História da Aviação da Força Pública Paulista – Parte 3
15 de agosto de 2012 12min de leitura
15 de agosto de 2012 12min de leitura
O Paraquedismo na Força Pública do Estado de São Paulo
O artigo anterior focalizou a quarta etapa da história de nossa aviação, existindo um grande compasso de espera para a etapa seguinte, a quinta, pois, com a derrota de São Paulo, perdemos, como já foi descrito, o Campo de Marte e os Quartéis de Itapetininga e do Glicério, como presas de guerra.
Com o decorrer dos anos, o Governo Federal devolveu a São Paulo os dois quartéis, continuando de posse de grande área do Campo de Marte, ocupado, nos dias de hoje, pelo Parque da Aeronáutica, do 4º Comando Aéreo da Força Aérea Brasileira.
Uma pergunta, talvez, o leitor queira fazer: Como e por que a Força Pública possuía um Núcleo de Paraquedistas?
Resposta: Em 1950, um civil de nome Wolfrado Rodrigues, diplomado pela Escola de Paraquedismo de São Paulo, procurou, no 7º Batalhão de Caçadores de Sorocaba, o oficial de dia, dando a ideia da fundação de um grupo de paraquedistas naquele batalhão.
Tomadas, por termo, todas as informações do referido senhor, mandou o comandante o processo para a devida apreciação da Diretoria Geral de Instrução, no qual a ideia foi bem acolhida, resolvendo o Cel. Diretor propor ao Comandante Geral a sua aprovação, formando-se, pois, o Núcleo de Paraquedismo, não em Sorocaba e sim na própria capital.
Colaborou e muito, o Ten. Milton Cyríaco de Carvalho, do Quartel General, conseguindo formar já a primeira turma, pela Escola de Paraquedismo Civil de São Paulo, situada no Campo de Marte, no ano seguinte, constituindo a quinta etapa, desta brilhante história.
Outro oficial que deu muito impulso foi o Cap. Adauto Fernandes de Andrade que, na época, servia no gabinete do Dr. Erlindo Salzano, vice-governador do Estado. Sendo também o Dr. Salzano um oficial do nosso Corpo Médico, o entusiasmo de ambos conseguiu do Dr. Adhemar de Barros (Diretor da Aerovias Brasil) todo o apoio moral e material, autorizando que os alunos se utilizassem de seus aviões e de DC-3 da Vasp, determinando, ainda, a compra de 20 paraquedas modernos para a Corporação.
As aulas teóricas eram dadas na Escola de Paraquedismo Civil do Estado, no Campo de Marte e, na parte prática, para a obtenção do brevê eram obrigatórios cinco saltos.
Várias publicações nos Boletins Gerais do Quartel General autorizaram os referidos saltos; por curiosidade transcrevemos um deles:
Núcleo de paraquedista – execução de salto: (Bol. Geral nº 97, de 5/5 e Reg. nº 82, de 11/5) – Foi público que no dia 26/04/1953, em Porto Ferreira, neste Estado, os alunos executaram os 4º e o 5º saltos de paraquedas usando os automáticos, os elementos matriculados no Curso de Paraquedista da Força Pública, tendo dirigido os saltos, o Cap. Adauto Fernandes de Andrade.
O entusiasmo aos poucos foi arrefecendo, faltando verbas para a compra de novos e modernos equipamentos mas, um ponto do seu roteiro glorioso, é bom que o leitor se delicie com o artigo abaixo, extraído do livro: Clarinadas da Tabatinguera, no qual é relatada a história do…
Capitão Djanir Caldas – duas loucuras
A tragédia do avião President da Pan American
Era o dia 29 de abril de 1952, quando o mais moderno avião de passageiros do mundo, da Pan American denominado President, sobrevoava de madrugada a selva amazônica, com 60 criaturas humanas, entre tripulantes e passageiros.
Ali estavam brasileiros, norte-americanos, paraguaios, argentinos, homens e mulheres, adolescentes e crianças unidos pelo destino, para escreverem a mais trágica página que a aviação tinha registrado em plagas sul-americanas, até aquela data.
Seriam 4 horas e tudo ia bem a bordo do quadrimotor. As comunicações com a torre procediam-se normalmente e, quando o rádio silenciou, foi para sempre, levando para a incomensurável profundeza da selva, dezenas de almas.
Não havia dúvidas para as autoridades brasileiras e norte-americanas, que sobrevoaram o local, sul do Estado do Pará, de ser humanamente impossível haver sobreviventes, bem como ser impraticável o salto de paraquedas. Este pensamento foi, posteriormente, superado pela coragem de 14 paulistas, 7 da então Força Pública e 7 do Clube de Paraquedistas Civis.
Cerca das 15h, do dia 7 de maio, um DC-3, da Aerovias Brasil, cedido pelo grande político Dr. Adhemar de Barros, levantou voo do Campo de Marte, deixando os ceus nublados de São Paulo, pousando em Porto Nacional, para a sublime missão. Comandava os paraquedistas da Força Pública, o Cap. Djanir Caldas, sendo sua missão apenas de oficial de ligação com as autoridades (havia oficiais superiores nossos e da Aeronáutica), no entanto, nesse dia 7, apresentou-se ao Cel. Ex. Ribamar de Miranda, seu Comandante e o diálogo se fez:
– Senhor Coronel, eu vou saltar com os meus soldados.
– O senhor é paraquedista capitão?
– Não senhor. Nunca vi um paraquedas.
– Então, o senhor não pode saltar.
– Senhor Coronel, não posso deixar que meus soldados saltem na floresta virgem e fiquem sozinhos, sem um oficial presente. Isso nunca aconteceu na história da Força Pública.
– Mas é uma temeridade Capitão Djanir, não posso e não devo dar essa permissão.
– Então, senhor Coronel, eu me licencio da Corporação e saltarei como civil voluntário e serei o único responsável pelo que me acontecer. Firmarei um documento nesse sentido.
Este último argumento foi aceito pelo Cel. Ribamar, pois não foi possível demovê-lo de sua obstinada intenção.
No dia 11, o DC-3 sobrevoou o local exato do salto, baixou a 300 metros, reduzindo a velocidade. Os paraquedistas expiaram pela janela e viram aquele oceano verde estender-se ao infinito e quase certo que tiveram medo. Treme carcaça…
Talvez, naqueles segundos, tenham vindo à lembrança as estórias terríveis da Amazônia: índios bravios e antropófagos, feras descomunais, formigas gigantes, árvores e insetos carnívoros, areias movediças… mas, ali estavam, com as consciências voltadas com o dever a cumprir, e uma força inabalável os impulsionava para o salto naquele inferno verde – a força misteriosa da solidariedade humana.
Djanir contou-me, na ocasião:
“Que alguns soldados já haviam saltado e quando se abriu a porta do DC-3, para que eu saltasse, senti um vento forte no meu rosto, que ficou insensível, como se estivesse anestesiado. Num relance fiz o sinal da cruz, pensei carinhosamente em minha esposa, esperando nosso segundo filho, na minha filhinha querida e me projetei no espaço; toquei emocionado o chão paraense com alguns arranhões e a alma sôfrega. Em pouco tempo, reunimo-nos para o trabalho penoso de construir um heliponto. Fizemos mais, limpamos o terreno em grande extensão, o que permitiu também o pouso de aviões pequenos. Tudo isso, fizemos com nossos facões, nossos músculos e nossa força moral e espiritual”.
A repercussão do feito heróico ultrapassou nossas fronteiras, os jornais americanos projetando o salto dos nossos 14 paraquedistas, destacando a loucura divina do Cap. Djanir Caldas, que recebeu, com todos os seus companheiros, as condecorações e medalhas, ressaltando a nobreza da solidariedade humana.
O Governador do Estado, Lucas Nogueira Garcez, decretou a promoção de todos os militares ao posto imediato por ato de bravura. Rápida foi a promoção dos 7 praças paraquedistas, providência cumprida pelo Comandante Geral da Força Pública. Mas, a promoção de oficial era competência do governador. O processo demorou demais e, quando tudo estava nos conformes, o Governador era Jânio Quadros que, enfurecido pela projeção política do seu adversário Adhemar de Barros, ordenou a presença de Djanir em seu gabinete.
Bem com a vida, despreocupado, Djanir rumou aos Campos Elíseos e, qual não foi sua surpresa desagradável quando Jânio, desvairado, com o dedo em riste, vociferou contra ele, em tom ameaçador. Djanir, imperturbável, quedou-se em silêncio, até que Jânio findasse aquele extenso palavreado estúpido e desenfreado.
Calmo, com a postura espartana, revidou enfaticamente ao Governador:
– Vossa Excelência não está me ofendendo. Vossa Excelência está ofendendo a minha Corporação, a farda honrada da Força Pública. Como oficial, não admito tal ofensa.
Jânio, extravasando seu ódio, não o promoveu, desrespeitando o decreto do Governador Garcez, determinando, ao Comandante da Força Pública, que transferisse Djanir para o Batalhão mais distante da capital, como castigo.
Outra loucura de Djanir: era ele o capitão mais antigo da Corporação e sua promoção, certamente, ao posto de major, se daria em agosto. Ele não cumpriu a ordem de transferência e, tão pouco, se ligou para o perigo de ser submetido a julgamento no Tribunal Militar, pelo crime de desobediência ao Governador e, quando um oficial superior, com escolta, chegou à sua residência, com ordem de conduzi-lo preso ao Quartel General, Djanir, com a maior calma do mundo, entregou-lhe um requerimento solicitando demissão das fileiras da Força Pública.
Que personalidade fortíssima! Jogou fora quase 30 anos de serviço e os vencimentos de major e seria tenente coronel, com certeza, pelo decreto do ato de bravura. Quem teria coragem de tanta loucura?
Tudo isso, fielmente relatado, foi depoimento seu, quando era elaborado o livro O Salto na Amazônia. Com tristeza, o autor soube de sua apertura financeira, a preocupação e o zelo com sua família, o abandono e o esquecimento de muitos amigos. Djanir empregou-se no Mackenzie, como professor de química, depois de vencer forte competição.
Milagrosamente, o Dr. Adhemar de Barros foi eleito Governador para o quatriênio 1960-64 e, já conhecedor da grande injustiça de Jânio Quadros, determinou ao Comandante da Força Pública, que desarquivasse e lhe mandasse o processo referente a Djanir, pois sua intenção era promovê-lo, resgatando tamanha maldade.
No entanto, a ordem não foi cumprida de imediato, precisava de autuação de vários documentos, revisão de datas, aquela burocracia tremenda! Passou o primeiro ano e nada, veio o segundo ano e nada feito, o processo evoluía somente de gaveta a gaveta, de gabinete a gabinete, de seção a seção e nada, a máquina emperrava, a burocracia era complicada demais e misteriosa (a bem da verdade é preciso que se diga, que houve negligência e, porque não afirmar, sabotagem de colegas, enciumados e invejosos…).
No último ano de seu governo, Adhemar se desesperou, bateu duro na mesa, ordenando que lhe trouxessem o processo com urgência e, quando sua ordem estava sendo cumprida, em 2 de julho de 1966 ele, Adhemar de Barros, foi cassado politicamente pelo Presidente Castello Branco.
Quando tudo parecia perdido, surgiu um anjo da guarda, acidentalmente; Djanir encontrou-se com o Dr. Paulo Pestana, Delegado de Classe Especial da Polícia Civil, seu grande amigo e admirador, na época Secretário de Turismo do Estado que, conhecedor de tantas injustiças sofridas pelo heróico e louco “paraquedista”, contou ao Governador Roberto de Abreu Sodré toda essa história novelesca.
Emocionado, Sodré, depois de legalizado todo o processo, promoveu Djanir a tenente coronel em 1967, 15 anos depois da tragédia do avião President.
Agora, com os vencimentos de tenente coronel, ele pode dar o conforto pleno à família, mas não deixou o Mackenzie, continuou trabalhando e, mercê de sua capacidade de trabalho, inteligência e cultura, aliados aos valores éticos, galgou postos de chefia naquela famosa universidade.
Mas, um fato novo deveria acontecer, para encher de alegria e orgulho toda a família e seus leais amigos. O livro histórico O Salto na Amazônia caiu nas mãos de um jovem e talentoso advogado, o Dr. D’Asti de Lima, que o anexou a um processo, reivindicando a promoção por ato de bravura, como havia decretado o governo Garcez, em 1952.
A ação judicial do Dr. D’Asti foi vitoriosa, promovendo Djanir a coronel, em 1991, sendo então cumprido aquele decreto estadual de 1952, apenas… 39 anos depois!!!
Nota 1: as imagens reproduzidas neste post atestam o dever bem cumprido dos paraquedistas de São Paulo, que na ocasião foram considerados loucos mas, na verdade, foram, pensamos nós, os precursores do PARASAR, organismo de elite, composto de paraquedistas da Força Aérea Brasileira, que tem cumprido sua missão nos mais distantes pontos do território nacional, colaborando em calamidade de outros países, vivendo páginas de glórias onde quer que haja uma vida a salvar!
Nota 2: O Campo de Marte pertenceu, em toda a sua extensão, à então Força Pública, onde eram realizados, como já vimos, os treinamentos e desfiles da tropa. Com o correr dos anos, ele fragmentou-se, aquartelando, nos dias atuais, o Parque da Aeronáutica da FAB, Escolas de Aviação, de helicópteros, inclusive a da Polícia Civil, de Paraquedista e outras Repartições do Estado. Aquartela também o Grupamento Aéreo da PM, com seus Águias, o cartão de visita da Corporação. É a sexta etapa da presença nossa no histórico Campo. E temos a certeza de que o Grupamento veio para ficar.
Leia aqui a primeira História da Aviação da Força Pública paulista
Leia aqui a segunda parte da História da Aviação da Força Pública paulista
Sobre o autor:
Coronel PMESP Edilberto de Oliveira Melo
Nasceu em 1920, em Bofete, no interior de São Paulo. Diplomou-se em 1938 na Escola Normal Peixoto Gomide, em Itapetininga. Ingressou como soldado na Força Pública em 1939. Declarado Aspirante a Oficial em 1944 pela primeira turma a se formar no Barro Branco. Diplomou-se instrutor na Escola de Educação Física, tendo como paraninfo o fundador desse notável estabelecimento de ensino, pioneiro no Brasil, o Cel. Pedro Dias de Campos.
Na reserva, foi nomeado diretor do Museu da Polícia Militar e em 1982, assumiu a presidência da Associação dos Oficiais da Reserva e Reformados da PM – AORRPM, sendo eleito em mais seis mandatos.
Como presidente de AORRPM defendeu os altos interesses da Corporação. Foi o responsável pela construção da sede da Associação, o Solar da Tabatinguera além de diversas sedes de regionais no Interior do Estado.
Livros publicados:
Fonte: Memórias de um veterano
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