, e nove resgates de pessoas presas no congestionamento tiveram de ser feitos com o helicóptero da PRF.
Além de uma gestante que entrou em trabalho de parto, os policiais transportaram um paciente que precisava fazer hemodiálise e um ferido com traumatismo craniano que seguia para o hospital numa ambulância, entre outras pessoas.
O jornal “Zero Hora” reconstituiu os 154 minutos de aflição de quem foi afetado pelo estrago na ponte do Guaíba :
10:50
Vinte minutos depois de a ponte do Guaíba ser içada para a travessia de uma embarcação, um problema em uma peça da estrutura começaria a interferir no destino de centenas de pessoas. Compromissos interrompidos, consultas médicas adiadas e mais de 15 quilômetros de motoristas envolvidos no transtorno seriam o saldo. Nos 154 minutos seguintes, enfermos acabariam resgatados de helicóptero e levados de ambulância para hospitais da Capital. Uma gestante, que havia saído de Guaíba rumo à maternidade em Porto Alegre, seria o caso mais emblemático. Angélica Rebelo Silva Barbosa, 19 anos, havia passado a madrugada com dores e chamara o tio taxista, para levá-la ao hospital.
10:55
O taxista Paulo Rogério Campos Rebelo, 34 anos, para a dois quilômetros do vão móvel da ponte.
Vinte minutos antes, Paulo Rogério saía da casa de sua sobrinha Angélica, no bairro Colina, em Guaíba. Ela, grávida de 38 semanas, a irmã, Adair Barreto Rebelo, 47 anos, e o marido da gestante, Edson Souza Barbosa, 28 anos, embarcam no Palio branco rumo à maternidade em Porto Alegre. Vitória está para nascer.
Com dores, Angélica gela ao ver o engarrafamento. Paulo Rogério tenta acalmar os parentes, mas seu coração dispara ao cogitar ter de fazer o parto. Angélica se desespera. O bebê para de mexer. O relógio marca 11h40min, e a família segue no mesmo ponto da BR-116. O motorista consegue uma brecha e dirige cerca de um quilômetro pelo acostamento até avistar uma viatura da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Explica a agonia. A informação circula pela frequência dos rádios transmissores da polícia.
12:00
Os comandantes e pilotos do helicóptero Patrulha 10 da PRF Eleomar Liscano e Irineu Zimpel, ambos de 44 anos, ficam sabendo do caso e oferecem o resgate. O carro da polícia abre passagem para Paulo Rogério chegar com o táxi até o posto da PRF. Angélica e a mãe, Dona Adair, embarcam na aeronave modelo EC-120B, conhecida como Colibri. São conduzidas pelo operador de equipamentos especiais da PRF, Sérgio Motta, 41 anos. Observam que a avó do bebê une as mãos. Está nervosa e desata a rezar.
Assim como na ida, Liscano recebe autorização da torre de controle do aeroporto Salgado Filho para a decolagem em direção ao lado oposto da ponte. O trajeto não dura mais do que um minuto. As duas são entregues para os técnicos de enfermagem da Concepa.
12:15
O técnico em enfermagem e condutor socorrista da Unidade de Suporte Avançado (USA) da Concepa, Roberto Deves da Silva, 44 anos, desarma o esquema montado para realizar o parto de Angélica. Assim que soube da gestante trancada no sem-fim de carros do outro lado da ponte, Silva separou o kit parto. Lençol, tesoura e grampo para cordão umbilical a postos. Mas não seria mais preciso. A aeronave encosta no solo trazendo Angélica. Silva vai até o encontro da gestante, no km 95 da BR-290. Quer saber se a bolsa rompeu. Não, responde ela. Silva se tranquiliza. Dará tempo de chegar até o hospital.
Enquanto dezenas de profissionais se mobilizam para levar serenidade aos motoristas e se envolvem no resgate dos sete pacientes, um dos personagens centrais desta história está em uma realidade paralela. Com cinco tipos de ferramentas em punho, o operador da ponte se mantém isolado em uma casa de máquinas na parte inferior do vão móvel.
12:30
O operador da ponte Antonio Carlos Corrêa, 39 anos, segue enfurnado na casa de máquinas localizada no pé do pilar de sustentação da ponte. Desde que o mecanismo enguiçou, por volta das 11h10min, o funcionário da Concepa não tira os olhos da peça encrenqueira. Antonio está alheio a toda busca frenética por socorro médico. Não escuta barulho de helicóptero. Não calcula o tamanho do engarrafamento. Faz força para não pensar na revolta dos motoristas. O sol está forte. Antonio sua em busca da solução mais rápida e segura para liberar a ponte. Os cinco profissionais da equipe de engenharia da Concepa dariam o aval, por volta das 13h20min. Quatro minutos depois, a estrada estaria liberada. Alguns condutores têm a chance de abandonar o caos antes. Policias rodoviários federais retiram as estruturas de concreto que separam os dois sentidos da faixa e autorizam o retorno para Porto Alegre.
12:40
O motorista da empresa Expresso Rio Guaíba, João Divino Rocha de Azambuja, 34 anos, comunica a chefia sobre a possibilidade e é autorizado a retornar ao centro de Porto Alegre. Azambuja caminha até a roleta para consultar os cerca de 45 passageiros. Eles haviam deixado o ponto de ônibus às 10h30min. Cansados de esperar dentro do ônibus e entediados com a situação. Concordam em retornar. Inicia-se a manobra apertada de Azambuja, por entre os carros. A PRF auxilia. Dá tudo certo. Vão esperar a confusão se dissolver no ponto de ônibus, na Rua Chaves Barcelos. Do outro lado do Guaíba, a espera para ingressar no congestionamento poupou o motorista vindo de Pelotas do estresse de ficar trancado no asfalto, mas não evitou que compromissos fossem perdidos.
13:00
O funcionário público Daniel Denzer, 36 anos, retoma o trajeto que fazia desde Pelotas em um Corolla azul.
Ele e a secretária de Cidadania de Pelotas, Beth Marques Dias, haviam parado para almoçar no km 60 da BR-116, quando ficaram sabendo do problema com a ponte. Por volta das 12h50min, Denzer cruza com um amigo no restaurante e é orientado a tentar usar uma balsa para chegar a Porto Alegre. Concorda.
Beth se recupera de uma cirurgia na coluna. Tem consulta médica às 14h na Capital. Denzer não conhece o caminho alternativo. Segue o amigo. Já na estrada, por volta das 13h30min, fica sabendo que a passagem pela ponte está liberada. Desiste da balsa. Falta tempo. Beth perde o compromisso.
13:24
A ponte é liberada, e o ginecologista e obstetra Norberto Eli Milani De Rossi, 43 anos, segue de plantão no Hospital Presidente Vargas desde as 8h. Ele controla o centro obstétrico, no 10° andar, atende uma paciente e outra e conversa com os médicos residentes. Prepara-se para dar a primeira entrevista à imprensa sobre o caso inusitado que acabara de receber.
Por volta das 12h50min, examina Angélica, a jovem mamãe que ficou presa na ponte e desencadeou o processo de resgate de outros seis pacientes que precisavam chegar a hospitais na Capital. De Rossi ficou sabendo de todo o problema pela TV. Da janela do hospital, chegou a observar o congestionamento.
– Sabia apenas da existência de uma gestante que seria levada para algum hospital – conta o médico.
Na unidade de saúde, o drama se encerra. O nascimento de Vitória passa a ser tratado como um dos 10 mil partos já feitos por De Rossi. São 17 anos como médico plantonista dentro do mesmo hospital.
O trânsito só fluiu mesmo depois das 14h. Algumas vidas se desenrolaram antes, outras depois deste horário. Em meio à confusão, o taxista Paulo Rogério Campos Rebelo vibrava com o dever cumprido de fazer com que a sobrinha-neta nascesse em segurança. Já Edson, o pai de Vitória, só conseguiu atravessar a distância entre Guaíba e Porto Alegre à tardinha. Ele tomou um ônibus rumo ao Hospital Presidente Vargas. Às 21h25min, conheceu a primogênita.
– Vitória que nada, melhor se se chamasse Adrenalina – brinca o taxista.
Fonte : jornal Zero Hora / blog Resgatedoa-brasil
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