Marcelo Vieira Hollanda
Capitão PMES

RESUMO

O uso da força por agentes públicos é assunto recorrente desde a criação do Estado, que tem nas instituições policiais as responsáveis pela preservação da ordem e pelo controle da criminalidade. O ordenamento jurídico brasileiro exige que o Estado garanta o direito fundamental e inviolável à vida e que suas organizações, por intermédio dos seus servidores constituídos, façam o uso da força em ocasiões extremas.

Com o decorrer dos anos, a evolução tecnológica permitiu o incremento de novas técnicas e táticas que passaram a ser utilizadas na atividade policial. Dentre os novos equipamentos está uma das maravilhas do mundo moderno: o helicóptero. Tornou-se frequente a presença de policiais embarcados em aeronaves de asas rotativas, não somente provendo suporte aéreo ao efetivo em solo, mas também atuando efetivamente para o êxito da missão.

Os instrumentos de menor potencial ofensivo são uma opção para o uso diferenciado da  força, com a finalidade de assegurar o direito fundamental à vida mesmo diante de fatos em que a decisão letal esteja amparada.

O Núcleo de Operações e Transporte Aéreo é o responsável por todas as missões em que seja necessário o emprego de uma aeronave para atendimento da população capixaba ou das instituições públicas, como a Polícia Militar do Espírito Santo. Buscou-se analisar a viabilidade da utilização de instrumentos de menor potencial ofensivo a bordo das aeronaves, respeitando o direito fundamental à vida e a doutrina de uso diferenciado da força.

A legislação que rege os órgãos de Aviação de Segurança Pública permite o transporte, disparos e lançamentos desses instrumentos em aeronaves, desde que respeitados alguns requisitos. Como não existem artefatos desenvolvidos exclusivamente para operações aéreas, foram realizados testes com os equipamentos para o uso terrestre a fim de verificar a possibilidade de utilização em aeronaves e propor adequações importantes para a produção de instrumentos específicos.

Controle e regulamentação sobre a utilização de instrumentos de menor potencial ofensivo nas ações do NOTAER

Iintrodução

A vida é a garantia suprema que deve ser assegurada pelo Estado. Vários ordenamentos  jurídicos internacionais em que o Brasil é signatário e as legislações pátrias buscam salvaguardar o direito universal à vida. A partir da sua proteção, surgem outros tantos direitos fundamentais, como a liberdade e a dignidade da pessoa humana. O mesmo Estado, responsável por garantir os direitos fundamentais, detém o monopólio do uso da força legítimo por intermédio das suas organizações policiais, o que pode parecer um paradoxo numa análise superficial, mas não é.

O uso da força por parte do Estado está intimamente ligado desde a sua própria concepção, construída por meio do contrato social, cuja função primordial é garantir a propriedade, a paz e a segurança. Na realidade, a força letal deverá ser empregada somente como último recurso e em situações excepcionalíssimas, quando não houver outra alternativa.

Inserido nesse contexto está o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo (IMPO), que se tornou bastante comum no hodierno cenário policial. Alicerçado na doutrina internacional de Direitos Humanos, o conceito não letal passou a ter bastante notoriedade, chegando às vezes a ser confundido com o uso moderado da força. A utilização desses instrumentos, entretanto, ainda é exordial nas operações aéreas policiais.

O surgimento da aviação remonta às primeiras décadas do Século XX e se desenvolveu sobremaneira durante a 2ª Guerra Mundial e nos anos subsequentes. Nesse período, a aviação ficava restrita ao meio militar e ao transporte de passageiros em escala comercial. Conforme registros históricos datados de 1923 da Força Pública de São Paulo, é possível identificar apenas um embrião da Aviação de Segurança Pública no país. Esse segmento começou a ser desenvolvido de fato, no Brasil, apenas no final da década de 1970 e início da década de 1980, com a criação dos primeiros grupamentos aéreos nas polícias estaduais.

Atualmente, existem 57 órgãos que realizam essa atividade, tanto em nível federal como estadual, com uma frota de cerca de 176 helicópteros e 86 aviões e está em plena expansão. O Núcleo de Operações e Transporte Aéreo (NOTAER) concentra todas as missões de suporte aéreo no Espírito Santo, haja vista que é o único setor dentre todos os órgãos públicos do Estado que possui aeronaves para servir a população capixaba.

Dentre as variadas missões que o NOTAER desempenha, está o apoio às unidades da Polícia Militar do Espírito Santo (PMES), em ocorrências como localização de suspeitos em áreas de difícil acesso, acompanhamento de veículos em fuga e radiopatrulhamento aéreo preventivo. Acrescente-se ainda que, em operações policiais planejadas, como cumprimentos de mandados de busca e apreensão, é recorrente a presença da aeronave em auxílio às guarnições em solo.

Os variados modelos de uso moderado da força relacionam a ação de um suspeito com uma resposta policial. Para uma ação de normalidade, haverá apenas a presença física do policial. Para um suspeito cooperativo, haverá uma verbalização. Com uma resistência passiva, utilizar-se-á o controle de contato. Se houver uma resistência física, o policial deverá agir com o controle físico. Caso haja uma agressão não letal, serão usadas técnicas defensivas menos letais. E como uma última alternativa, se o infrator optar por uma agressão letal, o policial estará autorizado a fazer o uso da força letal.

Em se tratando de operações aéreas, por peculiaridades evidentes, uma vez que a tripulação está embarcada no helicóptero e a uma distância razoável do suspeito, a resposta policial é muito restrita. Se não for considerada a utilização de técnicas defensivas menos letais, resta apenas a presença policial e o uso da força letal.

A principal fornecedora desses equipamentos para a PMES possui um vultoso catálogo com vários modelos e tipos de armamentos, granadas ofensivas e munições de impacto controlado, todavia, não há nenhum desenvolvido para uso exclusivo em aeronaves.

Diante dessa conjuntura, propõe-se a responder o seguinte problema: a utilização dos instrumentos de menor potencial ofensivo a bordo das aeronaves do NOTAER é compatível com o direito fundamental à vida?

Com o fito de se buscar uma resposta para esse problema, tem-se como objetivos: apresentar estudos e conhecimentos referentes ao direito fundamental à vida e à doutrina sobre o uso diferenciado da força, associados às legislações aeronáuticas que regulam a Aviação de Segurança Pública.

Outro objetivo foi analisar a viabilidade de utilização desses instrumentos a bordo das aeronaves do NOTAER, por meio da realização de experimentos práticos com a finalidade de verificar se os instrumentos desenvolvidos para uso em solo são eficientes quando lançados da aeronave.

Ao final, foram propostas algumas sugestões para utilização dos IMPO, com base nos resultados e constatações dos testes. Concatenada com a relevância do tema, a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) organizou o 1º Seminário de Operações Aéreas Policiais, nos dias 05, 06 e 07 de dezembro de 2018, com o escopo de trocar experiências entre as unidades e de discutir assuntos voltados exclusivamente para a Aviação de Segurança Pública.

Na temática sobre o emprego IMPO, foram convidados pilotos e operadores aerotáticos das Polícias Militares de Alagoas, do Distrito Federal e do Espírito Santo. O NOTAER e a PMES foram representados nesse evento com o propósito de compartilhar a expertise no estudo da legislação sobre o tema, bem como a respeito da utilização do lançador não letal FN 303.

Como discutido no seminário, percebe-se que é um mote bastante atual e de interesse dos órgãos de Aviação de Segurança Pública, fato este que corrobora a importância em produzir conhecimento sobre isso.

Cabe enaltecer que a pesquisa trouxe resultados importantíssimos para o avanço do conhecimento e do serviço prestado pela PMES, sendo esse pioneirismo fundamental e plenamente justificável.

A metodologia utilizada fundamenta-se numa análise indutiva em relação ao direito fundamental à vida, do uso diferenciado da força e das legislações aeronáuticas, além de pesquisas alusivas à Aviação de Segurança Pública e sobre equipamentos não letais. Seguindo a classificação sugerida por Gil (2008, p. 12), a pesquisa pode ser considerada do ponto de vista da sua natureza como aplicada, uma vez que objetiva gerar conhecimentos para aplicações práticas dirigidas à solução de problemas específicos.

A forma de abordagem é qualitativa e os procedimentos técnicos utilizados foram as pesquisas bibliográficas, documental e experimental.

O trabalho está dividido em seis capítulos. Além desta introdução, considerada o primeiro, o segundo busca tratar do direito fundamental à vida, das normas e doutrinas relacionadas ao uso diferenciado da força, desde os filósofos contratualistas dos séculos XVII e XVIII, até os dias atuais.

O capítulo 3 versa sobre o NOTAER, como o único setor público que realiza as atividades de operações aéreas em todo o Espírito Santo, as especificidades do direito aeronáutico e os regulamentos que disciplinam a Aviação de Segurança Pública.

O quarto capítulo descreve os testes práticos a partir da utilização dos IMPO em plataforma elevada, inicialmente, para em seguida esmiuçar os testes realizados a bordo dos helicópteros do NOTAER.

O capítulo 5 propõe, por meio dos resultados dos testes descritos no capítulo anterior, formas de utilização desses instrumentos. O trabalho se encerra com as considerações finais, ratificando a importância da proteção do direito fundamental à vida e da necessidade imperiosa de respeitar as normas do uso da força. Ressalta ainda a permissão legal para utilização de IMPO a bordo de aeronaves e sugere algumas adaptações dos equipamentos já existentes.

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DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA: CONTROLE E REGULAMENTAÇÃO SOBRE A UTILIZAÇÃO DE INSTRUMENTOS DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO NAS AÇÕES DO NÚCLEO DE OPERAÇÕES E TRANSPORTE AÉREO