Veja/São Paulo: Grupo Águia/SP, a ajuda que vem do céu
24 de março de 2012 8min de leitura
24 de março de 2012 8min de leitura
Às 6 horas da manhã, começam a chegar ao hangar João Negrão, no Campo de Marte, na Zona Norte, os plantonistas do dia do Grupamento de Radiopatrulha Aérea da Polícia Militar, mais conhecido como grupo Águia. É a unidade especializada em atender quase todo tipo de emergência na metrópole, utilizando uma frota de onze helicópteros Esquilo, cada um com seis lugares, capazes de ir de lá à Avenida Paulista em três minutos.
Em corrida contra o tempo, eles cruzam os céus da capital para resgatar vítimas de acidentes de carro, salvar moradores de locais atingidos por incêndios ou enchentes e ajudar na perseguição a bandidos, entre outras ocorrências.
“Conforme a cidade acorda, esquenta a nossa vida”, resume o tenente Rui Galletti, de 38 anos, um dos 49 pilotos da equipe criada em 1984. Entre as missões marcantes de que participou, está o socorro a uma grávida em trabalho de parto presa em um congestionamento no Cebolão, no início do ano passado. Numa cena cinematográfica, os automóveis abriram espaço para a descida do helicóptero em plena pista da Marginal Tietê. Embarcada como paciente da aeronave que tinha Galletti na tripulação, a barista Carla Martins, de 25 anos, foi levada em dez minutos ao Hospital São Camilo, na Pompeia, onde nasceria sua filha, Lorena. “Ela e o marido fizeram questão de trazer a bebê para eu conhecer”, conta o orgulhoso tenente.
Em média, eles recebem catorze chamados por dia. Peritos em manobras arriscadas, com quase o dobro de horas de preparação de um comandante de voos comerciais, os pilotos são treinados a pousar a aeronave em lugares perigosos, como rochedos irregulares, debaixo de fios de alta-tensão e entre carros parados no trânsito. Para preservarem a vida das vítimas a caminho do hospital, os médicos a bordo chegam a realizar cirurgias, como a amputação de membros. “Todo risco, tensão e dedicação valem a pena quando alguém é salvo”, diz o tenente-coronel Carlos Falconi, de 46 anos, um dos mais experientes da equipe.
No hangar, uma sala de controle de 6 metros quadrados com quatro computadores e três ramais telefônicos recebe chamados da PM e do Corpo de Bombeiros. Dependendo do caso, é disparado um alarme em código: um toque único indica convocação para missão policial, enquanto um chamado duplo significa que o caso envolve cuidados médicos.
Às 15h15 do último dia 2, por exemplo, a sirene tocou duas vezes. Era uma convocação para o atendimento a uma colisão entre um Fiat Uno e um caminhão-cegonha ocorrida na Rodovia Índio Tibiriçá, no município de Santo André. No trajeto, o comandante do Esquilo, capitão Ronaldo Barreto, de 37 anos, considerou abortar a missão, devido a uma forte chuva no meio do caminho, o que comprometia bastante a visibilidade. Comunicando-se por rádio com a central no Campo de Marte, o copiloto, tenente Amauri Demarzo, de 30 anos, ajudou o helicóptero a encontrar um desvio para evitar o temporal. Os profissionais chegaram ao local do acidente depois de 34 minutos, sendo recebidos com aplausos pelos presentes que se aglomeravam por ali.
A cena era impressionante: os dois veículos haviam trombado de frente, e o pequeno automóvel, que evidentemente levou a pior, estava reduzido a uma massa disforme de cerca de 1 metro de ferragens. O motorista do carro, um homem de 21 anos, encontrava- se a poucos metros, deitado sobre uma poça de sangue. Levado ao Hospital das Clínicas, numa viagem de dezessete minutos, ele acabou morrendo, mesmo depois de receber cuidados especiais durante pouco mais de um dia.
Entre os “águias”, como os integrantes do grupo são chamados, não há muito tempo para lamentar o triste fim de uma ocorrência. Eles nunca tiveram tanto trabalho na cidade quanto agora. Atenderam a 5.034 emergências em 2011, 8% a mais que no ano anterior. “Boa parte dos casos está associada a atendimentos médicos, sobretudo envolvendo acidentes de automóveis”, diz o tenente-coronel Ricardo Gambaroni, de 47 anos, o segundo PM na hierarquia da equipe. “A piora no trânsito contribuiu para provocar mais problemas.”
No interior do estado, onde atualmente há outras dez bases do serviço, aconteceu um salto ainda mais significativo. O número de ocorrências chegou a 9.866 no ano passado, o que revela um crescimento de 63% em comparação com 2010. A explicação está relacionada à expansão do atendimento. “Inauguramos cinco bases nos últimos dois anos, e o aumento das missões reflete a demanda reprimida pelo serviço”, afirma o coronel Marco Antônio Severo Silva, de 48 anos, comandante do grupamento.
Muitas vezes, as operações têm um clima de filme de ação. Foi o caso da realizada no incêndio que atingiu a favela do Moinho, no bairro de Campos Elíseos, em dezembro. Com o capitão Marcelo Cancian, de 43 anos, no controle da aeronave, a equipe retirou um grupo de onze pessoas do alto de um prédio cercado por chamas. Enquanto Cancian mantinha o equipamento no céu em condições arriscadas (o ar quente prejudica a estabilidade), dois tripulantes revezavam-se num cesto, preso por uma corda ao Esquilo, transportando as vítimas.
“Senti um misto de adrenalina e receio, preocupado em não corresponder à expectativa”, lembra o capitão. Quem coordenava esse trabalho era o sargento Luiz Afonso, de 44 anos. Deitado no chão da aeronave para ter melhor visão da área, ele informava o piloto sobre tudo o que via. “Nosso trabalho exige muito sangue-frio”, diz ele, que tem vinte anos de experiência na função. “Em certa ocasião, ajudei o comandante a encaixar um cesto numa área de 4 metros quadrados para resgatar uma senhora em cadeira de rodas, com água na altura do queixo, em meio a uma enchente”, recorda.
Há missões que começam em um clima de apreensão, mas terminam muito bem, como o resgate de uma lancha desgovernada que se chocou contra os rochedos da Ilha Anchieta, em Ubatuba, no fim do ano passado. “O condutor tinha bebido demais, após discutir com a mulher”, conta Falconi, encarregado da operação. O homem sofreu uma parada cardíaca e se machucou seriamente. Levado a tempo para o hospital, recuperou-se. “Depois da alta, ele compareceu à nossa base para agradecer.”
O tenente-coronel mantém um teclado em sua sala no Campo de Marte. “Toco o instrumento para aliviar um pouco o stress do dia a dia.”
Os profissionais são preparados para atender à maioria das emergências em quinze minutos. “A velocidade é nossa principal arma”, ressalta o capitão-médico Ademir Corrêa, de 50 anos. No início do mês passado, ele participou do salvamento de um garoto de 9 anos que brincava com um amigo na rua, em frente à sua casa, na Cidade Tiradentes, quando foi atropelado por uma moto. O helicóptero pousou no local doze minutos depois. Corrêa sedou e entubou o garoto, que apresentava ferimentos graves. Com a respiração controlada, pôde ser embarcado na aeronave e seguiu para o Hospital das Clínicas. “Se não fosse nossa ajuda, ele seria encaminhado para um posto de saúde ou um hospital próximo e provavelmente só chegaria ao HC no dia seguinte, tarde demais para sobreviver sem sequelas”, avalia o capitão.
Há vinte anos no grupamento, Corrêa coleciona casos emocionantes. Apesar de ter ocorrido há mais de uma década, um deles em especial nunca lhe saiu da cabeça. Ao chegar para um socorro em Mogi das Cruzes, a 63 quilômetros de São Paulo, ele encontrou um adolescente com as duas pernas presas nas engrenagens de um trator. “O rapaz já havia perdido muito sangue e tive de amputar os membros para poder salvá-lo”, relata. “O que mais me marcou foi a imagem dos pais: cada um segurando uma das mãos do filho.” Felizmente, dramas como esse são exceção. Na maior parte das vezes, os águias voam de volta para casa como protagonistas de uma história não raro heroica — e com final feliz.
TRABALHO EM RITMO ACELERADO
Em 2011, a equipe atendeu a 5.034 ocorrências de emergência na capital, 8% a mais que no ano anterior
1.718 missões de policiamento ostensivo em casos de roubo a banco, crime com refém, patrulhamento preventivo, entre outros
2.728 apoios a operações especializadas, realizando atendimento médico, buscas e salvamento aquático e terrestre
569 resgates e remoções de vítimas
19 transportes de órgãos para transplante
Saiba quais itens são usados em missões de policiamento, salvamento e resgate na capital
Dos 21 helicópteros Esquilo do estado, onze respondem pelas emergências na cidade.
Em ocorrências policiais, a aeronave é equipada com rádios de comunicação e câmeras de vídeo, cujas imagens podem ser transmitidas em tempo real à central de controle. Com colete à prova de bala, os tripulantes levam suas armas de porte pessoal (pistola calibre 0.40) e outra de proteção coletiva (fuzil calibre 5.56, carabina calibre 0.30 ou metralhadora 9 milímetros).
Em casos de salvamento, cestos para resgate terrestre ou aquático, macas de montanha e guinchos ajudam a rebocar a vítima.
Nos resgates aeromédicos, o Esquilo funciona como uma UTI móvel. Sempre que sai para uma ocorrência, o médico responsável leva uma mochila de socorros, que inclui material para entubação e drenagem torácica, além de respiradores e ventiladores.
Pilotos e copilotos
Tripulantes operacionais
Médicos e enfermeiros
Dados: Grupamento de Radiopatrulha Aérea da Polícia Militar, dados de 2011
Fonte: Veja SP / Reportagem: Cláudia Jordão
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