Segurança Operacional na Aviação de Estado: Premissas e Paradigmas
27 de abril de 2017 8min de leitura
27 de abril de 2017 8min de leitura
LUIZ SÉRGIO ALVES
Capitão da Polícia Militar do Rio de Janeiro
Grupamento Aeromóvel (GAM) da PMERJ
A Segurança da Aviação tem evoluído de forma extraordinária, visando garantir a continuidade das operações aéreas e a manutenção em níveis aceitáveis de desempenho. Autoridades aeronáuticas mantêm suas atividades constantes como a atualização de regulamentos e a fiscalização da atividade aérea cujas ferramentas de gerenciamento estão cada vez mais consagradas, ampliando a prevenção de acidentes e permitindo um monitoramento das operações cada vez mais sólido e eficaz.
Nesse contexto, as organizações aéreas de Segurança Pública desempenham um papel de extrema relevância dentro da atividade aérea, ainda abrangidos pelo regulamento geral para Aviação Civil – RBHA 91 em sua subparte k, são responsáveis por cerca de menos de 2% das ocorrências aeronáuticas anualmente no território brasileiro, conforme dados do CENIPA.
A atividade aérea de segurança pública, realizada diuturnamente pelos órgãos da Aviação de Estado é repleta de desafios e riscos, como o sobrevoo a baixa altura, uma concessão na norma específica para atender às características próprias do voo policial e exatamente essas características de conveniência e finalidade do voo policial que pretendemos destacar.
Como profissionais da aviação e sobretudo, agentes da Lei, conhecemos profundamente a legislação aeronáutica e todas as suas possibilidades. Como servidores públicos e militares estaduais encarregados de fazer cumprir a Lei, em detrimento das necessidades operativas, em algumas ocasiões, como parte da missão de polícia e bombeiro, precisamos estar em locais onde ninguém gostaria de estar, isto é, sobrevoar locais críticos, onde se faz necessária a intervenção do Estado, representado ali pelos seus órgãos de segurança.
Desta forma, valemo-nos das prerrogativas dispostas na legislação para pousar em locais não homologados e não preparados, com riscos de colisão com obstáculos; realizar sobrevoo abaixo dos mínimos para as operações aéreas, dentre outras. Tais características potencializam o risco assumido e por isso, requerem um gerenciamento da segurança mais profundo e consistente.
Envolve uma gama de atividades fundamentalmente ligadas ao planejamento e monitoramento, se possível em tempo real, das condições de operação. Contudo, os conceitos de segurança operacional, de nada servem, se partindo do topo da organização em direção aos níveis de execução, não forem compreendidos.
O gestor de segurança depende da comunhão de fatores atrelados que podem, ou não, contribuir para a manutenção dos níveis aceitáveis de desempenho em segurança operacional, e um desses fatores, talvez o primordial seja a mensagem implícita que é passada diariamente diante das nossas atividades.
Quando realizamos um sobrevoo arriscando a segurança da tripulação sem necessidade, apenas por crer, que a missão policial já é mesmo arriscada e nada pode ser feito para mudar esse paradigma, estamos transmitindo uma mensagem clara de que a organização nem sempre estará alinhada à sua própria filosofia de segurança, ou seja, que ocasionalmente podemos expor a tripulação a risco em detrimento da missão.
O problema é que cada pessoa tem seus próprios conceitos sobre riscos e limites e esse ruído na comunicação cria uma lacuna perigosa para a atividade aérea.
Quando um piloto profissional de fórmula 1 compete esportivamente, extraindo de seu equipamento o máximo possível de rendimento, ele tem um objetivo claro e definido, ganhar a corrida.
Nesse processo há também um risco envolvido, o de sofrer um acidente e se lesionar severamente, até mesmo com risco da própria vida. Esse profissional assume o risco, porém, esse risco está repleto de itens mitigadores, como: regulamento para ultrapassagens; equipamentos de proteção de última geração; monitoramento em tempo real dos principais sistemas do veículo; suporte médico com atendimento no local.
Ou seja, no final das contas, computando todo o histórico de acidentes e traçando um comparativo com as ferramentas tecnológicas utilizadas na competição, ele avalia que pode assumir com segurança a responsabilidade/risco de competir em um veículo a velocidades extremas.
Da mesma forma, qualquer passageiro de transporte aéreo regular, sabe que por diversos fatores, as aeronaves podem se acidentar, mas embarca para sua viagem de férias sem pestanejar.
Tal fato se deve ao ínfimo número de acidentes deste setor da aviação em comparação com o número de viagens realizadas. No caso das operações aéreas de segurança pública, cabe ao gestor mensurar o risco assumido para a consecução daquela missão.
E em alguns casos, chegaremos a conclusão que o risco associado àquela missão extrapola nossa capacidade operacional ou até mesmo diverge da finalidade do voo policial, portanto, um risco que não devemos assumir.
A finalidade da Segurança Operacional é estimular o desenvolvimento e a manutenção das operações aéreas com segurança, e para isso utilizamos as ferramentas disponíveis para o gerenciamento da segurança.
Quando gerenciamos os riscos durante o planejamento de uma missão, contamos com as barreiras clássicas para evitar uma ocorrência aeronáutica, assim definidas por Hollnagel, E. (2004) como: “Equipamentos, construções, ou regras que são colocadas para interromper o desenvolvimento de um acidente”.
Quando falamos em desenvolvimento, é importante destacar que nos referimos a um processo contínuo e progressivo que se encontra em curso, e para tanto, precisamos considerar todos os possíveis fatores contribuintes.
Observando o modelo de acidente sistêmico, compreendemos que uma ocorrência aeronáutica pode emergir de qualquer um dos diversos processos rotineiros em curso em nossa organização, cujas barreiras tenham sido desprezadas.
Em uma análise superficial, uma organização aérea que cumpre os regulamentos; realiza seus treinamentos periódicos e utiliza modernos equipamentos aeronáuticos, que por si só, já são repletos de tecnologia embarcada, a princípio está atendendo todos os requisitos previstos conhecidos da doutrina de Safety.
Contudo, em uma análise mais profunda, dada a natureza da missão e as condições de risco do contexto operacional do voo policial, se por um lado, como dito, o simples cumprimento de regulamentos, treinamentos e uso de tecnologia, já atende os requisitos formais, por outro é preciso entender que um número cada vez maior de processos em curso, irá ampliar a possibilidade de eventos não desejados.
Tal como a teoria de hierarquia das necessidades de Maslow, onde na base da pirâmide encontram-se as prioridades básicas do ser humano, na aviação, a segurança pode também ser escalonada em níveis de prioridades, começando pela base, onde devem ser atendidos requisitos mínimos para seu desenvolvimento seguro, como: Cumprimento dos regulamentos; equipamentos adequados para as missões propostas; EPI’s em quantidade suficiente e espaço físico adequado a demanda operacional.
Satisfeito esse patamar de necessidades, temos os requisitos intermediários como qualificação para a missão, onde faz-se necessário que as tripulações estejam preparadas para executar aquele tipo de missão, já tendo realizado treinamentos específicos e possuindo larga experiência decorrente de outras missões em cenários semelhantes.
E por último, no nível mais elevado dessa escala, avaliar se o risco assumido está dentro do escopo de atuação da unidade, cabendo ao gestor avaliar se aquela missão, porventura não excede ou diverge da finalidade precípua da atividade aérea de Segurança Pública, cabendo mensurar se o risco a ser assumido para o cumprimento da tarefa realmente justifica o custo que será pago no caso de um insucesso, ou mesmo de um evento não desejado.
Sabemos que a atividade de gerenciamento da segurança operacional é um trabalho silencioso e constante de paciência e esmero, onde dificilmente conseguimos apontar qual medida implementada foi determinante para evitar uma ocorrência aeronáutica, porém, quando um evento indesejado acontece, é certo que nosso sistema de gerenciamento tem falhas, ou até mesmo uma grande janela de oportunidades.
Nesse aspecto, citamos as palavras do General George Smith Patton, Comandante do terceiro exército americano na segunda guerra mundial – “Um bom plano implementado hoje é melhor do que um plano perfeito implementado amanhã”, em suma, um plano razoável e exequível, implementado em tempo hábil pode salvar vidas, sendo mais eficaz que um plano perfeito que talvez nunca seja implementado.
O próximo acidente aéreo em nossa organização já está em curso, cabendo apenas protelá-lo o máximo possível em busca da utopia do acidente zero.
Tal assertiva, deve ser assumida como a busca contínua pela segurança em nossas operações aéreas, impedindo que nossa janela de oportunidades permaneça aberta e vulnerável ao acidente aeronáutico.
Referências:
Publicação autorizada pelo autor. Originalmente publicado na revista O Águia. Foto: Guto Maia - Concurso de Fotografia Piloto Policial 2013.
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