Operação com Guincho – Estudo de Caso
08 de junho de 2013 11min de leitura
Aircraft Accidente Report No 93-017. Acidente ocorrido em 14 de novembro de 1993, em Tasman Sea, North Island, New Zealand, com a aeronave Bell 212, com duas vítimas fatais.
Em 12 de novembro de 1993, um exercício de operação de guincho sobre a terra foi realizado envolvendo 05 homens de resgate de uma mesma companhia. O exercício durou aproximadamente três horas e transcorreu sem problemas.
Às 08h00 do dia 14 de novembro, os mesmos participantes do treinamento do dia 12 se reuniram na sede da companhia para o briefing de um treinamento para içamento tipo “convés”. O briefing foi conduzido pelo tripulante mais experiente na operação com guincho, incluindo um vídeo de segurança e demais discussões sobre o tema. Nenhum dos dois pilotos, um dos quais também era operador do guincho, participou do briefing preliminar. O piloto mais antigo estava ciente do programa de treinamento e estava familiarizado com os tópicos discutidos em briefing.
A aeronave decolou da base às 09h25. As três primeiras surtidas duraram aproximadamente 30 minutos cada, realizando cerca de 24 ciclos de guincho sem nenhum problema.
A quarta surtida envolveu um homem de resgate experiente e uma vítima, que também era homem de resgate. Após a decolagem da base, a aeronave estabeleceu comunicações com a embarcação onde seria feito o treinamento, que estava a 2 NM da costa com velocidade de 2 Kt. O vento estava de proa com a embarcação e era de 120º, com 30 kt. O mar estava com ondulações médias de 13 a 16 pés, segundo estimativas do piloto do helicóptero.
A bordo do helicóptero estavam o “piloto voando”, o operador do guincho (que também era piloto de Bell 212), o homem de resgate, a vítima e um observador (que também era “Homem-SAR” treinado). A comunicação da cabine ficava em “Hot-Mic” durante toda a operação, pois isso permitia que o operador utilizasse as duas mãos na operação.
A primeira manobra após a aproximação para a vertical do convés foi o baixamento do resgateiro e da vítima para o centro do convés, num pairado de cerca de 33ft acima da popa do navio. A próxima movimentação seria o recolhimento do “Homem-SAR” com a maca vazia para o interior do helicóptero.
O helicóptero permaneceu pairado na posição durante todo o ciclo. O piloto preferiu manter a posição sobre o navio, mesmo quando autorizado pelo operador do guincho a se afastar.
Quando o “Homem-SAR” embarcou no helicóptero com a maca, ele conversou rapidamente com o operador e pediu que fosse solicitado ao piloto para permanecer “on station” (na posição) na próxima vez que fosse içado com a vítima para o helicóptero. O operador transmitiu essa solicitação como se fosse um pedido para permanecer sobre o navio durante o içamento e o piloto concordou. – Nesse trecho observa-se certa despadronização na linguagem, restando dúvida sobre o que foi solicitado. A solicitação foi para permanecer na posição prevista (on station) ou manter a posição do pairado sobre o mesmo ponto??
Após o tráfego de treinamento, o homem de resgate foi então baixado até o convés da embarcação. Após o “resgateiro” ter chegado ao deck, pelo menos, 49 ft de cabo ficaram espalhados pelo no chão. Esse excesso anormal de cabo espalhado pelo deck foi proposital para compensar o balanço do navio, evitando que o “resgateiro” ficasse pendurado ou fosse arrastado devido ao movimento. Enquanto cedia mais cabo, o operador chegou a perder o contato visual com o resgateiro e percebeu que foi cedido mais cabo do que ele tinha comandado. Isso foi suficiente para ele comunicar ao piloto, “posso estar tendo um disparo do guincho” ou palavras com esse efeito.
O manual de procedimentos utilizado pela companhia especificava que, se o operador de guincho não conseguisse controlar o cabo, ele deveria informar “disparo para cima/baixo” (maneira padronizada). O operador avisou ao piloto que, de maneira geral, tinha ocorrido um disparo. Em resposta ao operador, o piloto desligou a chave do guincho, conforme previsto no manual de procedimentos. No entanto, no manual não havia nada previsto sobre que deveria ser feito após o desligamento do guincho.
Tanto o manual do operador como o do fabricante concordavam que nenhuma operação com o guincho deveria ser executada após uma falha. No evento, o piloto restaurou a energia do guincho após a concordância do operador. O operador afirmou que, após o religamento do guincho, ele mesmo verificou que o pendante funcionava normalmente.
Após o recolhimento do cabo excessivo, o homem de resgate conectou a maca ao guincho e sinalizou para o operador, pois ambos estavam prontos para o recolhimento. Os dois foram erguidos do convés pela aeronave e, na sequencia, começou o içamento. O operador não incluiu o “livre deslocamento à esquerda” (procedimento que era padronizado) porque o piloto já havia concordado em manter sobre o navio. O procedimento previsto seria a retirada na vertical do “Homem-SAR” com a vítima pela aeronave para a verificação do C.G. e, quando tudo estivesse de acordo, o piloto autorizaria o início do içamento.
O piloto manteve o pairado a 50 ft sobre o convés durante todo o procedimento. Quando os elementos içados chegaram próximos à porta da aeronave, por já estarem corretamente alinhados com a posição de entrada na cabine, o operador não fez uma pausa no recolhimento do cabo. A pausa do recolhimento do cabo só seria feita caso houvesse a solicitação por parte do “Homem-SAR”, o que não foi observado pelo operador. O operador afirmou que teve a iniciativa de parar o recolhimento do cabo mesmo sem a sinalização do “resgateiro”, no entanto, o enrolamento do cabo continuou. O sinal para parar o recolhimento do cabo, embora esperado pelo operador, não é obrigatório, devendo haver a parada do recolhimento antes do conjunto do gancho encostar no batente do guincho, que acionaria uma das “switch” de parada automática do recolhimento.
O enrolamento do cabo continuou mesmo com o batente do guincho sendo alcançado e, após aproximadamente 2 segundos, ocorreu a ruptura do cabo. A queda dos tripulantes ocorreu exatamente sobre o convés da embarcação, tendo como consequencia duas vítimas fatais.
ANÁLISE
Os investigadores do acidente encontraram evidências que mostram que a força do cabo já tinha sido degradada devido à abrasão interna. Em áreas do cabo onde ocorreram pequenas torções, era evidente o desgaste encontrado. A ruptura do cabo ocorreu a cerca de 30 centímetros do gancho. Embora presente, todo o desgaste verificado fato não foi contribuinte direto para o acidente.
Para a correta analise deste acidente, algumas considerações sobre o guincho devem ser feitas:
1) O guincho em questão tinha uma série de recursos de segurança projetados em sua fabricação e operava com uma velocidade normal de 150 ft/min. Deve-se observar que fazer o recolhimento do cabo com velocidade máxima e subitamente parar, especialmente com peso aplicado, impõe estresse a mais no cabo o que eventualmente degrada sua integridade.
2) O fabricante do guincho projetou um mecanismo de segurança que diminuiria automaticamente a velocidade de recolhimento do cabo próximo ao seu final. Com 20 ft de cabo para a posição totalmente recolhida, a velocidade seria reduzida em 50 % (75 ft/min) e com 2 ft para a posição completamente recolhida a velocidade deveria ser recolhida para 15 ft/min.
3) Quando o gancho encostasse no batente do guincho, isso acionaria outras duas “microswiches” em sequencia que interromperiam o fornecimento de energia para o motor do guincho. Se, apesar de todos esses sistemas, o guincho continuasse a enrolar a uma velocidade máxima, a resistência equivalente a um terço da capacidade máxima do mecanismo acionaria um sistema de embreagens que também cortaria a energia fornecida ao conjunto.
Neste acidente, a investigação revelou que os circuitos do guincho apresentaram um curto devido a uma falha de dois transistores na caixa de controle de energia. A falha dos transistores provocou uma falha no pendante do operador e também causou a ineficácia do sistema de sobrepujamento do controle dos pilotos. A falha dos circuitos também desativou os dois redutores de velocidade e os dois sistemas de desativação do motor no batente do guincho. Nesse caso, a única maneira de parar o guincho seria com o desligamento do mesmo pelos pilotos (colocação do interruptor “power switch – off”).
A pesquisa para a investigação revelou ainda que o manual do operador de guincho possuía algumas recomendações que, se tivessem sido cumpridas, mitigariam as consequências do acidente:
Recolhimento de cabo
Com a aeronave posicionada na vertical da vítima, o operador comanda a subida vertical da mesma até que o homem de resgate (com a maca e vítima) fiquem pouco acima do solo para a verificação do C.G. da maca. Neste ponto, satisfeito com o CG, o piloto comanda o “livre içamento”. O operador do guincho inicia o içamento e comanda “livre para frente e para baixo”, ao mesmo tempo que obedecendo o comando, o piloto comanda a aeronave para a frente e para baixo suavemente, evitando que o homem sar fique suspenso a uma altura da qual não se machuque com gravidade se cair.
Içamento sobre convés
O procedimento prevê que (exceto caso hajam obstáculos que impeçam o deslocamento com pessoal no guincho) o operador deve posicionar o helicóptero para a esquerda, livrando o convés da embarcação. Estando em área livre de obstáculos, sobre a água, o helicóptero deslocará para frente e para baixo durante o içamento.
(Fonte: Transport Accident Investigation Commission, New Zealand)
O manual do operador, na parte sobre emergências, alerta sobre as consequências de se deixar o guincho ser recolhido até o batente com velocidade total: “Toda operação com guincho deve ser conduzida sem ter confiança total nas “switch” de desligamento”, e alerta ainda sobre a possibilidade de se causar dano ao cabo com a parada imediata (ao tocar nas “switch” de desarmamento) com velocidade total.
O manual também alerta que, em treinamento, não é aconselhável erguer pessoal com guincho a uma altura superior a 15 ft do solo.
A investigação concluiu ainda que, caso as recomendações de segurança do manual tivessem sido cumpridas, os danos ao pessoal envolvido seriam limitados aos danos de uma queda de 15 ft de altura sobre a água.
POTENCIAIS ARMADILHAS
Existem inúmeras armadilhas associadas à operação com guincho. Pela natureza da atividade, a utilização do guincho para resgate, por exemplo, raramente é uma operação simples, em dias ensolarados e sem vento. Também, entre 35 e 175 ft de cabo extendido, a operação do helicóptero fica exatamente dentro da curva do homem morto. Entretanto, a prudência nos diz que só devemos permanecer nessa situação durante o tempo necessário para a conclusão da tarefa.
Maneiras de evitar ou, pelo menos, mitigar as consequências de um desastre em potencial:
1) Cuidados e manutenção do equipamento: Cuidado com o cabo do guincho é fundamental. Grande parte dos cabos de guincho tem o limite de carga de duas pessoas (aproximadamente 600 lb). Entretanto, o cabo é projetado para suportar até três vezes o valor máximo estipulado pelo fabricante. As causas de deterioração do cabo incluem torções, interrupções bruscas de içamento com grande quantidade de carga presa e o recolhimento do cabo até o limite com velocidade máxima. Os guinchos atuais possuem redutores automáticos de velocidade que minimizam o último problema citado. Os fabricantes determinam a frequência das inspeções, visando manter a integridade do material.
2) Padronização de procedimentos: Procedimentos padronizados devem existir e serem seguidos. Pilotos e operadores devem ter suas tarefas individuais, entretanto, toda a tripulação deve agir como um corpo único. As palavras, frases, termos e unidades de distância usados pelo operador devem significar o mesmo para toda a tripulação – devem ser padronizados para evitar confusão. Por exemplo, nunca dizer “guincho para baixo” ou “guincho para cima”, pois a primeira palavra pode ser entrecortada e gerar dúvida . O piloto pode entender que o helicóptero deve descer ou subir de acordo com a orientação. Confusões entre os tripulantes podem aumentar o
tempo gasto no trabalho, aumentando o risco da operação.
3) Treinamento correto: O treinamento deve ocorrer em circuito padronizado e então ser modificado apenas em situações reais. Alguns manuais dizem que os homens presos ao guincho não devem ficar pendurados a uma altura superior a 15 ft. Em situações reais, pode ser necessário que os homens de resgate fiquem expostos a alturas superiores a 100 ft, no entanto, nada justifica acidentes fatais causados por riscos assumidos desnecessariamente em treinamento.
Bibliografia: Whyte, Greg. Fatal Traps for Helicopter Pilots. New Zealand: Reed Publishing, 2003.
Texto traduzido e adaptado do original pela Seção de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos do Quinto Esquadrão do Oitavo Grupo de Aviação (5°/8°GAV). Cap Av Fernando: [email protected] ou 3220-3563. Texto publicado no Boletim Informativo de Segurança Operacional.
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