Fogo da vida – a emocionante operação do GRAer/BA no Natal 2010
31 de dezembro de 2010 5min de leitura
31 de dezembro de 2010 5min de leitura
CÁSSIA APARECIDA QUEIRÓZ FONSECA
25 de dezembro de 2010. Mais um dia de serviço operacional no Graer. Por volta das 11h, a sirene do quartel dispara e, junto com ela, nossa atenção: a tela da nossa Central de Operações e uma comunicação de apoio do Corpo de Bombeiros evidenciavam um incêndio num prédio na Baixa de Sapateiros, o qual, tomando grandes proporções, impedia que onze pessoas saíssem das instalações. Todas se encontravam no telhado sem condições de abandonar o local.
Naquele instante, todo o efetivo do Graer imbuiu-se das tarefas necessárias para início do socorro solicitado, cada homem com sua missão. Em minutos, tripulação embarcada, a aeronave já acionada e pronta para decolagem, há indicação de pane no filtro de combustível. O afã de atender a ocorrência com máxima agilidade e a checagem repetida sobre a veracidade da citada pane se mesclam na cabine, tornando o clima ainda mais tenso. Contudo, em aproximadamente cinco minutos, a presteza e técnica do mecânico sargento PM Sena já nos permitia uma decolagem segura.
Durante o percurso, toda a tripulação já discutia o planejamento da ação, colhia dados através de várias comunicações, considerava as variáveis presentes e as hipóteses que só se confirmariam mesmo com a chegada no local. Acompanhávamos as informações pelo canal do Bombeiro, atendíamos aos contatos da Centel, do major PM Muniz e as ligações do coordenador, já verificando que se tratava de uma ocorrência grave, na qual os bombeiros não estavam conseguindo conter o fogo e as pessoas no telhado estavam em desespero.
Chegando ao local, constatamos que o cenário não era o que já imaginávamos, era pior: onze pessoas no telhado, fogo intenso e já no penúltimo andar, outras edificações próximas, vento turbilhonado etc. Feita a avaliação, decidimos pelo que já tínhamos brifado durante o deslocamento: descida no rappel e extração com utilização do sling com a condução para o estacionamento do terraço do Shopping Baixa dos Sapateiros, o qual estava na nossa proa e mais próximo, evitando manobras e ganhando rapidez. Essa era nossa melhor opção. Alertamos o sargento PM Ivan quanto ao cuidado e gerenciamento na laje, pois as pessoas estavam desesperadas.
Tudo pronto, iniciamos a operação. Desce o sargento PM Ivan no rappel, e no momento em que a corda toca o telhado, as vítimas correm e se agarram a ela, necessitando do citado tripulante a administração rápida, mas incisiva, dessa situação conturbada. Recolhemos a corda e, para diminuir o barulho, fizemos um giro para que Ivan organizasse as vítimas para a extração. Aeronave no ponto, lançamos o sling. A posição não era confortável: estava próximo à torre do tanque da edificação, a laje era relativamente pequena e quando deslocávamos tínhamos que subir muito para nos livrarmos dos obstáculos.
Durante a operação, os bombeiros conseguiram retirar seis pessoas de uma só vez, com o uso da cesta da escada, e também colocar uma mangueira na laje objetivando resfriá-la, um pouco, pelas próprias vítimas. Na segunda vez, não foi mais possível aproximar a cesta, pois as chamas já tinham alcançado o último andar e chegavam ao telhado.
Na nossa atuação, retiramos uma criança, duas mulheres e um homem, mais ainda restava uma vítima. Foi o momento mais crítico. O espaço sem chamas estava mais reduzido, a vítima se desfazia dos seus pertences e demonstrava a intenção de pular. A fumaça era intensa, mas conseguimos nos aproximar. O tripulante agarrou a vítima, colocando-a no sling e retirando-a rapidamente do telhado, pois foi o momento exato em que as chamas tomaram todo o local, o que nos trouxe demasiada tensão haja vista que, em alguns momentos, sequer enxergávamos o tripulante na laje envolto pelo fogo e pela fumaça. Enfim, cinco vidas pousadas incólumes, sentimento de dever cumprido, e retornamos para nossa base.
Várias congratulações recebidas, marcantes foram as palavras do nosso comandante: “…gerenciamento da cabine, planejamento, segurança firmada, decisão de fazer, controle absoluto do cenário…efetiva comunicação, ação e por fim resultado…tropa retada, dá gosto de fazer parte…parabéns!”. Naquele dia, atuamos em perfeita sintonia, cada um ciente do seu papel e todos agindo numa engrenagem harmônica de agilidade e eficiência. Verdadeiro senso de equipe, não há como concluir o contrário: atuamos, como um só, como partes de um todo bem integrado, coesos e indissociáveis, naquele dia memorável.
Era dia de festa em todos os lares, dia de presente de Natal!
Presente: aquilo que se dá a alguém em ocasiões especiais.
Natal: sinônimo de nascimento e renovação.
Aquela tripulação recebia, pois, seu presente de Natal ao sentir a satisfação indescritível de ter feito não só uma obrigação e um cumprimento do dever: o contentamento com o êxito da missão nos revestiu a alma, refrescando-a na sua essência, como se quisesse compensar simbolicamente o fogo expresso em toda sua magnitude naquela ocorrência.
Naquele dia, a tripulação empregada mantinha o habitual senso de responsabilidade comum a todo efetivo desta unidade escalado em dia útil ou feriado, mesmo com a ciência de que naquela data, em especial, não estaríamos em nossos lares para a universal confraternização de almoço de Natal com nossos familiares, ou para testemunharmos a alegria estampada nos rostos dos nossos filhos na abertura dos presentes de Noel.
E, para nossa grata surpresa, vivenciamos que nossos presentes também estavam à nossa espera, não sob uma árvore iluminada numa sala de estar, mas dentro da nossa própria OPM. Cinco vidas salvas, e salvas em condições de alto risco. Eis que nosso PRESENTE DE NATAL não desceu por uma chaminé, mas, ironicamente, bem perto do fogo, aqueceu nossos corações: há melhor PRESENTE que este para um verdadeiro Natal?
Enternecidamente, agradecemos ao Sr. Noel!
Autora: Cássia Aparecida Queiróz Fonseca é capitã da Policia Militar da Bahia, bacharela em Psicologia pela Ufba, coordenadora do Núcleo de Formação de Soldados da 52ª CIPM.
Fonte: Texto publicado originalmente no site A Queima Roupa.
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