Aviação de Estado: passado, presente e futuro
23 de abril de 2012 25min de leitura
23 de abril de 2012 25min de leitura
EDUARDO ALEXANDRE BENI
ALEX MENA BARRETO
Com mais de três décadas de existência, a Aviação de Segurança Pública e de Defesa Civil no Brasil engloba órgãos da administração pública federal, estadual e do Distrito Federal, como a Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícias Militares e Civis e Corpos de Bombeiros Militares. Já são mais de 200 aeronaves, entre helicópteros e aviões, realizando, diuturnamente, diversas modalidades de operação, do policiamento ao resgate aeromédico.
Atualmente, a maior frota se encontra localizada no Distrito Federal, onde existem 37 aeronaves, seguido do Estado de São Paulo, com 33, e do Estado de Minas Gerais, com 17. Nesse escopo, os órgãos possuem em suas estruturas as Organizações de Aviação de Segurança Pública (OASP), denominadas de diversas maneiras, como, por exemplo, Centros Integrados de Operações Aéreas, Grupamentos Aéreos, Grupos Táticos Aéreos, Batalhões de Aviação, Grupamentos de Aviação Operacional, Batalhões de Operações Aéreas, Divisão de Operações Aéreas, etc. A maioria opera de forma integrada.
Mesmo com a atual dimensão da frota e com a diversidade das OASP frente a todas e tantas demandas existentes, é preciso entender alguns problemas enfrentados e que refletem diretamente nas suas operacionalidades, além da precária segurança jurídica nas atividades realizadas pelos órgãos de segurança pública.
COMEÇO E CRESCIMENTO
O emprego de helicóptero na atividade policial teve início no Estado do Rio de Janeiro, com a criação da Assessoria Aeropolicial, em 1971, mas foi em São Paulo que esse serviço ganhou destaque e consolidou-se com a criação do Grupamento de Radiopatrulha Aérea da Polícia Militar e o Serviço Aerotático da Polícia Civil, em 1984. Nos anos seguintes, a Polícia Militar de Minas Gerais (1987) e a do Rio Grande do Sul (1989) seguiram o mesmo caminho. Gradativamente, os demais estados implantaram a aviação como modalidade de policiamento e de resgate.
Desde cedo, ficou clara a necessidade de organizar e integrar a Aviação de Segurança Pública dentro de um contexto nacional. Assim, diversos esforços foram feitos como a realização do 1º Encontro de Aviação Policial do Mercosul, em novembro de 1998, em Porto Alegre (RS), e do 1º Fórum Internacional de Operadores de Helicópteros em Segurança Pública e Defesa Civil, em novembro de 2001, na cidade de São Paulo (SP).
Nessa época discutia-se muito a importância das aeronaves na segurança pública e, a todo momento, buscavam-se referências em outros países, como os Estados Unidos, para corroborar e justificar a importância do helicóptero no policiamento e no resgate aeromédico. Ainda hoje, alguns estados ainda estão nessa fase de convencimento das autoridades governamentais, porém, outros, discutem assuntos voltados à gestão, à desconcentração de suas operações, aumento da frota com aeronaves bimotoras, uso de óculos de visão noturna, etc, o que demonstra uma dessimetria entre as OASP. Apesar desses esforços para mostrar a importância do vetor aéreo na segurança pública, bem como a criação de conceitos de padronização e integração nas operações, foi através da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), criada em 1997, que muitas ações nesse sentido começaram a ser executadas.
Assim, em 2004, diante das competências atribuídas à SENASP, foi dada a partida para a uniformização do serviço de aviação de segurança pública no Brasil, sendo lançado o Programa da Aviação de Segurança Pública (PAvSegP). Esse processo pode ser dividido em três etapas. A primeira aconteceu de 2004 a 2007, culminando com os Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro. A segunda se deu logo após os jogos, em 2008, com a ativação da Comissão de Aviação de Segurança Pública (CavSeg) e do Conselho Nacional de Aviação de Segurança Pública (CONAV). No final de 2011, como a extinção do CONAV, por ato do Ministério da Justiça, veio a terceira, com a criação do Grupo de Trabalho de Aviação em Segurança Pública.
Apesar dessa aparente instabilidade na gestão, a sensibilização política, voltada para a importância da atividade aérea e o consequente investimento financeiro federal no setor, junto ao empenho de profissionais abnegados, foram fundamentais para a universalização da atividade aérea de segurança pública e defesa civil na maioria dos estados brasileiros. Para se ter uma idéia do crescimento experimentado, desde 2004, foram criadas mais de vinte OASP, praticamente dobrando o número de organizações existentes.
Quanto aos investimentos, de 2004 a 2011, foram repassados, pela SENASP, cerca de R$ 189 milhões em recursos federais aos estados. No período que compreende à primeira etapa foram investidos cerca de R$ 41 milhões, principalmente na aquisição de aeronaves para os Jogos Panamericanos. Depois, entre 2008 a 2011, aconteceu o maior investimento federal na Aviação de Segurança Pública, cerca de R$ 148 milhões em novos meios e algo em torno de R$ 4,4 milhões em capacitação, treinamento e fomento com a realização de quatro fóruns. Isso resultou, de 2004 a 2011, na compra de 32 aeronaves. Também foi criado o Dia Nacional da Aviação de Segurança Pública, em 29 de junho, dia em que se comemora São Pedro, padroeiro do Estado do Rio Grande do Sul. Foi instituída ainda a Medalha do Mérito da Aviação de Segurança Pública “Major Ibes Carlos Pacheco”, oficial da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, patrono do Centro de Formação Aeropolicial (CFAer), e regulamentada a Canção da Aviação de Segurança Pública, com letra do coronel RR da Brigada Militar José Hilário Ayalla Retamozzo.
No final de 2011, o Conselho Gestor do Fundo Nacional de Segurança Pública (CGFNSP) aprovou investimentos para a Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal e Força Nacional de Segurança Pública, para obtenção de aeronaves, treinamento e capacitação de tripulações, contração de seguro aeronáutico, manutenção e compra de combustível, num total superior a R$ 92 milhões. Desses, R$ 23 milhões serão para a Polícia Rodoviária Federal, R$ 38 milhões para a Polícia Federal e R$ 31 milhões para a Força Nacional de Segurança Pública. Com essa nova realidade de expansão, com vários estados iniciando suas operações aéreas nesse campo e visando os grandes eventos que acontecerão no Brasil nos próximos anos, restam apenas três estados que ainda não contemplam OASP com alocação de aeronaves: Paraíba, Roraima e Amapá. O Estado do Amapá possui o Grupamento Tático Aéreo (GTA) e operou aeronave locada por um bom tempo e agora estão aguardado a aquisição de uma.
INTEGRAÇÃO
Mesmo tendo sido esse crescimento um passo monumental para a consolidação dessa aviação, no entanto, diversos processos importantes e presentes nos planejamentos iniciais ainda permanecem com futuro não tão cristalino, como a adequação da legislação aeronáutica, formação e capacitação, processos de seleção, mobilização, padronização administrativa e de procedimentos, desenvolvimento da consciência para a segurança operacional, etc.
No panorama de investimento federal e de mobilização administrativa e operacional, baseada no princípio da solidariedade federativa, a Comissão de Aviação de Segurança Pública organizou o 1º Fórum Nacional de Aviação de Segurança Pública, em Brasília (2008) que, dentre outras coisas, discutiu a criação do Conselho Nacional de Aviação de Segurança Pública (CONAV), com representantes de todos os estados e do Distrito Federal, por meio de suas Polícias Militares e Civis, Corpos de Bombeiros Militares, e as Polícias Federal e Rodoviária Federal. Posteriormente, aconteceram outros, em Santa Catarina (2009), na Bahia (2010), e em Goiás (2010).
O CONAV foi um grande impulso que favoreceu a integração entre as OASP, com a realização de fóruns e encontros para a difusão de conhecimento, tecnologia e vivências positivas e a discussão acerca da estruturação de um sistema nacional do setor que, inclusive, contou com a participação inédita de outros órgãos, como a Receita Federal, Departamento de Trânsito do Distrito Federal (DETRAN/DF), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) e Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Contudo, essa iniciativa democrática não durou muito tempo.
Diversas frentes estratégicas foram abertas, sendo as mais importantes a nomeação de um integrante do CONAV para ser membro do Comitê Nacional de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CNPAA) e o esforço para a elaboração e a aprovação de um Regulamento Brasileiro da Aviação Civil (RBAC) sobre a Aviação de Estado, com a designação de membro junto à Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).
Ainda nesse período foram apresentados pela CavSeg e CONAV vários projetos, dentre eles, o Programa Nacional de Apoio ao Reaparelhamento e à Modernização das OASP – PRONAvSeg; Projeto de Constituição de Consórcio Público Interfederativo de Segurança Pública – CISP; Plano Nacional de Mobilização de Aeronaves – PLANAMA – COPA 2014, entretanto, em 2011, o CONAV foi extinto e montou-se um grupo de trabalho com o objetivo de analisar todos os atos praticados até então e debater sobre a criação de órgão colegiado, integrante da estrutura do Ministério da Justiça, para tratar do tema.
Na prática, será a recriação daquele conselho. Porém, como consequência direta da extinção do CONAV, o 5º Fórum Nacional de Aviação de Segurança Pública, programado para 16 a 20 de novembro de 2011, em São Luiz (MA), em parceria com o Governo do Estado do Maranhão, foi cancelado. Dessa forma, o CONAV deixou de ser membro do CNPAA e foram paralisadas as ações iniciadas pelo CONAV e pela ANAC para a publicação do Regulamento Brasileiro da Aviação Civil sobre a Aviação de Estado (Aviação Pública).
O PROBLEMA DA REGULAMENTAÇÃO
É importante assinalar que a segurança jurídica das operações aéreas estaduais é algo que não se resolve com a publicação de um regulamento brasileiro da aviação civil. Por ser bem mais complexo do que aparenta, ainda se está distante de uma real solução. Talvez, o melhor equacionamento seria a busca de uma legislação que incluísse no ordenamento jurídico essa atividade aérea de Estado.
Para entender melhor, após a criação das primeiras unidades de aviação das polícias e dos bombeiros, houve a necessidade de buscar junto ao então Departamento de Aviação Civil (DAC) subsídios legais que permitissem a adequação do potencial da aviação com os objetivos dessa nova atividade, o que foi feito através de regulamentos (instrumentos normativos não primários), pois a legislação aeronáutica era, e ainda é, omissa com relação a esse emprego de aeronaves.
Ao longo de mais de 30 anos, foram publicadas uma dezena de regulamentos, o que possibilitou aparente segurança jurídica para a atividade, mas sabidamente insuficiente. Para se ter uma idéia, em 1992, onde a lei deveria dispor, a Aviação de Segurança Pública era regulada pela NSMA 58-91 (Norma de Sistema do Ministério da Aeronáutica) e somente permitia às organizações policiais o emprego de helicópteros.
Nesse sentido, os regulamentos anteriores proibiam as OASP operarem aeronaves de combate ou versões militares de aeronaves civis. Igualmente, o atual regulamento expedido pela ANAC, também contém essa restrição. Todavia, por questões de segurança pública, as Polícias Civil e Militar do Estado do Rio de Janeiro operam aeronaves com características militares. O detalhe, é que voam com uma autorização especial expedida pela ANAC.
O Código Brasileiro de Aeronáutica (CBAer) diz que são aeronaves militares as utilizadas pelas Forças Armadas, mas não proíbe às demais forças o uso de versões militares de aeronaves civis na segurança pública. Assim, não poderia o regulamento inovar a lei, com tal proibição. Com a criação da ANAC, por sinal, as coisas se complicaram ainda mais, pois junto à conhecida deficiência normativa, se discute a competência legal da agência para regulamentar a Aviação de Segurança Pública ou, de forma mais abrangente, a Aviação de Estado. A aeronave é um meio para que a atividade de segurança pública possa alcançar seu fim, que é servir e proteger o cidadão. A ANAC poderia, com base na legislação em vigor, interferir nos aspectos do registro e aeronavegabilidade e habilitação das tripulações, mas não na operação.
O CBAer ainda define os operadores e exploradores de aeronaves e o Estado não figura nem como permissionário ou concessionário de serviço aéreo público, muito menos como serviço aéreo privado. Acertadamente, a lei não incluiu o Estado como operador ou explorador de aeronave, pois na atividade de Aviação de Estado o serviço é originariamente público e, além de ser uma atividade essencial, atua em razão do interesse público e é realizado pela própria administração. Neste cenário, a ANAC tratou, por analogia, a Aviação de Segurança Pública como sendo um serviço aéreo, tratando as OASP como operadores civis, utilizando regulamentos para definir essas operações aéreas, as quais deveriam ser normatizadas por lei.
Toda essa problemática vem de 1967, quando o Decreto-Lei Nº 234 alterou o Código Brasileiro do Ar, de 1966. Até essa época as aeronaves eram classificadas em públicas (militares e aeronaves a serviço do Poder Público) e privadas (também impunha a condição de privada à aeronave pública que fosse utilizada no transporte aéreo comercial). Com a alteração, as aeronaves passaram a ser somente civis e militares, sendo consideradas civis as públicas e privadas. Os reflexos disso estão presentes nos dias atuais.
O Código Brasileiro de Aeronáutico de 1986, e o antecessor, foram tratados à luz dos preceitos instituídos pela Convenção sobre Aviação Civil Internacional e, não obstante tratar de norma de aplicação internacional, respeitaram, em parte, as regras instituídas por seu artigo 3º, que veda sua aplicabilidade às aeronaves de propriedades do governo, como aquelas usadas para serviços militares, alfandegários e policiais. Por todas essas questões jurídicas pendentes, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei nº 2.103, de 1999, que propõe a inclusão da Aviação de Segurança Pública e Defesa Civil naquele código.
Paralelamente, uma proposta de Regulamento Brasileiro da Aviação Civil sobre a Aviação de Estado (Pública) foi iniciada em 2010 com a presença de um representante do CONAV na ANAC, a fim de auxiliar nessa nova regulamentação. Esse trabalho não foi o pioneiro, pois ao logo desses anos, todos os regulamentos publicados tiveram participação efetiva de integrantes da Aviação de Segurança Pública. Mas, dessa feita, foi algo diferente na medida em que foi elaborado um regulamento próprio para a Aviação de Estado, ou seja, deixou de ser uma simples subparte, para ser específico, contendo doze subpartes e quatro apêndices.
Essa proposta conseguiu ser abrangente, pois incluiu todas as operações aéreas especiais realizadas pela administração pública, definidas pela lei como serviço do Poder Público, integrando os regulamentos publicados pela ANAC, criando um novo sistema. Isso durou nove meses e houve uma participação efetiva dos membros do CONAV, ANAC, Receita Federal, DETRAN/DF, IBAMA, FUNAI e policiais e bombeiros de todos os estados que, individualmente, ofereceram suas contribuições. O resultado foi uma proposta denominada Regulamento Brasileiro da Aviação Civil – 90 e foi apresentado à SENASP e à ANAC no final de 2011.
Em razão da criação do Grupo de Trabalho na SENASP, essa proposta, então, está sob análise e não se sabe qual será o seu encaminhamento. A ANAC, preocupada em dar uma solução para o problema, designou uma comissão como responsável pela Aviação de Estado e iniciou discussão da proposta do RBAC 90, com visitas técnicas às OASP, para, futuramente, disponibilizá-la em audiência pública. Muito embora não seja a melhor solução, certamente será o regulamento mais abrangente e preciso já confeccionado sobre o assunto.
MODELO DE GESTÃO
No aspecto da formação das OASP recém-criadas, a SENASP teve e tem um papel fundamental na mobilização de efetivo, para prover a capacidade inicial de operação e os necessários intercâmbios. É uma atitude focada principalmente no aspecto de formação e capacitação aeronáutica.
Não houve preocupação com a estruturação de um modelo sólido, capaz de prover a criação e, em seguida, o ensinamento de uma doutrina única de operação e, notadamente, de gestão administrativa, baseada nas melhores práticas das OASP já estruturadas e consolidadas. Diante disso, ainda é possível encontrar OASP com dificuldades para manter sua operação com uma disponibilidade constante, em decorrência de questões como, contratos de manutenção, seguro aeronáutico, aquisição de combustível, formação e qualificação de pessoal técnico, hangaragem, entre outras. Um foco ainda sensível são as operações. Se há modos integrados, conjuntos, compartilhados, independentes e até concorrentes, é preciso uma visão racional e discutida sobre modelos ideais do ponto de vista de gestão e de custo-benefício para a sociedade e o contribuinte.
Mesmo sem analisar o aspecto legal da competência, questões como a concentração de diversas OASP em uma determinada região, ante a carência completa em outras, devem ser colocadas em debate. Novos modelos de operações multifunção, redistribuições de bases operacionais, criação de órgãos reguladores para o despacho de aeronaves e uma maior integração na gestão da disponibilidade das aeronaves devem ser fomentados para uma maior racionalidade na prestação do serviço público com aeronaves.
Um caso que chama a atenção é o que o governo inglês está realizado com o Projeto de Serviço Nacional de Aviação Policial (Nacional Policie Air Service – NPAS). Apesar das resistências ao seu formato, os planos para o NPAS representam uma mudança radical na maneira como as forças policiais britânicas fornecem apoio aéreo. Ao invés de cada uma ter seu próprio helicóptero patrulhando a sua região, o novo serviço nacional será responsável por toda a Inglaterra e País de Gales e terá seu comando centralizado.
Diante disso, a demanda de operações conjuntas em missões de Defesa Civil, como ocorrido em Santa Catarina e no Rio de Janeiro, reforça a necessidade de integração e padronização entre as OASP. Não é mais aceitável que uma mobilização de recursos e aeronaves para atender uma grande emergência, em qualquer lugar do País, exija um esforço maior do que abrir uma pasta e executar um plano de ação, que deve incluir também as Forças Armadas.
SEGURANÇA
No aspecto de segurança operacional, o apoio é feito com base na doutrina e experiência da aviação militar e civil que, longe de serem supérfluas, pecam por estarem distantes das especificidades inerentes às atividades das OASP, onde são exigidos os requisitos de ambas, por isso, possui característica única, qual seja: a missão deve ser cumprida, desde que garanta a integridade das pessoas e patrimônio no solo, da tripulação e da aeronave.
Ainda assim atua de modo predominantemente reativo aos acontecimentos. Por diversos anos, os índices de acidente na aviação de asas rotativas no Brasil foram elevados por força dos acidentes envolvendo aeronaves das OASP. Por conta da consequente e exorbitante elevação do seguro aeronáutico, houve uma reação por parte das OASP, com as maiores frotas, para que as seguradoras criassem critérios mais rígidos para segurar aeronaves, objetivando a redução de seus custos.
A implantação desses novos critérios, por parte das seguradoras, acabou de maneira indireta, padronizando uma série de exigências nas diversas OASP, como o mínimo de 500 horas de voo para o comandante de aeronave e procedimentos operacionais padrão. Em 2012, por exemplo, o seguro para as 29 aeronaves da Polícia Militar do Estado de São Paulo ultrapassou os R$ 7,5 milhões. Isso ocorre porque o seguro trabalha com três elementos essenciais: o risco, a mutualidade e a boa fé, e essa avaliação é feita considerando os aspectos nacionais e não só os regionais. Daí, a importância da segurança operacional ser tratada de forma global.
Ressente-se da falta de iniciativas contundentes e maturidade institucional para organizar, evoluir e difundir toda a bagagem e experiência colhidas nesses 30 anos de atividades, que se encontram espalhadas e fragmentadas por todas as OASP. Como complicador, desde 2007, a ANAC deixou de considerar, em suas estatísticas, os acidentes aeronáuticos envolvendo operações de segurança pública e defesa civil. Existem informações computadas pelo CENIPA, mas apenas envolvendo helicópteros, não se tendo uma informação precisa sobre os acidentes com aviões, o que implica em se ter um órgão central para controle e acompanhamento desses sinistros.
Como progresso, ressalta-se a ativação do IHST (International Helicopter Safety Team) e a implantação de metas e posturas agressivas, com o objetivo de reduzir os índices de acidentes com helicópteros em 80% até 2016. A iniciativa foi apoiada pelos maiores fabricantes e operadores no mundo, bem como pelo Brasil, através da ANAC, do CENIPA, Marinha (SIPAAerM) e diversos prestadores de serviço offshore. Vários operadores estrangeiros como a Maryland State Police, o Los Angeles County Fire Department e o Calgary Police Service já firmaram um compromisso formal com aquele objetivo. Em relação às OASP brasileiras, isso parece ser de completo desconhecimento da maioria delas, tamanha a inércia.
AVANÇOS À FRENTE
Se surgem demandas por situações passadas, o panorama futuro não deixa a desejar. Novas tecnologias, embarcadas ou não, prometem grandes desafios. Equipamentos como sensores de imageamento térmico, transmissão ao vivo de imagens e uso de óculos de visão noturna já estão impondo uma revolução na forma de atuação das aeronaves das OASP, dentre as quais, algumas, terão que procurar a mesma solução para um igual problema, correndo o risco de incorrer em dificuldades semelhantes já enfrentadas por outras, mais antigas, além de, na maioria das vezes, ser apenas um desperdício de energia.
Grandes experiências e conhecimentos já estão sendo obtidos na utilização de sensores de imageamento térmico e sistemas de transmissão de dados para centros de comando e controle. Sucessos de operações reais com aeronaves do
SAER/RJ, DOA-RF, GRPAe/SP e BAVOP/DF demonstram a valia da capacidade de proporcionar imagens ao vivo de acontecimentos sensíveis às autoridades com poder decisório. Desse modo, é notória a obrigatoriedade de tais sistemas nas OASP, o que, certamente, vai exigir muito preparo dos operadores.
Outra tecnologia embarcada de operação sensível são os óculos de visão noturna (OVN). A aviação militar, há muito tempo, emprega esses equipamentos. Na Aviação de Segurança Pública, somente o Grupo Tático Aéreo de Sergipe avançou nesse campo, mas diversas OASP, entre elas o GRPAe/SP e o GAM/RJ já previram esses meios para suas aeronaves. Enquanto ainda é inovação no Brasil, os OVN (NVG) são comuns nos Estados Unidos e na Europa. As OASP estadunidenses possuem mais de 10 anos de experiência em sua utilização e, lá, faz parte de recomendações do NTSB à FAA (Federal Aviation Agency) exigir o seu uso pelos operadores públicos.
Apesar das características de operações serem diferentes, aquela recomendação, baseada em acidentes, e a divulgação das primeiras experiências de um operador brasileiro com sistemas de imagens de visão noturna, irá chamar a atenção para o equipamento e suas vantagens para a segurança e desempenho. A ANAC ainda não dispõe de normas sobre OVN, muito embora já esteja previsto na proposta do Regulamento Brasileiro da Aviação Civil sobre Aviação de Estado (Aviação Pública).
Da mesma forma, o uso de veículos aéreos não tripulados (VANTs) em segurança pública e defesa civil, pede muito debate. As suas autonomias e custos, combinados com o desenvolvimento e portabilidade de sensores, fazem desses vetores grandes aliados em inúmeras ocasiões.
A aquisição e início de operações com VANTs pela Polícia Federal e pela Polícia Militar do Pará não suprimiram as dúvidas e paradigmas existentes como, por exemplo, quem irá gerir e operar o sistema de vôo? Será possível um VANT compartilhar o espaço aéreo com outras aeronaves tripuladas? Um VANT pode sobrevoar uma região habitada? O VANT irá substituir as aeronaves tripuladas das OASP? Enfim, uma miríade de incertezas que terão que ser resolvidas em breve.
Aliás, essas indagações remontam a algumas questões históricas, quais sejam: A polícia ou o bombeiro pode operar helicóptero? Será que o helicóptero tem função na atividade de segurança pública e de defesa civil? Será que a polícia ou o bombeiro terá capacidade de operar helicópteros? Os pilotos terão capacidade para voar a baixa altura sobre áreas urbanas? Poderão pousar em vias públicas? Contra fatos, não há argumentos; as OASP são uma realidade.
CONCLUSÃO
Muito se caminhou e se trabalhou para evoluir, mas muito ainda deve ser feito, tanto nos campos operacional, regulamentar, legal, gestão e segurança operacional, quanto na esfera política, onde a Aviação de Segurança Pública e de Defesa Civil, ou de forma mais abrangente, a Aviação de Estado, deve ser tratada como política de Estado, sem bandeiras, partidos ou grupos.
No campo operacional é importante que se incentive a integração e a troca de experiências entre as OASP, para que as tripulações possam conhecer e difundir as boas práticas, possibilitando voos mais seguros e a criação de procedimentos operacionais mais consistentes e padronizados.
Em termos de regulamentação, o que se busca é a segurança jurídica nas operações das OASP, pois na atividade aérea de segurança pública e defesa civil não há a possibilidade de desvinculação do risco, mas sim o gerenciamento dele e, daí, ser fundamental uma melhor definição das atribuições legais. O regulamento ou a lei que vier a tratar desse assunto deverá oferecer consistência a essas operações, sob pena de, em tempos não tão distantes, inviabilizar essa atividade.
Quanto à gestão e à segurança operacional, nessa nova estrutura que se consolida, espera-se do Governo Federal, a criação de um órgão coordenador central, para gerir e fomentar a Aviação de Estado, incentivando a difusão e integração das práticas administrativas, gestão de excelência, nos processos e nos modelos operacionais comprovados e focados na integração, na segurança e na racionalidade de recursos, e ser o gestor das necessidades e dos requisitos das OASP. Com isso criará padrões e, consequentemente, uma demanda em escala como forma de baratear a aquisição de produtos e a contratação de serviços aeronáuticos e tornar a operação mais segura.
As instituições policiais e os bombeiros militares tiveram vital participação na implantação do vetor aéreo em suas jornadas cotidianas, e esse sucesso é fruto da competência dessas corporações. Todavia, essa atividade agigantou-se e, hoje, outros órgãos estão utilizando a aeronave para maximizar seus resultados e atender o cidadão. Chegou-se, então, à chamada Aviação de Estado. Um órgão central com a responsabilidade de gerir esse novo modelo de aviação será o novo desafio. Uma possibilidade seria a criação do Departamento de Aviação de Estado na estrutura da Secretaria de Aviação Civil e, consequentemente, na ANAC. Isso traria mais consistência às políticas de Estado, pois estaria inserida dentro do contexto da aviação, interligada com todos os setores da administração pública, sendo plausível, efetivamente, implementar políticas específicas para o setor, desde a operação, formação, capacitação e infraestrutura, até as questões atinentes à aeronavegabilidade.
A Aviação de Segurança Pública e de Defesa Civil no Brasil deixou de ser uma novidade ou um privilégio e passou a ser uma realidade, cruzando os céus, salvando vidas e protegendo o cidadão e, nesse momento, é preciso discutir a nova aviação que se apresenta, a Aviação de Estado (Aviação Pública) e, assim, regulamentar o uso de aeronaves pelo Poder Público, como preconiza o CBAer.
Os autores, Major Eduardo Alexandre Beni e 1º Tenente Alex Mena Barreto são pilotos da PMESP e editores do portal pilotopolicial.com.br. O presente artigo foi publicado na edição especial da revista Tecnologia & Defesa Segurança lançada durante a LAAD Security 2012.
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