“A aviação é um mundo à parte”, diz a única mulher a pilotar o helicóptero Águia no Oeste Paulista
02 de maio de 2017 13min de leitura
02 de maio de 2017 13min de leitura
São Paulo – Dois mundos que se uniram com o propósito de ajudar e que despertam a admiração de quem os observa. A Polícia Militar e o Grupamento de Radiopatrulha Aérea (GRPAe), chamado rotineiramente apenas de Águia, juntos, servem e protegem a população.
E essa união trouxe para o Oeste Paulista a segunda mulher na função de piloto da PM do Estado de São Paulo, a 1º tenente Mayara Roberta Mieko Tanaka de Moraes, que ingressou na corporação por incentivo do pai e que conheceu na prática a contribuição que o pássaro de metal dá aos agentes em solo. Ela também é a primeira e única na Base de Radiopatrulha Aérea (BRPAe) com o hangar em Presidente Prudente.
“Eu entrei na polícia e na polícia eu acabei conhecendo o Grupamento Aéreo e olhei assim ‘Caramba, dá para tentar. Por que não?’”, recordou. Na época em que Mayara tentou, não havia nenhuma mulher ainda. “Aí pensei: ‘Não é porque não tem nenhuma mulher, que não possa ter mulher. Pode ter mulher!’. Aí na época a gente já vinha prestando, outras oficiais também, e aí deu certo”, disse.
A oficial entrou na segunda turma com mulheres do GRPAe. “Sou a segunda mulher. Tem a primeira mulher, que é a tenente Lara [Lara Carolina Palhiari Duarte], e em seguida eu passei”, salientou Mayara. “Ela prestou o concurso antes e não passou, aí nós prestamos juntas, um ano depois, aí ela passou e eu não passei. Aí no próximo ano eu prestei e passei. Aí depois disso já tem mais duas. No total, nós somos em quatro”, contou a oficial.
“O começo é difícil, não pela recepção, nós não tivemos problemas quanto a isso, o respeito, sempre teve”, disse. “Mas a gente se cobra bastante, por ter começado, é uma coisa nova, então a gente se cobra para que a gente faça tudo correto, para que a gente não estrague aquilo que a gente tentou tanto fazer”, afirmou.
Tudo foi novo também para Mayara. “A primeira vez eu falei: ‘Acho que não vou conseguir não’ (risos). É bem difícil, é muita coisa, é um mundo totalmente diferente… A aviação é um mundo à parte”, contou. “Quando você entra na aviação, você fala: ‘Eu tenho que aprender tudo sobre aviação’, a forma como fala, a forma como tudo acontece é diferente, e para mim foi um choque. Falei ‘Caramba, é tudo muito diferente. Tem que aprender, tem que começar tudo de novo’. No começo eu achava que não ia dar, e falei: ‘Acho que isso aqui vai ser muito difícil’ (risos), mas você vai estudando, vai voando, vai aprendendo, aí vai ficando um pouco mais fácil”, lembrou.
Tenente Mayara é a única mulher na Base de Radiopatrulha Aérea de Presidente Prudente
Foi em 2015 que a Base de Radiopatrulha Aérea de Presidente Prudente recebeu na equipe a primeira mulher. A oportunidade “calhou” para a tenente, já que ela e sua família são do Oeste Paulista. A oficial está no Grupamento Aéreo desde outubro de 2013.
Mayara faz o horário regular das 7h às 19h e durante esse período, junto aos colegas de profissão, fica à disposição das ocorrências que possam acontecer na área do Comando de Policiamento do Interior 8 (CPI-8), que atende 54 municípios. “A gente nunca sabe o que pode acontecer. O pessoal da sala de rádio fica copiando as ocorrências dos três batalhões [18º, 25º e 42º BPM/I] e a gente vai apoiar, conforme a necessidade”, relatou.
Entre as atuações do Águia, estão fatos como salvamentos, apoio a combate a incêndio e apoio às viaturas em terra em Presidente Prudente, que é a maior cidade da região e onde também tem a maior concentração de ocorrências, segundo a tenente. “Tem dias com bastante e tem dias que são mais tranquilos. Então, não tem uma regra, às vezes a gente é surpreendida”, colocou.
O céu do Oeste Paulista não é a primeira área em que a tenente atua. Antes de voltar para a região natal, a oficial estava na capital paulista. Toda a formação como piloto – o curso teórico e a instrução prática – é feita no Grupamento Aéreo, em São Paulo (SP). Foi lá que Mayara se formou e também trabalhou por um tempo, até seguir para Presidente Prudente.
No Estado de São Paulo existem 11 bases, incluindo a capital, sendo assim, os policiais, além de trabalhar na cidade de São Paulo, precisam atuar em outras unidades para adquirir conhecimento e experiência. “Aí acabou calhando, né? Como eu sou daqui, minha família é daqui, falei: ‘Ah, vou trabalhar numa base, então vou trabalhar em Presidente Prudente’.
Então, para mim ficou confortável essa situação de vir trabalhar aqui, de já conhecer a cidade, conhecer a região, minha família ser daqui. Por isso que eu escolhi”, contou Mayara.
Entretanto, apesar da formação, assumir o controle do Águia tem algumas exigências, entre elas, um determinado número de horas de voo. Com isso, a tenente explicou que ainda exerce a função de copiloto. “Hoje sou formada piloto comercial, mas sou copiloto, porque para nós, a gente precisa de ao menos 500 horas para assumir o comando da aeronave e a gente precisa também de um treinamento específico”, esclareceu. A oficial acrescentou que “toda a formação, desde as primeiras instruções, até chegar ao comando da aeronave, vai em torno de três a quatro anos. Mas é o treinamento completo”.
“No caso, eu estou em fase de treinamento ainda, porque eu sou copiloto. Estou com mais ou menos 360 horas, mais 140 horas eu já sou habilitada a fazer a instrução de voo avançado, que aí são algumas missões específicas que a gente precisa fazer, missão com rapel, missão de incêndio, e isso a gente precisa treinar. Pra gente chegar até esse ponto, tem de ter uma experiência prévia, principalmente na área do voo. Então a gente vai voando como copiloto, adquirindo experiência, para depois conseguir fazer as avaliações, as instruções”, relatou Mayara.
Dois mundos
A Polícia Militar e a aviação “são mundos distintos, mas um não deixa o outro deixar de existir. Eles coexistem, os dois mundos”. “Então a gente tem que aprender sobre aviação, mas a gente continua na Polícia Militar, continua fazendo bastante serviço administrativo, o serviço operacional é praticamente o mesmo, com a diferença de que a gente inclui a aeronave”, salientou a tenente.
“Vamos ao apoio das viaturas nas ocorrências da mesma forma. Então, a experiência como policial é imprescindível para que a atividade aérea consiga cumprir o papel. A gente precisa da experiência anterior pra poder exercer, apoiar, saber como melhor apoiar o policial que está ali na rua”.
“Apesar de ser piloto, a gente não deixa de ser policial. A gente faz as duas coisas e as duas coisas acontecem ao mesmo tempo”, enfatizou a tenente.
Já dentro da corporação foi que Mayara conheceu o grupamento. “O que me chamou atenção foi que quando eu trabalhava na viatura, lá na rua, eu solicitava apoio do Águia. O Águia ia, ajudava, era efetivo e todos os policiais falavam: ‘Caramba, mas que legal! A gente consegue resolver o problema, com o apoio deles a gente consegue enxergar melhor aqui a ocorrência’ e eu fiquei meio maravilhada. Falei: ‘Poxa, que legal. É uma ferramenta a mais que a gente tem”, relatou.
Então, veio o interesse. “Falei: ‘Ah, por que não? Vou tentar. Vou fazer o concurso e ver se dá certo’. Porque se a gente não tentar a gente nunca vai saber se vai dar certo. Mas eu admirava. Admirava como eles trabalhavam, admirava como as ocorrências podiam ser melhor resolvidas com o apoio do Águia e isso me motivou a tentar”, destacou Mayara.
Todos os águias já tiveram experiências na rua e como são as situações em solo. “A gente sabe o que se passa, qual que é a intenção do policial, qual é o desespero dele quando está lá pedindo apoio, então, acho que essa experiência prévia só faz a gente se motivar ainda mais para apoiar, para chegar quando tem que chegar, porque a gente sabe o quanto é necessário o apoio”, salientou, ainda.
Seguir para o Águia não mudou muito o que Mayara fazia. “A única coisa é que eu faço de uma forma diferente o meu serviço e eu uso um instrumento diferente, que é a aeronave. Mas a importância é a mesma”, afirmou.
“A importância da viatura é a mesma da importância do helicóptero, só que um complementa o outro. Às vezes a gente consegue uma visão mais ampla do local da ocorrência e isso ajuda o policial que tá lá embaixo. Então acho que os dois se complementam. Enxergar onde eles não conseguem”, declarou a tenente.
Marcas
A oficial declarou que as ocorrências mais marcantes com o helicóptero são as que envolvem o resgate de pessoas em situação de risco.
“Uma que me marcou foi uma enchente que teve em São Paulo e a gente foi com o helicóptero resgatar uma família que estava ilhada nesse local de enchente. A gente foi com os nossos procedimentos, os nossos policiais utilizando o cesto e resgataram essas pessoas, essa família, tirando-a do local de risco para um local seguro. A gente levou a família inteira, o cachorro, todo mundo dentro do cesto, para um local seguro e tirou daquela situação de risco. Então, essas ocorrências envolvendo diretamente as pessoas são aquelas que marcam mais, ficam mais na cabeça. Falar: ‘Consegui ajudar, se não fosse a minha ajuda talvez pudesse ter acontecido algo mais grave’, então a gente lembra bastante”, relatou a Tenente.
Na região de Presidente Prudente, há pouco tempo, um salvamento repercutiu bastante e a tenente Mayara estava lá. “Um senhor foi ali perto de Panorama pescar. Ele tinha uma deficiência na perna e estava sozinho no barco”, lembrou. Ele entrou no meio da vegetação e o barco ficou preso. “Ele ficou lá, perdido”. Entretanto, o homem tinha um celular e conseguiu chamar socorro. “E aí não tinha acesso. Ninguém conseguia enxergá-lo, porque a vegetação estava densa e ele ficou meio escondido, então para chegar de barco seria difícil e ele não conseguiria sair de lá. A gente foi com a aeronave, fez o sobrevoo no local, conseguiu enxergá-lo e fez o salvamento”, contou.
Ingresso
Em 2005, aos 17 anos, Mayara ingressou na Academia da Polícia Militar do Barro Branco (APMBB), pela influência do pai, que foi policial, mas saiu da corporação nos anos de 1990 para trabalhar no Japão. “Mas aí ficou meio que um arrependimento de ter saído, eu acho, aí ele incentivou a gente a entrar”, lembrou. “Ele sempre comentava como era o serviço na polícia e isso influenciou. Tanto que sou tenente e meu irmão também. Então nós dois seguimos a carreira que seria do meu pai”, contou.
“Ingressei em 2005, com 17 anos, era bem nova, mas a polícia me ensinou muita coisa. A formação na polícia ensina muita coisa. Então, apesar de ter ingressado bem jovem, a gente tem bastante ocorrência, bastante vivência, que fazem a gente amadurecer um pouco mais rápido por causa dessas situações que a gente acaba vivendo”, declarou.
Quando se formou, em 2008, a tenente Mayara passou a trabalhar no 18º Batalhão da Polícia Militar do Interior (BPM/I), em Presidente Prudente, e um ano depois seguiu para o 42º BPM/I, em Presidente Venceslau.
Logo depois, a oficial se casou e se mudou para Jundiaí (SP), cidade de seu esposo, onde trabalhou de 2010 até 2013, quando prestou um novo concurso dentro da corporação. “Dentro da polícia tem a possibilidade desse concurso do Grupamento Aéreo, que é aberto para os oficiais. Na época, eu já era tenente, já tinha experiência trabalhando na rua, então prestei o concurso para o Grupamento Aéreo e comecei a trabalhar aqui”.
Em família
Voltar para a região de Presidente Prudente foi uma boa oportunidade para a tenente, local onde ela trabalha em família, literalmente. “Meu irmão trabalha aqui. Às vezes ele está trabalhando na viatura na rua, pede apoio e a gente vai daqui com o helicóptero para apoiar, não só ele como meu marido, que também é tenente e trabalha aqui. Então, um dia é meu irmão, um dia é meu marido (risos)”, contou Mayara.
Entretanto, os colegas de trabalho também se tornam uma família. “A gente, na verdade, passa mais tempo no trabalho do que em casa. Então é uma família, não tem como. Doze horas a gente passa aqui e 12 horas passa em casa, e dessas 12 a gente passa oito dormindo (risos). O contato maior é aqui. A gente está sempre junto”, afirmou.
Profissionalismo
A tenente contou que, como todos os jovens, quando prestou o vestibular, “não tinha certeza de nada”. Ela prestou para medicina, para farmácia e para a polícia.
“Eu não sabia exatamente o que eu queria. Aí eu passei no Barro Branco e os exames da segunda fase coincidiram, e nessa época eu tive de optar: ‘Eu vou ter que fazer o exame psicológico do Barro Branco ou eu vou ter que prestar outro vestibular’, aí acabei optando já por fazer o exame psicológico no Barro Branco”, lembrou. “Às vezes eu penso: ‘Será que seria legal se eu fosse médica hoje?’, mas aí eu penso: ‘Ah, acho que não’, mudou o pensamento, ‘Ah, acho que não seria legal, não’ (risos)”, contou.
“Acho que o maior incentivo é a gente fazer bem feito, tentar fazer o melhor que a gente consegue daquilo que a gente gosta e, independentemente, se você faz parte da maioria ou de uma minoria, isso não faz nenhuma diferença”, destacou.
Para a oficial, o que faz a diferença “é o profissionalismo”, ou seja, “a pessoa fazer o que gosta, fazer bem feito, tomar as decisões corretas, independente se é mulher, se é jovem, isso não importa”, pontuou. “O que importa mesmo é que, quando você faz bem feito e faz o que gosta, você tem o respeito das outras pessoas, você tem o retorno, então acho que isso é o mais importante”, finalizou a tenente.
Fonte: Por Stephanie Fonseca, G1 Presidente Prudente.
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