Voo de heróis
30 de novembro de 2009 9min de leitura
Defesa@Net – Co-piloto conta com detalhes a heróica missão que entrou para a história da aviação brasileira. Helicóptero do PM do Rio de Janeiro foi alvejado por pelo menos trinta bandidos. Fênix 02 prestou apoio à aeronave abatida e realizou a primeira missão de Combate-SAR em território nacional.
O Capitão PM Marcelo Mendes está há pouco mais de três anos servindo no Grupamento Aéreo e Marítimo. Possui cerca de 145 horas de voo e começou a voar pela PMERJ neste ano. No dia 17 de outubro de 2009 o jovem piloto realizava a sua primeira operação.
Ela marcaria sua vida e entraria para a história da aviação brasileira. Acompanhe uma entrevista exclusiva com o Co-piloto do Fênix 03 e conheça o drama vivido pelos policiais do GAM durante uma missão real de combate no céu do Rio de Janeiro.
A Missão
A equipe do GAM foi acionada por volta das 08 horas pelo Tenente Coronel Eduardo Luiz, Comandante do GAM, mas um dos tripulantes já havia nos informado [pilotos] de que havia uma intensa troca de tiros entre os traficantes dos morros dos Macacos (Amigo dos amigos – ADA) e do São João (Comando Vermelho – CV). A nossa missão inicial era apoiar os policiais que progrediam por terra nas comunidades. Foi feito um contato via rádio Nextel com um Tenente do 6º BPM, que relatou estar com uma guarnição encurralada no topo do morro dos Macacos e com pouca munição.
No contato pegamos referências do ponto onde os policiais se encontravam para procedermos com mais precisão. Eu fui até a reserva de armamento e peguei duas caixas com 50 munições cada, de calibre 5,56 para tentar entregar aos policiais. Por determinação do Comandante do GAM, fizemos contato com os pilotos que estavam de sobreaviso, para que eles procedessem ao GAM para tripularem a outra aeronave (Fênix 02). Após rápido briefing entre toda tripulação, decolamos com a aeronave Fênix 03 às 8 horas e 15 minutos e chegamos ao teatro de operações por volta das 8 horas e 25 minutos. Ao chegarmos fomos recebidos com diversos disparos contra a aeronave, tendo os tripulantes revidado imediatamente.
Após amenizarmos os disparos contra a aeronave e localizarmos a equipe de policiais do 6º BPM, efetuamos um voo pairado e entregamos as munições. Quando estávamos saindo do morro, a aeronave foi atingida na porta esquerda por um disparo efetuado pelos marginais, mas sem causar grandes danos, tendo apenas feito ferimentos leves na minha mão esquerda. O comandante da aeronave decidiu abandonar o teatro de operações para inspecionar e abastecer a aeronave, tendo procedido ao Aeroporto Santos Dumont. Chegando ao aeroporto começamos a inspeção na aeronave e o abastecimento, onde não constatamos nenhuma anormalidade.
Passados 15 minutos o comandante da aeronave Fênix 02 fez contato com a guarnição da aeronave Fênix 03, informando que estava procedendo para os morros, tendo sido solicitado que ao invés de procederem para o local do confronto, fossem ao aeroporto abastecer e posteriormente, se necessário, iriam juntas para dar o apoio. As guarnições permaneceram no aeroporto e após alguns minutos, foi feito novo contato com uma das equipes que estava no morro dos Macacos, e que tinha um policial militar ferido com um tiro na perna.
Resgate de policial ferido
Os pilotos e tripulantes orientaram a guarnição a conduzir o policial ferido ao topo do morro, onde tornaria o socorro mais seguro e fácil para as aeronaves se aproximarem. A missão que era de apoio de fogo passaria a ser de socorro a um policial militar. Esperamos alguns minutos até decolar para dar tempo dos policiais levarem o ferido até o ponto de resgate estabelecido entre as guarnições das aeronaves e a de terra. Chegando novamente ao teatro de operações, a aeronave Fênix 02 identificou o local e visualizou os policiais, fazendo a aproximação e o resgate do policial ferido. Enquanto isso, a aeronave Fênix 03 fazia o sobrevoo para apoiar e salvaguardar os policiais envolvidos na operação de resgate.
Após o policial ser posto dentro do Fênix 02, as duas aeronaves voaram para o pátio do Batalhão de Polícia de Choque (BPChoque), onde já havia uma equipe de paramédicos da PMERJ (GESAR) aguardando. Com o término do resgate do policial, todos os tripulantes e pilotos se reuniram e debateram sobre o retorno ao Morro dos Macacos e o Complexo do São João. Ao chegarmos a um denominador comum, resolvemos voltar, tendo como entrada o Morro dos Macacos (lado direito de quem esta de frente para o Morro).
Helicóptero é atacado por cerca de 30 bandidos armados com fuzis 5,56 e 7,62 mm
Cruzamos todo o Morro dos Macacos sem efetuarmos um disparo sequer, porém quando chegamos na mata que divide as duas comunidades, curvamos à direita e começamos a subir o morro, chegando quase no topo quando começamos a ser alvejados por diversos tiros disparados por traficantes que estavam homiziados na mata. Não tive como ver nenhum marginal, pois minha visão estava focada no voo, mas o CB Fernandes (tripulante que sobreviveu) disse que viu em torno de 30 marginais no meio da mata, que começaram a efetuar os disparos. Os tiros pegaram nas partes de baixo da aeronave, e também em quase todos os policiais que a tripulavam, tendo apenas o Cap Marcelo Vaz (piloto em comando) ficado livre, não vindo a ser alvejado em momento algum.
Emergência em voo
Imediatamente comecei a gritar com o Cap Marcelo Vaz que eu tinha sido baleado e ele começou a gritar que estava perdendo os comandos da aeronave. Neste momento ouvi diversos gritos de que a aeronave estava pegando fogo, gritos estes que se confundiam entre os tripulantes da nossa aeronave e os da Fênix 02 que continuava a nos seguir logo atrás. A luz de indicação de fogo estava intermitente. Ao efetuar uma curva a direita, já saindo do sobrevoo do morro, o helicóptero deu uma guinada para a direita, tendo o comandante corrigido a atitude da aeronave.
Neste momento a cabine ficou cheia de fumaça e ao iniciar a descida ela se dissipou, tendo eu e o Cap Marcelo Vaz conseguido visualizar um campo de futebol na Vila Olímpica do Sampaio, localizado na Rua Marechal Rondon, no bairro do Sampaio, e aproximar para o mesmo, tendo o comandante da aeronave cortado o combustível para evitar uma explosão e iniciado uma auto-rotação para o campo.
“Conseguimos chegar” – Capitão Marcelo Vaz – Cmt do Fênix 03
Ao chegar ao solo o helicóptero tocou com a guarda do rotor de cauda no chão vindo a quebrar o cone de cauda e consequentemente a aeronave girou para a direita tombando para o lado esquerdo. Começamos a sair da aeronave que foi tomada rapidamente pelo fogo, pois o combustível vazou e se espalhou, com isso as chamas atingiram o interior da cabine. A aeronave foi abandonada imediatamente, porém, ao começarmos a perguntar onde estava um e outro, verificamos que dois não haviam conseguido sair. O risco iminente de explosão fez com que saíssemos sem conseguir ver o que acontecia exatamente.
Fênix 02 em missão de Combate-SAR – Primeira missão C-SAR realizada em território brasileiro
Logo após o pouso do Fênix 03, o Fênix 02 pousou no campo também para prestar o socorro. Começaram os disparos contra todos nós que estávamos no campo, tendo os disparos efetuados pelos marginais se confundido com os disparos das armas dos policiais que ficaram dentro do helicóptero em chamas. O CB Fernandes estava com dificuldades para se afastar da aeronave e foi auxiliado pelo Cap Marcelo Vaz.
Já afastado da aeronave e sentado num gramado, eu tirei meu coturno para verificar como estava o estado do meu pé, foi quando notei que o tiro não havia transfixado o mesmo. Neste momento eu pedi ao CB Fernandes que tentasse ajudar o CB Patrício que estava com as roupas em chamas e o mesmo me disse que estava com um tiro na perna, resolvi então tirar meu macacão e tentar apagar o fogo nas roupas do CB Patrício, porém foi em vão, pois o meu próprio macacão começou a pegar fogo.
Neste momento os policiais que estavam no Fênix 02 começaram a nos auxiliar, mas tiveram dificuldade devido aos tiros que efetuavam contra eles. Após alguns minutos o CB Patrício foi levado pelo Fênix 02 para o Batalhão de Choque. Dos policiais que não conseguiram sair da aeronave, com certeza um já estava morto, segundo as declarações do CB Fernandes, que disse que ele tinha sido alvejado na cabeça.
Situação de cada tripulante
1P – Capitão Marcelo Vaz – Sofreu queimaduras na mão esquerda e foi levado ao Hospital Central da Polícia Militar (HCPM), posteriormente conduzido ao Hospital da Aeronáutica no Galeão, onde foi examinado e foi feito um enxerto. Está fora de perigo.
2P – Capitão Marcelo Mendes – Sofreu queimaduras de 1º grau na mão esquerda e um tiro no pé direito. Foi socorrido ao HCPM, onde passou por uma cirurgia para retirada dos fragmentos. Está fora de perigo.
Tripulante da porta esquerda 1 – Cabo Patrício – Teve mais de 80% do corpo queimado e levou um tiro na perna. Foi levado pelo Fênix 02 ao BPChoque, de onde foi conduzido numa ambulância do Corpo de Bombeiros até o Hospital da Aeronáutica no Galeão. Ficou internado durante dois dias e veio a falecer.
Tripulante da porta esquerda 2 – Soldado Stabler – Provavelmente foi alvejado no peito. Não conseguiu sair da aeronave e morreu carbonizado.
Tripulante da porta direita 1 – Cabo Fernandes – Teve queimaduras no braço direito e levou um tiro na perna direita. Foi socorrido ao Hospital Municipal do Andaraí, onde foi operado e ficou internado aproximadamente dois dias. Depois foi transferido para o Hospital da Aeronáutica o Galeão, onde permanece internado até hoje.
Tripulante da porta direita 2 – Soldado Canazaro – Levou um tiro na cabeça e teve o corpo totalmente carbonizado.
Esta reportagem é uma homenagem aos bravos policiais que faleceram na última missão do Fênix 03 e também a todos os membros do GAM que diariamente realizam, de forma anônima, atos de bravura e heroismo. Ao GAM nosso respeito e admiração.
Editor Defesa@net
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