David Branco Filho
Artigo publicado originariamente no blog Cultura de Segurança de Voo

Um helicóptero R-44 decolou de Osasco com destino a São Lourenço da Serra (SP), transportando três passageiros para uma cerimônia de casamento. No deslocamento, as condições de visibilidade começaram a se deteriorar. Já próximo ao destino, a aeronave entrou inadvertidamente em condições de voo por instrumentos. Pouco depois de perder a visibilidade externa, o aparelho atingiu uma atitude anormal (cerca de 140º de inclinação a direita, 30º de nariz para baixo) e houve perda de controle por parte do piloto. A aeronave colidiu violentamente contra o solo, quase na vertical, provocando a morte dos quatro ocupantes, incluindo a noiva da cerimônia de casamento.

R44 acidentado em São Lourenço, com indicador de atitude mostrando a aeronave com 140º de inclinação, e os destroços: quatro vítimas fatais.

R44 acidentado em São Lourenço, com indicador de atitude mostrando a aeronave com 140º de inclinação, e os destroços: quatro vítimas fatais.

Acidentes com helicópteros por entrada inadvertida em condições de voo por instrumento (I-IMC – Inadvertent IMC) acontecem com uma assustadora frequência. Talvez acreditando na versatilidade e manobrabilidade do aparelho, pilotos forcem o voo em condições meteorológicas marginais, confiando que serão capazes de contornar qualquer dificuldade.

Porém, alguns parecem esquecer que o helicóptero é uma aeronave inerentemente instável, apresentando intensas razões de rolamento e de arfagem, muito mais do que um avião. O próprio fabricante do R-44 acidentado sempre alertava os operadores que “a perda de referências externas, mesmo que momentaneamente, pode resultar em desorientação espacial, atuação errática nos comandos de voo e um acidente por perda de controle. Este tipo de situação ocorre normalmente quando o piloto tenta voar em área de restrição de visibilidade. Ele perde controle ao tentar curvar para retomar a visibilidade, mas é incapaz de completar a curva sem referências visuais. O piloto deve tomar uma ação corretiva ANTES de perder visibilidade e, para isso, depende de fazer um bom julgamento e ter a força de vontade para tomar a decisão correta”.

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No recente evento com um SK-76, na Califórnia, o NTSB divulgou preliminarmente que a

Investigadores percorrem o local do acidente com um helicóptero S-76, que matou nove pessoas, incluido o jogador de basquetebol Kobe Bryant, em 26 de janeiro de 2020.

Investigadores percorrem o local do acidente com um helicóptero S-76, que matou nove pessoas, incluido o jogador de basquetebol Kobe Bryant, em 26 de janeiro de 2020.

aeronave estava em atitude de subida em IMC, iniciou uma curva a esquerda e, logo em seguida, estabeleceu uma trajetória com razão de descida de mais de 4.000 pés por minuto ainda em IMC. Existe uma grande probabilidade de uma desorientação espacial ter causado este acidente. O NTSB também informou que a aeronave estava a apenas 100 pés de sair visual no topo da camada.

 Devemos entender que o I-IMC é causado na maioria das vezes pelo piloto, por uma avaliação deficiente das condições e um erro na tomada de decisão. Assim, a primeira e mais importante medida para evitar I-IMC e sofrer as trágicas consequências de uma desorientação espacial é manter-se afastado de áreas com restrição de visibilidade, obedecendo aos parâmetros e os limites mínimos do voo visual.

          Entretanto, sob o foco de Fatores Humanos em Segurança de Voo, onde sempre consideramos que o ser humano comete erros durante a operação da aeronave, vem a pergunta inevitável: e se o piloto entrar inadvertidamente em condições de voo por instrumento? O que ele deve fazer? Pilotos que tem um plano para lidar com situações de emergência geralmente se saem melhor do que aqueles que não tem, daí o objetivo deste texto.

As ações logo após a entrada em IMC são essenciais para o desfecho da situação. Pilotos treinados e proficientes, que possuam um plano de ação no caso de entrada em IMC, tem mais chance de evitar uma tragédia por desorientação espacial. Algumas escolas de voo ensinam um método que padroniza quatro ações vitais – controlar, cabrar, curvar e comunicar.

CONTROLE

          A primeira prioridade é CONTROLAR, ou preocupar-se apenas em voar a aeronave, mantendo-a sob voo controlado e estabilizado. Esta deve ser a prioridade na maioria das emergências em aviação e no caso de I-IMC não é diferente. No momento da entrada em IMC pode ocorrer uma desorientação espacial. A grande maioria dos eventos não acontece porque o helicóptero continou voando e colidiu controladamente contra o terreno: acontece por desorientação espacial e perda do controle em voo.

            Desorientação espacial é uma condição muito séria. Uma circular americana sobre o tema (FAA AC 60-4) informava que, durante um período de cinco anos, aconteceram quase 500 acidentes por desorientação espacial nos Estados Unidos. Tragicamente, tais acidentes resultaram em fatalidade em 90% dos casos. Testes realizados com pilotos qualificados em voo por instrumentos indicaram que pode levar até 35 segundos para se alcançar completo controle da aeronave após a perda de referências visuais com a superfície. Porém, estes testes foram realizados com aeronaves de asa fixa, muito mais estáveis em voo do que os helicópteros. Restabelecer o controle do helicóptero nestas circunstancias pode levar mais de tempo e ser mais difícil.

Nos primeiros momentos da entrada inadvertida em IMC, o piloto deve se concentrar em controlar a aeronave, ajustando a ATITUDE e a POTÊNCIA do motor

Nos primeiros momentos da entrada inadvertida em IMC, o piloto deve se concentrar em controlar a aeronave, ajustando a ATITUDE e a POTÊNCIA do motor

Os pilotos em I-IMC devem, então, dirigir toda a sua atenção para o painel e começar um cheque cruzado dos instrumentos. Tentar continuar o voo VFR em condições por instrumentos é muito perigoso se o piloto resistir em aceitar as informações que lhe estão sendo passadas pelos instrumentos. Nunca será demais enfatizar a importância de se manter o controle da aeronave através dos instrumentos de voo e não pelas suas sensações físicas.

O controle da aeronave deve incluir manutenção da Atitude pelo horizonte artificial, estabelecimento de um valor de torque/potência conhecido, definição da proa e o monitoramento da velocidade indicada. O comportamento de uma aeronave em voo por instrumentos depende sempre de dois parâmetros controlados pelo piloto: ATITUDE e POTÊNCIA (pressão de admissão ou torque). Estabelecendo estes parâmetros, a aeronave estará controlada e com uma trajetória definida. A partir daí, pequenos ajustes devem ser feitos para se alcançar uma nova condição desejada. Olho no indicador de atitude e na potência em uso. Depois de estabilizado, faça os ajustes necessários. Cuidado com a propensão a iniciar logo uma curva, antes de ter a aeronave sob controle e estabilizada, por causa do perigo de uma forte desorientação espacial.

COLETIVO

          Tão logo a aeronave esteja sob controle por instrumentos, o piloto deve atuar no COLETIVO para imprimir uma trajetória ascendente. Geralmente, a entrada inadvertida em IMC acontece à baixa altura, aonde a colisão com o solo é uma ameaça. O piloto deve comandar uma subida controlada para uma altitude onde não haja risco de colisão com obstáculos. Um lembrete importante: cuidado para não puxar o manche cíclico com o intuito de subir. Esta ação provocaria uma diminuição da velocidade indicada e agravaria o controle do aparelho. O intuito aqui é atuar no coletivo para estabelecer uma razão de subida controlada, sem provocar redução de velocidade.

CURVA

Com a aeronave em subida controlada, o piloto deve escolher CURVAR cuidadosamente para uma proa desejada, se souber que existem obstruções a sua frente ou se acredita que o tempo pode estar melhor em outra direção. Durante a manobra, sempre deve estar se referenciando ao indicador de atitude no painel. O voo agora é por instrumentos e o piloto não deve tirar os olhos do indicador de atitude, manobrando cuidadosamente.

COMUNICAÇÃO

Após o piloto estar com o controle da aeronave, ter iniciado a subida e estiver no curso

Os 4C do I-IMC

Os 4C do I-IMC

desejado, ai sim deve se COMUNICAR com o ATC, informando o IMC inadvertido, declarando suas intenções e solicitando alguma ajuda, se necessário. Quando o piloto notifica que está em IMC inadvertido, o controlador deve perguntar se ele é qualificado e se é capaz de continuar o voo IFR. Se o piloto responder que sim, o controlador deve instruí-lo a preencher um plano IFR em voo e lhe dar uma autorização.

            Se o piloto diz que não é qualificado ou que não poderá continuar o voo, o controlador deve informar ao piloto as altitudes mínimas para evitar a colisão com obstáculos no setor. Se a aeronave ainda estiver abaixo destas altitudes, fornecer uma radial de subida para altitude de segurança. A seguir deve-se vetorar a aeronave para uma área que esteja operando VFR.

Mais uma vez, estes são procedimentos de contingência. Não espere que surjam em sua mente apenas porque voce leu este artigo. Como qualquer outra condição de emergência em aviação, os procedimentos precisam ser exercitados, pelo menos mentalmente, para estarem prontos para serem aplicados quando o imprevisto acontecer. E se o piloto não está qualificado para o voo por instrumentos, será um passo na direção de um desastre fatal.

Sempre devemos lembrar que o primeiro passo para evitar a entrada inadvertida em IMC é manter-se afastado de formações meteorológicas que reduzem a visibilidade.  Deveria ser obrigação de todas as escolas de pilotagem enfatizar isso. O piloto deve usar a sua maturidade profissional para não voar em situações marginais de segurança. Todavia, caso um imprevisto aconteça, os quatro procedimentos listados podem livrá-lo de um acidente fatal.

Referências:

  • Every Helicopter Pilot must Be Prepared for Inadvertent Entry into Instrument Meteorological Condition, de Joel Harris
  • Relatório Final Acidente PR-TUN, Cenipa
  • FAA AC 60-4