Dor de cabeça, enxaqueca em pilotos de helicóptero
01 de outubro de 2011 24min de leitura
ABOUCH VALENTY KRYMCHANTOWSKI
Mestre e Doutor em Neurologia
As dores de cabeça acompanham a humanidade há milhares de anos. Mais do que simples dores na cabeça, a maior parte dos tipos existentes de dor nessa área do nosso corpo são causadas por doenças químicas do próprio cérebro e não por causas mais graves, como tumores cerebrais. Embora haja mais de 250 tipos diferentes de dor de cabeça, de acordo com a Classificação Internacional de Cefaleias (1), grande parte dos pacientes que têm dores de cabeça ao longo de meses ou anos, sofre do que se chama de cefaléia primária, isto é, ela própria é a doença e o sintoma.
Há muito se deseja evidenciar a associação entre os diversos tipos de dor de cabeça e atividades profissionais específicas, como pilotar helicópteros por exemplo. Há relações indubitáveis entre dor de cabeça e estresse, entre dor de cabeça e má postura e entre dor de cabeça e exercícios físicos incorretos e entre outras atividades variadas. Nesta revisão discutiremos os tipos mais comuns de dor de cabeça, chamando a atenção para seu diagnóstico correto (o que geralmente não é realizado) e tratamentos mais eficazes. Iremos também rever a relação entre a atividade de piloto de helicóptero e a dor de cabeça.
Entre as dores mais comuns que afligem a humanidade, a enxaqueca ou migrânea é aquela que mais leva os pacientes ao médico. Apesar de não ser a dor de cabeça mais prevalente, é a que mais provoca incapacidade, não raro impedindo o paciente de exercer suas atividades de forma regular e produtiva. Enxaqueca NÃO é dor de cabeça e sim uma doença química, crônica e genética do cérebro, que pode ou não causar dor de cabeça (2). Há pacientes com enxaqueca sem dor de cabeça e outros com crises de cefaléia ou dor de cabeça em poucos dias no ano. Entretanto, o sofredor de enxaqueca que recorre ao médico o faz em função do padecimento provocado por crises freqüentes, intensas e incapacitantes.
A enxaqueca vem acompanhando a humanidade em toda a sua história. Achados arqueológicos de civilizações neolíticas, com data aproximada de 7000 anos a.C., já sugeriam a presença de humanos com crises fortes, interpretadas à época, como a presença de maus espíritos dentro do crânio. O tratamento aplicado então era a abertura “in vivo” (com a pessoa viva) de orifícios na cabeça para a “saída” dos maus espíritos. (FIGURA 1). A técnica da trepanação da pessoa viva, por mais estapafúrdia que pareça, ainda foi recomendada no século 17 para o tratamento de pacientes com enxaqueca “intratável” por William Harvey em 1660.
Documentos egípcios de 1220 a.C., baseados em escritos médicos de 1550 AC, confirmavam a crença de que os deuses também podiam curar pacientes com crises de dor de cabeça. Aqui o paciente era colocado sentado (FIGURA 2) e um crocodilo de argila com trigo na boca era firmemente amarrado sobre a sua cabeça através de uma faixa de linho branca onde se escreviam os nomes de vários deuses. Por incrível que pareça os relatos sugeriam a melhora destes pacientes, provavelmente devido à compressão das artérias dilatadas do couro cabeludo.
Em 400 a.C., Hippocrates descreveu a visualização de raios luminosos precedendo a dor da enxaqueca a qual se apresentava de intensidade forte e se iniciava nas têmporas, atingindo toda a cabeça e o pescoço. Ele também mencionou a possibilidade desta dor ter sido iniciada por exercícios e relações sexuais e acreditou que eram decorrentes da ascensão de “vapores” do estômago para a cabeça, uma vez que eram aliviadas por vômitos. No entanto, foi Aretaeus da Capadócia no segundo século d.C., quem fez a primeira descrição clássica de enxaqueca e a quem é creditada a “descoberta” da enxaqueca, embora esta fosse bem conhecida no mundo antigo.
Várias personalidades ilustres da história sofriam de enxaqueca. Júlio César, Thomas Jefferson, Lewis Carrol, Sigmund Freud e Napoleão entre outros, viveram as suas vidas acompanhados de crises marcantes de dor de cabeça da doença chamada enxaqueca.
A avaliação histórica da evolução do tratamento da enxaqueca também é estarrecedora. Desde a trepanação “in vivo” de seres humanos 7000 anos a.C. até as primeiras injeções em 1883 de extrato de ergot realizadas por Eulenberg (na Alemanha), pouco se aprendeu. Em 1918, Stoll na Suíça isolou a substância ergotamina do espigão do centeio e a denominou de Gynergan utilizando-a em obstetrícia e ginecologia. Em 1925, o também suíço Rothlin foi o primeiro a utilizar a ergotamina subcutânea para uma crise de migrânea. Em 1928 foram divulgados os primeiros estudos científicos com bons resultados da ergotamina tomada pela via oral por Tzanck na França e os americanos John Graham e Harold Wolff demonstraram o efeito desta droga, promovendo a contração de vasos sanguíneos dilatados durante a crise de enxaqueca.
Durante os anos 40, após estudos de Graham e Wolff demonstrando a dilatação dos vasos sanguíneos da cabeça durante a dor da enxaqueca, o departamento médico do exército americano chegou ao absurdo de usar centrífugas gigantes onde o paciente, durante a dor, era colocado girando de forma rápida, na tentativa de “desviar” o sangue da cabeça para os pés e melhorar a dor.
Na década de 60, começaram a aparecer os primeiros médicos americanos com dedicação específica para dor de cabeça. No Rio de Janeiro, no ano de 1986, iniciamos os trabalhos na primeira e até hoje única clínica específica para avaliar e tratar pacientes com dor de cabeça, tornando-nos, portanto, pioneiros nessa especialidade.
No final da década de 80, foi desenvolvida uma droga denominada sumatriptan, considerada a primeira droga da história específica para o tratamento de uma crise de enxaqueca. Ainda hoje é largamente utilizada em todo o mundo e a sua formulação de injeção subcutânea é ainda a droga mais eficaz no tratamento das crises de dor de cabeça causadas pela doença enxaqueca. Atualmente, a classe de fármacos chamada de triptanos, e com substâncias mais novas, tem propiciado não apenas a melhora dos pacientes e o seu retorno às atividades produtivas mais rapidamente, mas principalmente nos permitiu atingir uma melhor compreensão do que realmente ocorre no cérebro de uma pessoa com migrânea ou enxaqueca.
Hoje, já no século 21, o avanço em relação ao diagnóstico e ao tratamento das dores de cabeça é notório e a qualidade de vida dos pacientes certamente melhorou de forma inquestionável. Com o futuro, a provável descoberta de novas drogas, o advento da engenharia genética e a elucidação mais profunda do funcionamento do cérebro humano poderão, certamente, beneficiar a todos que hoje sofrem sem esperança.
O diagnóstico correto das cefaléias ou dores de cabeça demanda a realização da história clínica e de um exame físico completo, demorado e criterioso, não sendo possível realizá-lo de forma satisfatória em consultas de curta duração, como, infelizmente as realizadas por muito profissionais dos odiosos convênios e do serviço público. Algumas normas gerais sempre devem nortear o roteiro de avaliação do paciente e a correta realização deste diagnóstico. Além disso, é fundamental lembrar que o diagnóstico da maior parte das cefaléias presentes na prática clínica rotineira é essencialmente clínico e os famigerados exames de eletro encefalograma, radiografias, tomografias computadorizadas e ressonâncias nucleares magnéticas de crânio não devem ser solicitados de forma rotineira. Exame complementar NÃO substitui a consulta do médico!
O roteiro de avaliação do paciente com cefaléia inclui (3):
• Identificação da época do início da cefaléia;
• Evolução em intensidade e frequência até o momento da consulta atual;
• Maneira mais freqüente (já que a cefaléia freqüentemente varia em sua apresentação clínica) com a qual a dor de cabeça se apresenta em localização, intensidade e qualidade;
• Associação com sintomas variados (como náusea, vômitos, tonteira, fotofobia, fonofobia, osmofobia, distúrbios visuais);
• Relação da ocorrência das crises com o sono e o despertar (se o paciente é acordado pela dor de cabeça no meio da noite ou com a dor de cabeça pela manhã);
• Duração habitual da cefaléia (em minutos, horas ou até semanas) mesmo com o uso de remédios,
• Freqüência média atual em dias por semana ou por mês.
Também se deve avaliar como as crises de cefaléia ocorrem e se o seu início é claramente relacionado, pelo menos em algumas ocasiões, ao contato com fatores específicos da vida cotidiana (tais como alimentos, bebidas, estresse, menstruação, privação do sono, etc), o que melhora ou agrava a cefaléia e o que o paciente utilizava ou ainda usa para tratar a sua dor. As circunstâncias de quando as crises começaram a se manifestar também são importantes para a obtenção do diagnóstico correto (por exemplo, a migrânea comumente se inicia na adolescência ou após a primeira gravidez. A migrânea transformada pode passar a se manifestar subitamente após um trauma de crânio ou após um grande trauma emocional).
Fatos importantes na história patológica pregressa ou atual (asma, epilepsias, diabetes, traumas de crânio, cirurgias, alergias medicamentosas, etc), história familiar da cefaléia (que deve ser questionada sobre qualquer tipo de cefaléia e não apenas sobre uma dor de cabeça igual à do paciente em avaliação) e a história social (com a presença de atividade física, sexual, tabagismo, etilismo e consumo de drogas ilícitas ou não) são cruciais para determinar o diagnóstico e as circunstâncias de início da dor de cabeça. A solicitação rotineira de exames complementares como eletroencefalograma, RX de crânio ou de seios paranasais, tomografia computadorizada de crânio e ressonância nuclear magnética, apenas por queixa de cefaléia e na presença de exame clínico normal, é desnecessária, dispendiosa, incorreta e desaconselhada.
Dor de cabeça do tipo tensional
As cefaléias do tipo tensional (CTT) são as cefaléias mais prevalentes nos seres humanos. No entanto, como as crises não são fortes, na maior parte das vezes, os pacientes habitualmente não procuram ajuda médica, utilizando por conta própria e na forma de automedicação, inúmeros fármacos inapropriados e até contra-indicados para tal finalidade. Este fato faz da CTT uma cefaléia de pouca prevalência na prática clínica em centros especializados, mas altamente prevalente em estudos com populações.
As CTT podem ser divididas em três formas: a CTT episódica infrequente, episódica freqüente e crônica. Não há estudos definitivos sobre a incidência da CTT em sua forma episódica, a mais comum (CTTE). Estimativas sobre a prevalência da CTTE anualmente e ao longo da vida variam amplamente, mas estima-se que 80% dos seres humanos tenham algum episódio de CTT durante a vida.
A prevalência da CTTE é apenas marginalmente maior em mulheres do que em homens (relação variando de 1.1/1 para 1.2/1), diferindo sensivelmente da migrânea e da cefaléia do tipo tensional crônica, onde a predominância feminina é nitidamente observada. A prevalência da CTTE varia com a idade. Diversos estudos revelam índices maiores entre os 30 e 40 anos de idade, com posterior declínio (paralelamente ao aumento da prevalência da forma crônica). Também há uma relação direta evidenciada entre o nível educacional e a prevalência de CTTE (aumenta em indivíduos mais escolarizados) (4).
Exatamente pelo fato de o paciente com CTTE não recorrer ao médico e conseguir manter suas atividades rotineiras, o impacto desse tipo prevalente de cefaléia primária tem sido bem menos estudado que o impacto da migrânea, com sua característica de incapacitar para as atividades rotineiras.
No entanto, estudos populacionais com empregados de empresas específicas demonstram que 12% dos trabalhadores em atividade remunerada perderam ao menos um dia de trabalho no ano anterior, em função da incidência de um episódio de CTT. Outro estudo demonstrou que a CTT, em sua forma episódica, foi responsável por 19% do absenteísmo e 22% da redução na produtividade (4).
Em nosso meio, o impacto da CTTE também foi avaliado em um estudo de Bigal e col. (5)(2001) no qual se demonstrou que estudantes universitários referiram 24% de queda na sua produtividade quando apresentavam uma crise de CTTE (5). Em pilotos de helicópteros, há estudo de 1998 (6) que demonstra aumento da incidência de cefaléia, de fadiga e mau humor em pilotos de off shore no mar do norte que acordavam uma hora e meia mais cedo que o habitual. Além disso, houve relatos de aumento no consumo de cafeína em 42% e 12 vezes mais dor lombar após 4-5 viagens entre Aberdeen, na Escócia, e plataformas no mar do norte. (6).
Apresentação clínica da CTT
As cefaléias do tipo tensional são de 3 tipos, de acordo com a freqüência das crises: episódica infreqüente (< 1 crise por mês ou 12 por ano), episódica freqüente (de 1 a 14 crise por mês) e crônica (15 ou mais crises por mês). As características clínicas dos 3 grupos de cefaléia do tipo tensional são exatamente as mesmas e os critérios diagnósticos são a ocorrência de pelo menos dez crises prévias de dor de cabeça com duração de 30 minutos a 7 dias e com pelo menos dois dos seguintes aspectos (1):
• Em pressão ou aperto;
• Com intensidade leve a moderada;
• De localização bilateral ou difusa na cabeça;
• Não agravada por atividade física.
Menos de 10% dos pacientes podem apresentar dor pulsátil e até 2% podem referir dor unilateral, sempre, entretanto, com intensidade leve e não agravada por esforços físicos rotineiros (7). A maioria dos pacientes com esse tipo de cefaléia não procura ajuda médica e utiliza analgésicos ou drogas para outros tipos de dor de cabeça por automedicação e muitas vezes em caráter excessivo ou regular.
Em pilotos de helicóptero a prevalência de CTT é semelhante àquela da população geral, com mais de 80% dos pacientes tendo algum episódio de dor durante a vida e em torno de 3% com a dor em mais de 15 dias/mês. A despeito da CTT não ser de intensidade forte na maior parte das crises, quando a dor tem caráter crônico, em mais de 15 dias/mês, traz diminuição importante da produtividade. Embora o nome tensional nos faça pensar em uma ligação com tensão emocional e/ou com a tensão muscular, esses fatores não são a causa da CTT.
Pessoas com alto grau de tensão muscular nos músculos do pescoço ou da cabeça e com alto grau de estresse podem não sofrer de CTT, enquanto sofredores crônicos desta forma de cefaléia podem ter níveis baixos de estresse e/ou de tensão muscular.
O mecanismo envolvido na origem das CTT, sobretudo crônicas, é a disfunção nos chamados controles descendentes químicos da dor. Nosso cérebro tem um sistema de analgésicos endógenos, que utiliza um neurotransmissor químico denominado de serotonina e produz um analgésico similar à morfina, denominado de endorfina. É a deficiência de produção de endorfinas que parece estar ligada à origem da CTT. Além disso, drogas preventivas, tomadas em caráter diário e regular, que aumentam e modulam os receptores cerebrais da serotonina, melhoram a freqüência das crises de CTT.
Entre essas drogas estão os antidepressivos do tipo tricíclico (amitriptilina, nortriptilina, doxepina), que são usados em doses baixas, bem inferiores às necessárias para o tratamento da depressão, para o tratamento das CTT. No entanto, mesmo em doses baixas, alguns pacientes relatam sintomas de astenia (fraqueza) e sonolência excessiva que podem comprometer a atividade de pilotagem de helicópteros. Desta forma, diante deste diagnóstico, os pacientes devem procurar se tratar com terapias não medicamentosas como a fisioterapia, terapia cognitivo comportamental (TCC) e exercício aeróbico regular que melhoram a produção de endorfinas. Os remédios devem ser reservados apenas para os dias de dor em que se tenham tarefas mais difíceis. Mesmo assim, o uso de drogas apenas para as crises de dor deve ser limitado a no máximo dois dias na semana para evitar que a dor se transforme em cada vez mais freqüente (3).
Enxaqueca ou Migrânea
A enxaqueca ou migrânea é uma cefaléia primária altamente prevalente, caracterizada por crises intermitentes com sintomas associados e características peculiares. É associada a um substancial impacto para o indivíduo e para a sociedade o qual não se restringe apenas à crise de dor. Os sofredores de enxaqueca têm pior qualidade de vida mesmo nos períodos em que as crises de dor não estão presentes.
Enxaqueca ocorre em aproximadamente 15% da população sendo 18-20% das mulheres, 6-8% dos homens e em até 10% das crianças. O pico de prevalência é maior entre 35 e 55 anos tanto no sexo feminino como no masculino. Após os 40 anos a prevalência da migrânea decresce em ambos os sexos.
O impacto da migrânea é o de uma doença crônica recorrente, em que vários fatores concorrem para influenciar a qualidade de vida e a produtividade daqueles que sofrem. A cefaléia que caracteriza as crises de migrânea é de forte intensidade e geralmente acompanhada de outros sintomas como náusea, vômitos, intolerância à luz e ruídos. Esses sintomas também podem interferir sobre o bem-estar e a produtividade do indivíduo.
Em linhas gerais, o impacto da enxaqueca ou migrânea é traduzido por:
• Os migranosos têm qualidade de vida pior do que não migranosos;
• A qualidade de vida dos migranosos é afetada não apenas durante as crises de cefaléia, mas também entre elas;
• A maior parte dos migranosos teve seu rendimento afetado ou perdeu dia(s) de trabalho, estudo ou lazer nos últimos meses;
• A incapacidade funcional da migrânea é intensa com cerca de 50% dos portadores tendo incapacidade funcional moderada ou intensa.
Além disso, o impacto da migrânea aumenta com o passar dos anos de vida e de sofrimento e a migrânea está entre as 20 doenças mais incapacitantes do ser humano, de acordo com a pesquisa sobre o impacto global das doenças, conduzida pela OMS (8).
Os custos impostos pela migrânea na população de sofredores são substanciais e podem ser divididos em custos diretos e indiretos. Os custos diretos incluem os gastos com diagnóstico e tratamento da doença e são estimados, para a migrânea e apenas nos Estados Unidos, na ordem de 1 bilhão de dólares. Já custos indiretos são os decorrentes da perda laborativa acarretada pela doença e se estima também nos EUA, que os empregadores percam 13 bilhões de dólares por ano com o absenteísmo e perda da produtividade decorrentes da migrânea (9).
Apresentação clínica
As crises de cefaléia típicas da migrânea se manifestam clinicamente por dor de cabeça moderada ou intensa (incapacitando para as atividades habituais), com predominante localização frontotemporal unilateral (podendo ser bilateral ou no hemicrânio), em caráter pulsátil e/ou em pressão, geralmente associada à náusea (podendo haver vômitos), e fobias ou intolerância a luzes fortes e/ou à ruídos intensos e/ou à odores mais marcantes. A dor pode durar de 4 à 72 horas quando não tratada ou tratada de forma ineficaz.
Características clínicas da crise de migrânea:
• Cefaléia de localização frontotemporal (uni ou bilateral) ou hemicraniana
• Caráter pulsátil (ou latejante) e/ou em pressão
• Intensidade moderada a forte ou forte
• Associada a fotofobia e/ou fonofobia e/ou osmofobia (intolerância a odores)
• Associada a náusea (eventualmente a vômitos)
• Agrava-se com esforços físicos rotineiros (como caminhar e subir escadas)
• Duração de 4 a 72 horas (quando não é tratada ou o é de forma ineficaz)
Menos freqüentemente os pacientes apresentam aura antes, durante ou após as crises de cefaléia com as características apresentadas. A aura é definida como um sintoma inequivocamente gerado no cérebro que precede, acompanha ou segue a crise de cefaléia da enxaqueca. Por vezes os pacientes apresentam a aura, mas não a cefaléia e geralmente a aura da migrânea dura mais de quatro e menos de 60 minutos, o que a diferencia da aura epiléptica. Para se caracterizar o diagnóstico de migrânea com aura é necessário que o paciente tenha apresentado pelo menos duas crises anteriores semelhantes (ver classificação) e aqueles que se apresentam pela primeira vez com aura devem alertar o médico para a possibilidade de uma investigação mais apurada.
Há pacientes que apresentam aura puramente visual (como teicopsia, escotomas cintilantes e espectro de fortificação que são raios luminosos em formas diferentes e específicas que assustam os pacientes) e outros que apresentam aura como hemiparestesia (dormência de um só lado do corpo) e outros sintomas neurológicos focais (10).
A frequência das crises de cefaléia é bastante variável havendo pacientes com ataques várias vezes por semana e outros com episódios de dor em menos de um dia por mês. Portanto, migrânea não é apenas cefaléia, mas uma doença do cérebro que pode ou não causar crises de cefaléia. A enxaqueca sem aura é o tipo mais comum (quadro 2) acometendo quase 90% dos pacientes. Migrânea com aura é menos prevalente e há pacientes que apresentam crises de cefaléia com e sem aura.
Migrânea oftalmoplégica, basilar, retiniana e complicações da migrânea são raras. Há mulheres que apresentam crises de cefaléia apenas no período imediatamente antes ou durante a menstruação (migränea menstrual). No entanto, o mais comum é haver mulheres que têm crises durante todo o mês, mas que se agravam neste período (migränea exacerbada pela menstruação) (10).
Critérios diagnósticos da enxaqueca sem aura (Headache Classification Committee of The International Headache Society, 2004)
• Migrânea sem aura
No entanto, para os pilotos de helicóptero, é a enxaqueca com aura a mais problemática e incapacitante. Há casos de pilotos que perdem completamente a visão, por no máximo uma hora, durante a fase de aura que precede as crises de dor de cabeça. A orientação espacial também pode ser duramente prejudicada em crises de enxaqueca deflagradas por estímulos visuais como o reflexo do sol ou de luzes muito brilhantes (11).
Tratar enxaqueca NÃO é tratar a dor de cabeça e sim a doença química cerebral herdada geneticamente. Como a medicina ainda não é capaz de curar doenças genéticas, pode se deduzir que a enxaqueca, como doença, não tem cura. No entanto, quando o tratamento é feito corretamente (o que geralmente não acontece) as crises de dor de cabeça podem ser eliminadas ou muito reduzidas. A base para o tratamento da enxaqueca é a prevenção das crises com tratamentos medicamentosos e não medicamentosos. Durante as crises, também usamos drogas que as fazem menos intensas, menos duradouras e, portanto, menos incapacitantes.
Para a prevenção das crises várias classes de drogas podem ser usadas. Como exemplos, drogas betabloqueadoras, antidepressivos tricíclicos (também usados para tratar as cefaléias do tipo tensional), bloqueadores de canais de cálcio, neuromoduladores e antagonistas da serotonina. Como forma de tratar a enxaqueca sem remédios, há as técnicas de relaxamento, o exercício aeróbico regular, a vida sexual ativa e regular, programas de gerenciamento de estresse e regularidade nas horas de sono e nos intervalos de alimentação. Os pacientes que melhor respondem ao tratamento são aqueles que conseguem manter uma vida saudável e regrada.
Já as crises devem ser tratadas com a combinação de um triptano e de um antiinflamatório ou de alguma droga que aumente a velocidade de esvaziamento gástrico (gastrocinético).
Embora o tratamento preventivo com drogas seja bem tolerado quando feito de forma correta, com doses iniciais baixas aumentadas lenta e gradualmente, há pacientes que apresentam efeitos colaterais incômodos. Dependendo da atividade, pode haver comprometimento da capacidade laboral e prejuízo para o desempenho das funções. Especificamente entre pilotos de helicóptero, o uso dos antidepressivos tricíclicos (amitriptilina, nortriptilina, doxepina), dos antagonistas da serotonina (pizotifeno) e de alguns neuromoduladores (topiramato) pode alterar a vigília e a concentração além de provocar distúrbios de memória e sonolência desagradável. Já as drogas de crises costumam sem muito bem toleradas, mas nada impede que um determinado organismo apresente reações adversas inesperadas como moleza (astenia) após seu uso.
Se avaliarmos as drogas sugeridas como contra indicadas para pilotos de helicópteros, veremos que há várias drogas comumente usadas no tratamento da enxaqueca. Antiinflamatórios, cafeína, corticóides e outras drogas são proibidas ou desaconselhadas embora integrem a lista de substâncias disponíveis até sem a necessidade de receita médica, em vários fármacos para enxaqueca. A avaliação individual de cada caso deve nortear a abordagem do piloto que sofre de cefaléia.
Os pacientes que desempenham funções de piloto devem comunicar ao médico que os trata e lembrá-lo que devem começar o tratamento com doses baixas, para só então escaloná-las de forma lenta e gradual.
Em geral o tratamento é eficiente ao longo de três a cinco semanas e os benefícios obtidos se traduzirão por melhor qualidade de vida e de capacidade de trabalho. Esse fato não isenta o piloto de evitar o uso excessivo de drogas para as crises, isto é, evitar usá-las em mais de dois dias na semana e de buscar uma vida mais regrada e fisicamente ativa. Muitas vezes a rotina da vida de um piloto é desgastante e desregrada o que agrava as crises de enxaqueca.
Referências
1. Headache Classification Subcommittee of the International Headache Society. The International Classification of Headache Disorders. 2nd Edition. Cephalalgia 2004;24(suppl 1):16-149.
2. Krymchantowski AV. Dor de Cabeça e Enxaqueca. Os Caminhos para o Alívio. São Paulo:Espaço Editorial, 2010:1-139.
3. Krymchantowski AV. Condutas em Cefaléia. São Paulo:Lippincot Williams & Wilkins, 2009:1-38.
4. Lipton RB, Stewart WF, Scher AI. Epidemiology and economic impact of migraine. Curr Med Res Opin. 2001;17 Suppl 1:s4-12
5. Bigal ME, Bigal JO, Bordini CA, Speciali JG. Prevalence and costs of headaches for the public health system in a town in the interior of the state of São Paulo. Arq Neuropsiquiatr. 2001 Sep;59(3-A):504-11.
6. Gander PH, Barnes RM, Gregory KB, Graeber RC, Connell LJ, Rosekind MR. Flight crew fatigue III: North Sea helicopter air transport operations. Aviat Space Environ Med. 1998 Sep;69(9 Suppl):B16-25
7. Iversen HK, Langemark M, Andersson PG, Hansen PE, Olesen J. Clinical characteristics of migraine and episodic tension-type headache in relation to old and new diagnostic criteria. Headache 1990;30:514-19.
8. Murray CJ, Lopez AD. Alternative projections of mortality and disability by cause 1990-2020: Global Burden of Disease Study. Lancet. 1997 May 24;349(9064):1498-504
9. Lipton RB, Bigal ME. Migraine: epidemiology, impact and risk factors for progression. Headache 2005;45(suppl 1):S3-S13.
10. Stewart WF, Shechter A, Lipton RB. Migraine heterogeneity, disability, pain intensity, and attack frequency and duration. Neurology 1994 44(suppl4):S24-S39.
11. Cho AA, Clark JB, Rupert AH. Visually triggered migraine headaches affect spatial orientation and balance in a helicopter pilot. Aviat Space Environ Med. 1995 Apr;66(4):353-8.)
12. Website. http://www.aeronautas.org.br/blogs/saude/31-medicamentos-contra-indicados-aeronautas, acessado em 08/09/2011 às 14:14h.
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