Rio de Janeiro – A crise no estado está afetando em cheio a segurança pública do Rio. Enquanto a ordem do dia é economizar, um caso vem chamando a atenção pelo desperdício. Num documento datado do último dia 24 e obtido com exclusividade pelo GLOBO, a Subsecretaria Militar da Casa Civil determina que os helicópteros da Polícia Civil abasteçam somente no Aeroporto de Macaé, no Norte Fluminense, a cerca de 160km da capital.

Para chegar lá, uma aeronave demora cerca de 1h. Como a autonomia de voo do modelo Esquilo é de 3h40m, sobra cerca de duas horas para uma eventual operação policial. O uso exclusivo da Jetfly Revendedora de Combustíveis Ltda tem motivo: ela é a única empresa que está aceitando fornecer combustível ao estado, num momento em que o Executivo tem atrasado pagamentos. Após ser acionada pelo GLOBO, a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança informou que o abastecimento foi retomado ontem no heliponto da Lagoa.

Um dos helicópteros da Polícia Civil que não levantam voo: faltam peças para o aparelho, que está parado há dois meses no heliponto da Lagoa, e não há liberação de recursos para que sua manutenção seja feita. - Vera Araújo / Agência O Globo

A situação fica ainda mais crítica porque, dos três helicópteros da Polícia Civil, só um está funcionando. O Bell Huey II, conhecido como “caveirão” ou “sapão”, o único blindado da corporação, usado em operações de risco, está parado há dois meses num canto do heliponto da Lagoa. Não voa por falta de peças, e não são liberados recursos para sua manutenção. Custou R$ 8,1 milhões. Outro aparelho que não está levantando voo é o Esquilo AS 350 B3 (2008), avaliado em R$ 6 milhões.

Até ontem, o único em funcionamento era o Esquilo biturbina AS355N, cujo valor é estimado em R$ 2,7 milhões. Foi repassado à polícia em agosto de 2013, após um escândalo envolvendo o ex-governador Sérgio Cabral, que fazia viagens em helicópteros do estado com a família, a babá dos filhos e o cachorro de estimação para sua casa em Mangaratiba.

CONTRATO DE MANUTENÇÃO EXPIROU QUINTA-FEIRA

Outro problema é que o contrato para a manutenção dos helicópteros expirou na quinta-feira. Nesse dia, a corporação não pôde ter apoio aéreo nem mesmo para uma operação nos morros do Lins de Vasconcelos, na tentativa de localizar bandidos que haviam assassinado, um dia antes, no Méier, o agente da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) Fabiano Ribeiro Beseda Rodrigues.

O chefe de Polícia Civil, delegado Fernando Veloso, lembrou que a última grande operação em que a corporação usou um helicóptero foi na caçada ao traficante Nicolas Labre Pereira de Jesus, conhecido como Fat Family, no último dia 26. Ele e dois cúmplices foram mortos numa ação da Core no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. Para Veloso, nenhum policial foi ferido justamente porque a aeronave guiou o grupo por dentro de uma área de mata.

— A falta de uma aeronave compromete o êxito das operações e submete os policiais a um risco extremo. Há situações em que a única forma de evitar emboscadas é usar equipes táticas se deslocando de helicóptero. Isso dá mais segurança às ações, aliviando a pressão sobre os policiais — disse o delegado. — A matemática é simples: com poucos recursos, a polícia trabalha menos. Com os recursos contingenciados, a atividade policial pode se tornar inviável em algumas situações.

Atualmente, o governo do estado dispõe de 20 aeronaves, das quais nove são da PM e três da Polícia Civil. As outras oito pertencem à Casa Civil (quatro), ao Corpo de Bombeiros (três) e à Secretaria estadual de Saúde (uma). Com exceção dos helicópteros da PM, abastecidos no Grupamento Aeromarítimo (GAM), em Niterói, todos os outros precisam fazê-lo na Jetfly, em Macaé.

Outras revendedoras, com pontos de abastecimento na capital, já foram contratadas pelo estado para fornecer combustível. Licenciada da Shell, a Raízen, por exemplo, suspendeu no mês passado o fornecimento, porque não teve seu contrato renovado. A empresa tinha locais de abastecimento no Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão) e no heliponto da Lagoa.

A Polícia Militar não disse quantos helicópteros estão sendo usados. Uma fonte afirmou, no entanto, que, das nove aeronaves da corporação, três passam por manutenção rotineiramente e que não há problemas de abastecimento. Em nota, a PM informou que, “desde janeiro, vem fazendo necessários ajustes e adotando medidas administrativas para otimizar recursos disponíveis e ultrapassar este momento de crise financeira do estado, sem que haja prejuízo na prestação de serviços”. Já a Casa Civil, que dispõe de quatro aeronaves, disse que todas estão aptas a voar, mas que vêm sendo pouco utilizadas, como medida de contenção de despesas.

O estado dos blindados terrestres da Polícia Civil também preocupa. Dos seis veículos, inclusive dois adquiridos há três anos na África do Sul, apenas três funcionam. A situação dos Paramount Mavericks sul-africanos é a mais grave. Por serem modelos com uma tecnologia eletrônica sofisticada, seu conserto é complexo. Por isso, a solução tem sido retirar peças de um para colocá-las no outro, prática conhecida como “canibalismo”. Um dos Mavericks está com pneus furados e em péssimas condições. O que está em uso não parece muito melhor: seus vidros estão trincados por tiros e o revestimento de aço tem ferrugem e pontos retorcidos.

A Secretaria de Segurança, que escolheu o modelo também para a PM (a corporação tem seis deles), informou que a empresa quebrou o contrato e não criou uma oficina no Rio para fazer a manutenção dos blindados. O acordo está sendo revisto. Segundo o órgão, com a crise econômica, não há dotação orçamentária para pôr os veículos em funcionamento. O blindado foi anunciado à época da aquisição como um dos melhores equipamentos para o combate ao crime, por ser capaz de suportar disparos calibre 7,62.

— O que nos preocupa é: e quando acabarem as peças do outro blindado? — perguntou um policial que não quis se identificar.

DOIS BLINDADOS SÃO MANTIDOS POR EMPRESAS

Um dos blindados da Polícia Civil que estão parados à espera de conserto: pneus arriados. - Vera Araújo / Agência O Globo Enquanto isso, o jeito é recorrer ao setor privado. Dois dos blindados da Polícia Civil são mantidos por empresas. O Sindicargas, por exemplo, faz a manutenção do caveirão da Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (DRFC). Mesmo assim, como são antigos, quebram com frequência dentro de favelas, pondo em risco a vida dos policiais. Os blindados enguiçam tanto, que ganharam até o apelido de “maestro” (a cada esquina, um “conserto”).

Vice-presidente do Sindicato dos Funcionários da Polícia Civil, Álvaro Luiz do Nascimento afirma que, apesar da crise financeira, há problemas de gestão que têm agravado as dificuldades enfrentadas pela corporação.

— Não há manutenção porque os convênios acabaram. Foi só para mostrar na Copa e na Olimpíada. Mesmo durante a Olimpíada, já havia equipamentos parados. A polícia está totalmente sucateada — lamentou Nascimento, acrescentando que também há falta de munição.

Em Campo Grande, no Regimento de Polícia Montada (RPMont), os tratadores dos cavalos da PM também têm sentido a crise no seu dia a dia. O estoque dos alimentos dos animais, que chegava a dar para dois meses, está sendo reposto agora de 15 em 15 dias.

— Ainda está dentro do prazo para que a gente possa trabalhar. Mas já houve casos de atraso na entrega, e aí tivemos que fazer uma redução (da alimentação). Nada preocupante. Com toda as dificuldades por que o estado está passando, não temos deixado faltar alimentação para os nossos animais. Se algum dia esses animais passarem por alguma necessidade, vamos fazer barulho — disse um tratador, sem se identificar.

A Secretaria de Segurança informou que o problema da alimentação dos cavalos está sendo resolvido.

Fonte: O GLOBO, por Guilherme Ramalho e Vera Araújo.