Maj EB PAULO ROBERTO DO BONFIM E ARAÚJO

Atualmente, na Aviação do Exército, o voo com óculos de visão noturna (OVN) é uma realidade; com várias tripulações formadas – instrutores, comandantes de bordo, pilotos táticos e mecânicos operacionais. Todavia, com a introdução do voo com OVN, aumentou-se a possibilidade de uma entrada inadvertida em condições meteorológicas de instrumento (IIMC).

A Aviação, há anos atrás, vivenciou uma época na qual poucos pilotos voavam IFR e mantiveram esse conhecimento e essa habilidade restritos a um universo bastante reduzido de militares. No final da década de 90 iniciou-se uma “abertura” do voo IFR e mais pilotos passaram a ser formados anualmente, propiciando para a Aviação um significativo avanço na segurança de voo e na operacionalidade. Todavia, na maneira como hoje é realizado, o Estágio de Voo por Instrumentos (EVI) exige uma quantidade relativamente grande de horas de voo para a formação do piloto e aeronaves que, nem sempre, estão disponíveis para a instrução, uma vez que estão voltadas para o cumprimento das missões operacionais dos seus batalhões.

Dessa forma, existiria outra maneira de preparar os pilotos da Aviação para as condições meteorológicas adversas a que estão sujeitos na atividade aérea?

Nessa análise, uma pergunta deve ser respondida primeiramente – O que vem a ser uma entrada IIMC? Segundo a Operations Navy Instructions of Department of Navy 3710.7 (OPNAVINST 3710.7), a qualquer hora do voo em que o horizonte não puder ser mais distinguido ou se as condições meteorológicas estiverem inferiores às especificadas para o voo VFR, a tripulação está em IMC. Isso significa que não é necessariamente a entrada em uma nuvem que vai caracterizar essa situação. Uma tripulação em um voo visual noturno em campanha, por exemplo, também pode se ver em IMC de forma inesperada – IIMC. A Associação de Helicópteros da Virginia, EUA, diz que IIMC é uma emergência não planejada e inesperada. Sim, mas o que se pode fazer então?

BILL RAMSEY, um ex-piloto de helicópteros do Exército Americano, no seu artigo intitulado Flight Into IIMC, narra que entrou inadvertidamente em IMC em quatro ocasiões durante a guerra, sempre conseguindo retornar em segurança ao voo VMC. Ele diz que isso só ocorreu pelo fato de ser um piloto com cartão IFR e estar com seu treinamento em dia e, porque em cada missão, ele tinha um planejamento para o caso de haver degradação das condições meteorológicas. Acrescente-se a isso o fato desses incidentes terem ocorrido em voos com óculos de visão noturna (OVN).

MICHAEL K. PHILLIPS, Oficial de Segurança de Voo da 57th Medial Company (AA), com 11 anos de experiência na atividade aérea, considera que a entrada inadvertida em IMC é uma “emergência autoinduzida por um erro do piloto”. Todavia ele admite uma possibilidade que foge a essa regra: quando a tripulação está em voo com OVN. Phillips reporta que as tripulações são treinadas para evitar a qualquer custo entrar inadvertidamente em IMC. Segundo ele. “Se o tempo está ruim, não voe”. “Se você decolou e o tempo degradou, dê meia volta e retorne ou pouse e espere o tempo melhorar” ou ainda, “se você é proficiente no voo IFR e entrou nessa situação, solicite passar para regras por instrumento ao órgão ATC”. Para Phillips o desejo de sucesso pode facilmente se tornar uma pressão para cumprir a missão. Essa pressão é, na maioria das vezes, autoinduzida e experimentada por pilotos, até mesmo, quando não possuem o cartão IFR.

O Exército Americano possui o Flight Regulations (Army Regulation 95–1 ou AR 95-1) que trata o procedimento a ser adotado em uma entrada inadvertida em IMC, como um procedimento de emergência – um plano de contingência. Segundo o AR 95-1 o que deve ser feito é a descida por instrumentos baseada em um procedimento IFR padrão, civil ou do Departamento de Defesa Americano (DOD/U.S.). Na falta desses, deve ser utilizado um procedimento GPS de emergência previsto nos Aircrew Training Manuals (ATM) (p38). Os ATM esclarecem cada etapa do procedimento a ser adotado, orientado passo a passo o que deve ser feito pelas tripulações. Na leitura do Aircrew Training Manual OH-58A/C KIOWA (TC 1-228), tarefa de número 1184 (p.4-61), pode ser visto que o padrão consiste, entre outros, em:

– Manter o controle da aeronave e realizar a transição para o voo IFR imediatamente;

– Iniciar a subida, imediatamente; e

– Cumprir as ordens do órgão ATC, a regulamentação local e os procedimentos de operação padrão.

Nas Normas de Voo do Fort Knox (Fort Knox Reg 95-1), no Kentucky, Estados Unidos, existem ordens específicas sobre voos em condições adversas de tempo e sobre entrada inadvertida em IMC (p.2-17). Entre outras, podem ser citadas:

– Quando as condições do tempo estiverem inferiores a 1000 ft de teto e 03 Station Miles (aproximadamente 4,5 km) o comandante da unidade ou da missão não deverá permitir o cumprimento da missão VMC a menos que as aeronaves atendam determinadas exigências, como estar equipada com equipamento de navegação necessário para cumprir um perfil de descida IFR, ter o procedimento de descida IFR a bordo e pilotos com cartão IFR e com HT “em cima”, e

– O comandante da unidade ou da missão deverá realizar um briefing detalhado dos procedimentos a serem adotados em caso de entrada inadvertida em IMC.

Mas é possível um treinamento voltado somente para resolver uma situação de IIMC? RALPH BUTCHER, que voa por instrumentos em aeronave de asa fixa desde a década de 60, explica que há um treinamento para entrada inadvertida em IMC. São cerca de 10 a 15 horas de voo somente voltado para a instrução IFR básica – scan do painel, interpretação dos instrumentos e controle da aeronave. Todavia, BUTCHER considera um treinamento bastante limitado. Ele aponta que esse tipo de treinamento faz com que o piloto se concentre demais nos instrumentos que mostram especificamente números – velocímetro, HSI e altímetro. Isso acaba se tornando um mau hábito uma vez que esses instrumentos, chamados primários, não devem ser prioridade no scan do painel em voo IFR.

Talvez nem somente o treinamento voltado para receber o cartão IFR seja o suficiente em uma situação IIMC. Segundo a Society of Aviation and Flight Educator (SAFE), o treinamento IFR se dá em condições conhecidas. Deparar-se com uma situação de IIMC apresenta ao piloto certos desafios que podem incluir a recuperação de uma atitude anormal, um terreno desconhecido com obstáculos à frente e uma deterioração crescente das condições climáticas para a qual o piloto não está preparado. A vantagem de um piloto com cartão de voo por instrumentos é que este já voou em condições adversas e, sob o ponto de vista da sobrevivência, terá melhores condições de manter o controle da aeronave, possibilitando salvá-la bem como a salvar a tripulação.

De fato, ter o cartão de voo por instrumento não é o suficiente para garantir a saída de uma situação IIMC. Segundo a U. S. National Transportation Safety Board (NTSB) um estudo junto ao serviço médico de emergência apontou que 13 de 15 pilotos envolvidos em acidentes relacionados com mau tempo tinham o cartão de voo por instrumento, todavia não estavam com suas habilitações “em cima”. Possuir o cartão de voo por instrumento, portanto, não assegura a capacidade a um piloto que não está com seu treinamento em dia de controlar a aeronave VFR em IMC.

De acordo com JULIANA GOH e com o Dr. DOUGLAS WIEGMANN, acidentes provocados por entradas inadvertidas IMC em voos VFR corresponderam a 19% dos acidentes da aviação geral nos Estados Unidos, entre 1970 e 1980. Entretanto, 72% desses acidentes foram fatais. Uma explicação para os pilotos continuarem a voar VFR em condições adversas de tempo, culminando com uma IIMC, é o excesso de confiança em suas próprias habilidades aliado ao fato de não considerarem de forma cuidadosa e abrangente os riscos de voar nessas condições. Outra causa a ser considerada é a pressão por trás da missão. A necessidade imposta pela Unidade Aérea ou a necessidade gerada pelo próprio piloto, são pressões, entre outras, que acabam surgindo e que podem levar a tripulação a um voo inesperado.

E quanto a atual situação da Aviação do Exército? Talvez esteja na hora de uma mudança de atitude no que se refere a esse assunto. Nas palavras do Maj JANUÁRIO, piloto com experiência e instrutor de voo por instrumentos, uma “nova sistemática de formação do piloto por instrumentos” seria uma ideia a ser pensada.

Basta verificar que, atualmente, o piloto ao concluir o Estágio de Voo por Instrumento (EVI) é declarado comandante de bordo IFR, ou seja, não existe uma gradação para se atingir essa habilitação. Além disso, o atual EVI é relativamente longo se observadas as oportunidades de voo de instrução existentes, o que traz como consequência um pequeno número de pilotos habilitados por ano. Acrescenta-se o fato de a formação ser exclusivamente nos modelos de emprego geral – Pantera, Cougar e Black Hawk.

Segundo a proposta do Maj JANUÁRIO, os pilotos fariam a Fase Teórica no CIAVEX (completa, com 60 tempos de instrução), em seguida a Fase de Instrumento Básico e a Fase de Instrumento Avançado no simulador ou no treinador sintético, também no CIAVEX, e, depois, fariam a Fase Real na aeronave, VMC, com capota (nos helicópteros de emprego geral, a fase poderia ser IMC). A próxima etapa seria a Fase Prática, constituída dos voos para a obtenção de marcas, com o intuito de tirar o Cartão de Voo por Instrumento (CVI) nível Comandante de Bordo para Voos por Instrumentos (CB IFR). Dessa maneira, a qualificação de piloto básico IFR (PB IFR) permitiria um ganho gradual de experiência para os pilotos desde o término do CPA bem como uma maior segurança para o CB IFR, que, quando em IMC, teria um piloto com HT instrumento ao seu lado.

Em síntese, os pilotos, a partir da formação no CPA, fariam regularmente voos IFR VMC sob capota ou IMC, em um intervalo determinado de tempo. As missões de voo por instrumento passariam a ser habilitações técnicas (HT) que deveriam ser mantidas “em cima” para todos os pilotos. Dessa forma, aumentar-se-ia a consciência situacional sobre a entrada inadvertida em voo por instrumento bem como, caso isso viesse a ocorrer, a tripulação estaria mais apta a lidar com o problema por estar familiarizada com a técnica necessária para esse tipo de voo e com o treinamento em dia.

Por fim, os chefes, em todos os níveis, não podem prever o tempo ou como um determinado indivíduo reagirá em face de uma entrada IIMC, mas esses líderes devem fazer todo o esforço possível para manter seus pilotos proficientes no voo por instrumento. Voar por instrumentos deve se tornar uma segunda natureza para o piloto. Através da formação consistente e da prática regular, o piloto pode desenvolver habilidades e confiança para estar em condições de voar por instrumentos com sucesso.


Referências Bibliográficas:

PHILLIPS, MICHAEL K. – What Do You Mean, They Went Inadvertent IMC? – Instrument Meteorological Conditions

Aircrew Training Manual OH-58A/C KIOWA (TC 1-228)

Aviation – Flight Regulations (Army Regulation 95–1)

Aviation – Fort Knox Flight Rules (Fort Knox Reg 95-1)

BUTCHER, RALPH– The decision to obtain an instrument rating is one you’ll never regret (flighttraining.aopa.org)

GOH, JULIANA e WIGMANN – Dr, DOUGLAS – Visual Flight Rules (VFR) Flight into Instrument Meteorological Conditions (IMC): A review of accident data.

JANUÁRIO – Maj Art, EMERSON ALEXANDRE – A formação do piloto IFR do Exército Brasileiro: proposta de uma nova sistemática.

NPRM Review and Recommendations – Society of Aviation and Flight Educators (SAFE) / [Docket No. FAA–2010–0982; Notice No. 10 – 13] January 10, 2011

OPNAVINST 3710.7

RAMSEY, BILL – Flight Into IIMC / Operations Research Systems Analysis / U.S. Army Combat Readiness Center

Virginia Helicopter Associaton – Inadvertent IMC


Fonte: Artigo publicado na Revista Pégasus Nº 16 do CIAvEx