O Paraquedista “voluntário” e a história do 1º Salto da América do Sul
01 de novembro de 2017 12min de leitura
01 de novembro de 2017 12min de leitura
SÉRGIO MARQUES
Capitão da Polícia Militar de São Paulo
Hoje, 01 de novembro, há exatos 92 anos, no Campo de Marte, na capital paulista, o 2º Tenente Antônio Pereira Lima entraria para a História do Paraquedismo brasileiro.
Negro, em uma sociedade recém liberta da escravidão, Antônio Pereira Lima nasceu em 1899, na Capital Bandeirante, filho de Dona Idalina Maria da Conceição e do Sr. José Pereira Lima. Com 18 anos, em 07 de junho de 1917, voluntariamente, ingressou na Força Pública Paulista (atual Polícia Militar do Estado de São Paulo) como soldado. Já Sargento, durante a Revolução de 1924, naqueles terríveis dias de julho permaneceu ao lado dos poderes legalmente constituídos.
Todos os inferiores, como eram chamados os Sargentos, inclusive nosso homenageado, que preencheram os requisitos estabelecidos no art. 6º da Lei 1.981, de 17 de outubro de 1924, foram promovidos em 10 de novembro de 1924 a Aspirante-a-Oficial.
Artigo 6.º – Os inferiores que tenham prestado relevantes serviços á legalidade serão matriculados, como aspirantes, no Curso Especial Militar, independentemente de exame vestibular e edade.
Concomitantemente, foram matriculados e ingressaram no Curso Especial Militar- CEM (atual Academia de Polícia Militar do Barro Branco-APMBB). Na época a Escola de Oficiais funcionava na Rua Ribeiro de Lima, cruzamento com a Av. Tiradentes, no centro da Capital, área atualmente ocupada pelo COPOM/SP.
Por força da Lei 2.051, de 31 de dezembro de 1924, que reorganizou a Força Pública do Estado, foi recriada a Aviação da Força Pública Paulista, sob a denominação “Esquadrilha de Aviação- EA”.
Artigo 2.º – A esquadrilha de Aviação, creada por esta lei, será commandava por um major e terá o seguinte pessoal: Um 2° tenente secretario-intendente, Um primeiro sargento, Dois segundos sargentos, Um terceiro sargento, Dois cabos, Um cabo carpinteiro e Oito soldados.
Sua sede, em prado próprio da Instituição, era o Campo de Marte, no bairro de Santana, na zona norte da Capital. A área hoje não mais pertencente à PMESP, sendo um dos aeródromos de maior trânsito de helicópteros do Brasil.
Também há no aeroporto um espaço reservado à sede do Grupamento de Radiopatrulha Aéreo – GRPAe, com os seus famosos helicópteros “Águias”. Como o lendário pássaro grego “Fênix”, renasceu a Aviação Militar Paulista em 1984, após sua extinção, decorrente da derrota militar na Revolução Constitucionalista do distante ano de 1932.
Na Aviação Militar, chamada de “5ª Arma” (as demais são a Infantaria, Cavalaria, Artilharia e Engenharia), vários Aspirantes, todos voluntários, no ano de 1925 submeteram- se a inúmeros testes com o intuito de aprovação no concurso para ingresso na Esquadrilha de Aviação da Força. Dez foram os aprovados, inclusive nosso personagem, o Aspirante Pereira Lima.
Com seus demais colegas frequentava o curso da Escola de Oficiais, no CEM. Os Oficiais-Alunos Aviadores também acumulavam as aulas teóricas e práticas na Esquadrilha. Cada curso durou 6 meses. No inverno daquele ano, mais precisamente, 08 de julho de 1925, alcançaria finalmente o Oficialato, com sua promoção ao posto de 2º Tenente.
Mais qual a relação do “salto improvisado” do 2º Tenente Antônio Pereira Lima com a Cruz Azul?
Decorrente da Revolução de 1924 ocorrida na Capital, com a morte dos policiais durante o confronto, surgiram muitos órfãos e viúvas dos soldados tombados ou mesmo licenciados do serviço ativo, decorrente dos graves ferimentos sofridos.
Uma comissão de Damas da Sociedade Paulistana solicitou o apoio ao Coronel Pedro Dias de Campos, Comandante da Força Pública (que assumiu as responsabilidades em pleno desenvolvimento da Revolução, dela participando ao lado dos Legalistas), com o intuito de ampará-los.
Com uma visão privilegiada, o Coronel PM Pedro Dias de Campos, filho de indígenas, edificou, em 28 de julho de 1925, uma Instituição de amparo aos familiares dos soldados da Instituição, a “Cruz Azul”, ideário ainda presente em nossos dias. Os objetivos da novel Instituição beneficente eram manter os serviços de assistência permanente às famílias dos militares estaduais, escolas maternais e jardins de infância para os seus filhos.
Com a ação colocada em prática pelo Comandante Geral, os órfãos e viúvas dos combatentes tombados ou seriamente lesionados não mais ficariam desamparados!
Todavia, como é comum em obras dessa natureza, não havia recursos para a edificação de um Hospital e de um Colégio.
O valoroso Comandante se valeu de rifas, quermesses, gincanas, jogos. A década de 20 do século passado o estilo musical predominante era “Fox”. Uma banda do mesmo ritmo foi criada, o “Jazz-Band” da Cruz Azul, que alegrava as festas com o “hit” do momento. Tais apresentações também arrecadavam fundos para que o sonho pudesse se materializar. E a mão-de-obra? As próprias Unidades da Força cediam policiais, que também eram pedreiros, eletricistas, encanadores etc.
Em uma de suas ações mais audaciosas, sempre com o mesmo notável objetivo, o grande Comandante teve uma ideia avançada para os padrões daqueles dias, a contratação de um paraquedista para apresentação.
O salto do paraquedista foi marcado para o dia 01 de novembro de 1925, um domingo. Em período ainda sob os auspícios da “Belle Époque”, com a sociedade eminentemente machista, o paraquedista contratado para o feito era uma mulher, uma francesa, Janette Caillé.
Aliada a grande divulgação do exótico espetáculo, pois o salto seria o primeiro de São Paulo (e da América do Sul, segundo trabalho do então Capitão Franco Olívio Marcondes), houve grande venda de ingressos para assistir ao incrível feito.
Pouco antes da realização do salto, a Cruz Azul, na Av. Tiradentes, fundava seu primeiro Grupo Maternal, com muitos berços para hospitalizar crianças carentes, iniciando seu programa assistencialista. Na sequência, as autoridades se dirigiram ao Campo de Marte.
O salto foi um sucesso! Assim escreveu, em 02 de novembro de 1925, o Jornal Correio Paulistano, com a grafia de época: “… Merece especial referencia, dos principaes aspectos dessa tarde de aviação, o audacioso salto realizado de um aeroplano, voando em grande altura, pelo tenente Antonio Pereira Lima, que sahiu galhardamente dessa difficil prova, festejado ao ganhar o solo pelos vibrantes applausos dos assistentes.”
Mas não foi uma senhorita francesa, de nome Janette Caillé, contratada para efetuar o salto com paraquedas?
Os relatos abaixo, com as adaptações do autor que escreve essas linhas, foram obtidos no livro clássico, de leitura obrigatória, “Asas e Glórias de São Paulo”, que conta a História da PMESP e da Aviação Militar Paulista.
São seus autores:
O já então tenente-coronel PM aposentado Antônio Pereira Lima, em meados da década de 70 do século passado, era morador do bairro de Vila Mariana. Quase octogenário, cego, casado com quem intitulava “querida noivinha, querida Norma”, bem-humorado e absolutamente temente a Deus, recebeu, em sua residência, os autores da famosa obra, que colheram relatos dos bastidores do salto, que não foram contemplados na matéria jornalística do Correio Paulistano, de 02 de novembro de 1925.
Dia 01 de Novembro de 1925 – O salto do paraquedista “voluntário”
Com os ingressos vendidos, o Campo de Marte estava lotado e as Autoridades presentes! Pouco antes do horário do espetáculo, a senhorita gaulesa, por indisposição (saúde), mandou cientificar o coronel Pedro Dias de que não poderia saltar.
A boa reputação e credibilidade da Força Pública estavam em xeque. A senhorita francesa colocara o coronel Pedro Dias de Campos em uma “sinuca de bico”. O que fazer?
O Comandante dirigiu-se, então, ao “Ninho das Águias da Força Pública”, no próprio Campo de Marte, na Esquadrilha de Aviação, mesmo local que se daria a proeza do salto.
Colocando os 15 Oficiais-Alunos Aviadores em linha, o coronel Pedro Dias solicitou um “voluntário” para o salto de paraquedas, que, por lógica, não apareceu. No dia anterior, lembrando-se que se tratava de um feriado prolongado do “DIA DE FINADOS” (Dia dos Mortos), pela 1ª vez tiveram contato com um paraquedas, na testagem do equipamento.
Amarraram-no em um saco de areia, que fazia o papel do “homem alado”. Em seguida, jogaram-no, entretanto, o paraquedas não abriu, espatifando-se ao solo.
Mas sempre em situações similares despontam “voluntários à moda militar”. O Comandante Geral Pedro Dias, olhando um, olhando outro, parando em frente ao nosso “agraciado”, apontou a ele, dizendo: “- O Senhor saltará no lugar da faltosa.”. Pronto, estava resolvida a questão! “Santo voluntário…”, pensaram os demais aviadores na linha.
Nosso heroi dirigiu-se, então, a sala reservada para vestir o macacão branco e o capacete da francesa Janette, acompanhado pelos seus irmãos de armas. SEMPRE muito solícitos, animavam a cobaia, ou melhor, o paraquedista improvisado: “- Não tenha medo, coragem, Pereira Lima, não é nada, você é forte… etc.”.
Os camaradas sabiam que se não fosse ele, seria um deles! Que fosse o próprio Pereira Lima, pois já estava com os paraquedas em seu corpo. Segundo o coronel Anchieta Torres, um dos grandes pesquisadores da História da Polícia Militar, o 2º tenente Pereira Lima fora escolhido para a missão pelo coronel Pedro Dias devido a sua pequena estatura, pois o macacão branco da paraquedista francesa só serviria nele!
Decolou em uma aeronave Curtiss da Força, um biplace, de fabricação americana, pilotada por Orton Hoover, ás da aviação estadunidense, que lutara na I Guerra Mundial. Era, naquela ocasião, instrutor de voo da Esquadrilha de Aviação da Força Pública.
Ganhando altura, já com a aeronave no céu, somente o piloto, o paraquedista improvisado e Deus… É chegado o momento do clímax. Hoover fez sinal para o salto, e, com típico sotaque, declamou: “- Lims, sarr…ta, Lims sarr…ta”. Responde o corajoso Tenente Pereira Lima: “ – Seu Hoover, é comigo que o senhor está falando?” Hoover, devolve: “- Yes Lims, sarr…ta; my God!”
Nosso heroi na asa da aeronave olha para baixo… Não devia tê-lo feito! Grudou-se desesperadamente na barra de ferro que ligava os dois planos da asa, olhando ao piloto, negando com a cabeça, dizendo: ” – daqui não saio, daqui ninguém me tira.”
Após algumas manobras mais radicais de Hoover, inclusive um “looping”, o Tenente Pereira Lima é convencido, “pela lei da gravidade”, lançando-se no “azul do firmamento”, com a abertura do paraquedas.
Entretanto, o tirante (tira de couro) da perna estava mal colocado, pois, além de não estarem familiarizados com a amarração do instrumento, os demais Oficiais-Alunos Aviadores desejavam despachar rapidamente a “encomenda aérea.”
Sofreu terrível dor em sua parte íntima. Mesmo durante aquela tarde, enxergou pequenas estrelas…, ficando “fora do ar” por instantes. Para aliviar a “pressão”, “lá”, abriu as pernas durante o plainar.
Em sua “leve aterrissagem”, perfura a capota de lona de um veículo, de placa branca, estacionado próximo da área de pouso, o que amenizou sua aterrissagem. O público acabara de descobrir que o salto fora realizado por um Oficial da Força Pública.
Independentemente, foi ovacionado por ele. Talvez não tenha percebido a cor do paraquedas pelo pequeno incômodo durante o voo…, mas transformara-se no 1º paraquedista brasileiro.
Ainda atordoado, ouvia “os bravos e os vivas” do público. Seus amigos, após aquele milagroso sucesso, carregaram-no nos ombros até às autoridades. No caminho, inúmeros cumprimentos, saudações, tapinhas nas costas. Nascia uma lenda!
Entretanto, a História ainda não estava encerrara. O epílogo não seria dos melhores. De canto de olho observou que seu Chefe máximo, o Comandante Geral, não estava para muitos amigos. “O corpo fala…, até grita… e como!” Aproximando-se do Comandante Geral, que tinha aqueles olhos negros e amendoados a fitá-lo, o coronel Pedro Dias disse ao nosso heroi: “ – Tenente, você saltou de perna aberta! Deveria saltar na posição de sentido! Você vai pagar o conserto da capota do meu carro, ouviu!” O veículo oficial pertencia ao Coronel Pedro Dias.
No ano seguinte, 31 de agosto, na Campanha de Goiás, em perseguição à Coluna Miguel Costa – Prestes, Pereira Lima, na função de copiloto da aeronave sofreu um acidente terrível na cidade de Uberaba-MG.
Permaneceu por 8 (oito) dias em coma, porém, resistiu aos graves ferimentos. O piloto da aeronave, Tenente Edmundo da Fonseca Chantre, não teve a mesma sorte, falecendo no local, tornando-se o primeiro mártir da Aviação Militar Paulista.
O Tenente Pereira Lima, participou efetivamente nas Revoluções de 1930, quando a Aviação militar foi extinta por Getúlio Vargas e 1932, no 1º BCP (hoje 1º BPChq-ROTA), sempre defendendo sua Força Pública, São Paulo e o Brasil.
Após 32 anos de serviço, aposentou-se em 03 de fevereiro de 1949 no posto de Tenente-Coronel. No Hospital Cruz Azul de São Paulo, no bairro do Cambuci, que auxiliou em sua construção com seu salto improvisado, acolheu seu último suspiro em 07 de outubro de 1978, aos 79 anos.
O Tenente Antônio Pereira Lima é patrono do atual 2º ano da APMBB, Também foi agraciado com o nome de rua, a “Coronel Antônio Pereira Lima”, no bairro de Perus, na zona norte da Capital, logradouro oficializado através do Decreto nº 17.054, de 04 de dezembro de 1980.
Agora, ao lado do Eterno, pode tranquilamente contemplar o céu!!!
Leia também: História da Aviação da Força Pública Paulista – Parte 3 – Paraquedismo
Fontes:
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